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julho 30, 2010
Estátua "dispara" obra de McQueen por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria por Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 30 de julho de 2010
Artista diz que visão do monumento em Nova York o inspirou a realizar uma "investigação física da liberdade"
Tailandês Apichatpong Weerasethakul retorna ao seu país para documentar memórias "de segunda mão"
Na balsa para Manhattan, Steve McQueen foi fisgado pelo olhar da estátua da Liberdade e sua tocha de cobre fincada no céu de Nova York.
"Foi um disparo na minha cabeça, acendeu uma luz", conta o artista britânico à Folha. "Naquela hora, já tinha umas dúvidas sobre o que quer dizer a ideia de liberdade nesses nossos tempos."
Tempos atrás, a greve de fome de Bobby Sands, ativista do Exército Republicano Irlandês que definhou em protesto contra o governo Thatcher nos anos 1980, foi mote de "Hunger", filme do artista premiado em Cannes.
"Queen and Country" (a rainha e o país), sua série de selos postais em que estampou rostos de soldados britânicos mortos em combate no Iraque, também está impedida de circular até hoje por censura do Royal Mail.
Não estranha que a liberdade tenha virado uma espécie de obsessão visual para o artista, como se tentasse vencer amarras do sistema, transpor o limiar entre a poesia da arte e a prosa do cinema, na obra que leva à próxima Bienal de São Paulo.
"É uma investigação física da liberdade e do monumento erguido em homenagem a essa ideia", diz ele sobre "Static". "Estático porque não se move, é a tentativa de entender como esse objeto se traduz para a realidade."
Nos rodopios de sua câmera em torno da estátua, McQueen funde dois tempos -a crueza morta de um monumento que treme como símbolo vazio e as associações históricas à América que recebeu os "pobres, cansados, as massas amontoadas desejosas de respirar".
Querendo ou não, McQueen lembra as consequências históricas desse chamado. Espécie de fantasma extraquadro, o ataque às Torres Gêmeas sublinha o momento em que a América deixou de querer esses povos e virou uma terra violentada.
CALOR E DESTRUIÇÃO
Tem a mesma pegada o filme "Fantasmas de Nabua", do tailandês Apichatpong Weerasethakul. Num retorno ao nordeste do país onde cresceu, o artista lida com a memória de segunda mão. São jovens que querem esquecer o passado violento da vila num jogo de futebol com uma bola pegando fogo.
Em pouco mais de dez minutos, Weerasethakul estoura os limites de suas lembranças sem situar no tempo e no espaço os lances flamejantes da ação que acaba na própria tela em chamas.
"É a ideia de dor e prazer juntos", resume. "Esses personagens passam a ideia de calor, mas ao mesmo tempo representam a destruição, numa tensão perpétua."
Nos aspectos formais tanto desse filme quanto de "Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives", seu filme que venceu o último Festival de Cannes, ensaia uma ode aos mecanismos do cinema.
"É um tributo a essa terra e também aos filmes, gibis e televisão que acompanho desde criança", conta. "Sinto uma necessidade urgente de documentar minhas lembranças, mas, ao mesmpo tempo, de atualizar isso ao contexto contemporâneo."
ROSTOS NO ABISMO
Mas nessa atualização, Weerasethakul passa por Jean-Luc Godard e alguns truques da nouvelle vague.
É a mesma rota e cartilha formal que segue Chantal Akerman em "D'Est", a instalação que mostra na Bienal. "Quando vi o primeiro filme de Godard, mudei toda minha visão de mundo", lembra Akerman. "Aquilo mudou meu olhar, era a ideia de modernidade em si."
Filha de judeus fugidos da Polônia, ela volta ao Leste Europeu numa investigação de povos e paisagens sem rumo. Busca um coro de vozes dissonantes numa espécie de "música estrangeira" e descobre, no fim, que já tinha na cabeça desde sempre as imagens que encontrou.
julho 29, 2010
Navegação quadro a quadro por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 23 de julho de 2010
SANDRA CINTO - Imitação da Água / Instituto Tomie Ohtake / até 1º/8
Um poema, segundo João Cabral de Melo Neto, é um corpo completo, indivisível, dinâmico. Quando a artista Sandra Cinto se refere a um poema de João Cabral, ela assume seu dinamismo para justamente dividi-lo, desdobrá-lo em planos, sequências, capítulos, espaços segmentados. Distribuída em três salas do Instituto Tomie Ohtake, a exposição “Imitação da Água” parafraseia o título de um poema do autor pernambucano e conta uma história em três tempos.
O ciclo das águas se iniciou no trabalho de Sandra em 2008, na série “Travessia Difícil”, que citava a pintura “A Difícil Jornada”, do pintor romântico Théodore Géricault. Os mesmos elementos estão dispostos aqui: barquinhos de papel que enfrentam desenhos de mares revoltos, chuvas, tempestades. A repetição é um elemento importante dessa história e chama a atenção para os ciclos de crises e enchentes vividos pela sociedade brasileira.
O desenho que preenche a totalidade da parede redonda da primeira sala é um trabalho para ser visto em movimento e, dessa forma, entrar no embalo das ondas, até chegar à vertigem. Na segunda sala, as águas se intensificam, e começa a chover. Quadro a quadro, a tempestade aumenta, culminando na derrocada de barcos que despencam de uma mesa de escritório. A literatura e o escritor estão subitamente revelados aí, nessa mesa. Nesse momento, dá-se conta de que cada sala funciona como a página de um poema ou o capítulo de um livro.
Na terceira sala, numa espécie de anunciação de final feliz, os elementos são organizados de forma a sugerir que a ordem volta a reinar. Mais um ciclo foi cumprido. Depois de tanto movimento, o público é convidado a descansar em um banco de madeira a contemplar o mar e o horizonte. Nesse epílogo da obra de Sandra, o espectador tem tempo para refletir sobre uma questão rara à arte contemporânea: a narrativa. Mas, absorto na placidez da paisagem que se lhe descortina à frente, não suspeita que seu banco se apoia sobre livros que contam histórias de naufrágios, trombas e ciclones. Outras tempestades se anunciam.
Um patrimônio invisível por Paula Alzugaray e Nina Gazire, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray e Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 16 de julho de 2010.
Exclusão de obra de Lygia Clark da 29ª Bienal de São Paulo e proibição o uso do nome da artista em mostra em Fortaleza reacendem polêmica sobre necessidade de regulação de direitos autorais
A arte brasileira nunca esteve tão em alta no contexto internacional. Do jeito que as coisas vão, logo o brasileiro terá que viajar se quiser ver a arte feita em seu país. Especialmente se essa arte for produzida por artistas já falecidos, já que aqueles que detêm os direitos de espólios nem sempre facilitam sua difusão. A retirada da obra “Caminhando”, de Lygia Clark (1920-1988), do conjunto de obras que a partir de 25 de setembro irão integrar a 29ª Bienal de São Paulo, ilustra bem a problemática.
“Lygia Clark para nós é um emblema, é uma inventora”, diz Agnaldo Farias, curador da 29ª Bienal. “Ela inventou algo chamado ‘Caminhando’, que é um exercício democrático, acessível a qualquer pessoa.” A obra é uma fita de Moebius e acontece na medida em que o público recorta o papel. Foi criada em 1963, quando Lygia dizia que a arte não deveria só ser contemplada com olhos, mas traduzida em experiências. Mas um pacote de condições impostas pelos responsáveis por seu espólio – a proibição de que determinados críticos escrevessem sobre sua obra no catálogo, a garantia de que as bobinas de papel seriam repostas exclusivamente por courriers enviados do Rio de Janeiro e a cobrança de R$ 45 mil – levou a curadoria da Bienal a desistir da obra. “Tínhamos o dinheiro, mas decidimos que não poderíamos chegar a esse nível de concessão. Isso era trair a memória da Lygia Clark”, afirma Farias. “O interesse argentário sobrepõe-se a um interesse cultural e familiares estão contribuindo para a desaparição dessas obras. Comenta-se menos Lygia Clark.”
A atual Lei de Direitos Autorais, em vigor desde 1998, prevê que os direitos se estendam à família por 70 anos após a morte do artista. Cabe aos herdeiros o zelo pela integridade física da obra, além de sua difusão. Na falta de uma política cultural de preservação da arte brasileira, a atuação dos familiares torna-se fundamental. “O herdeiro tem o direito de fazer o que quiser com a verba arrecadada através dos direitos autorais. É um direito constitucional. A família de Lygia achou por bem ceder a uma associação cultural que preserva todo o acervo documental da artista para dar acesso a quaisquer pessoas que tenham interesse em sua arte”, afirma Alessandra Clark, neta da artista.
“De fato, o Estado está desmoralizado, os nossos museus não colecionam nada, ou pouquíssimo, e as artes visuais deste país são mantidas invisíveis. Temos que agradecer a essas famílias, e seu direito é legítimo. Mas estamos discutindo os excessos”, continua Farias. A associação O Mundo de Lygia Clark inclui entre suas missões a propagação das ideias da artista. Mas algo deve estar errado, já que sobram relatos de exposições e publicações impedidas de realização, por intervenção da associação. O caso mais drástico e recente envolve a curadora Suely Rolnik, pesquisadora reconhecida internacionalmente como uma das maiores expertises na obra de Lygia. Paradoxalmente, ela é uma das críticas impedidas de escrever sobre a obra de Lygia no catálogo da Bienal.
Suely concebeu um arquivo de 65 entrevistas com pessoas que vivenciaram as sessões com objetos relacionais, na fase em que a artista se voltou para experiências terapêuticas. Com depoimentos de músicos como Caetano Veloso e Jards Macalé, o arquivo ganhou reconhecimento e diversas exposições na Europa. Mas, quando a exposição foi montada no Centro Cultural BNB, em Fortaleza, em maio, Suely recebeu uma notificação de O Mundo de Lygia Clark para a retirada do nome da artista do título da exposição, de textos e catálogos. Para que o nome constasse do material gráfico, a associação cobrava R$ 40 mil.
“Sem consulta prévia, o banco decidiu retirar todos os textos. Meu trabalho foi mutilado e os filmes não têm sequer um frame de imagem de Lygia”, afirma Suely, que apresentará a exposição dos arquivos, em agosto próximo, no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam), no Recife. Sem a exclusão do nome, a mostra “Lygia Clark: do Objeto ao Acontecimento” será inaugurada com um simpósio sobre direitos autorais, promovido pelo Ministério da Cultura.
“Estamos propondo uma reforma da Lei de Direitos Autorais para garantir o direito do autor e harmonizá-lo com o direito de acesso por parte da população”, afirma Juca Ferreira, ministro da Cultura. “Essa harmonização no Brasil é complicada, porque os direitos vão para a família do autor e ela pode fazer o que quiser.” Segundo as novas regras, em consulta pública no site do MinC até 30 de julho, passa a ser permitida a reprodução gratuita de obras de artes visuais para fins de publicidade relacionada à exposição pública, sem a necessidade da autorização dos titulares dos direitos das imagens das obras, desde que liberada pelos proprietários dos suportes em que a obra se materializa.
“É muito fácil dizer que se está realizando um projeto em homenagem a um artista”, argumenta Alessandra Clark. “Pensamos que será difícil o governo detectar o que é realmente didático ou tem fins comerciais.” Mas, se a nova lei tivesse instrumentos que facilitassem a percepção de fins educativos, isso certamente teria favorecido a mostra em Fortaleza e a inclusão de Lygia na Bienal de São Paulo. “A Bienal está atingindo 40 mil professores da rede pública, seu efeito multiplicador é enorme. O patrimônio de um país é isto: é absolutamente ridículo que o Brasil continue, nessa altura do campeonato, sendo exportador de petróleo e minério. Temos que exportar nossa inteligência”, diz Farias.
A nova lei será bem-vinda se vier a estimular a produção de conhecimento, gerada em casos como
a parceria entre a editora Cosac Naify e a Fundação Iberê Camargo, que desde 2003 publicou cinco livros que mapeiam a obra do artista gaúcho. “É preciso criar uma indústria cultural forte. O mundo inteiro está interessado em nossa cultura e não podemos cometer o mesmo erro do futebol. Temos os melhores jogadores, mas não temos competência para mantê-los. Se não formos capazes de regulamentar um direito, a produção brasileira se tornará inviável”, afirma o ministro Juca Ferreira.
Morre aos 78 anos o artista concreto Rubem Ludolf por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 28 de julho de 2010.
Vítima de um aneurisma na aorta, ele estava internado havia dez dias e concluiu mostra pouco antes da morte
Pintor foi um dos nomes fortes do concretismo e integrou o grupo Frente com Ivan Serpa, Lygia Clark, entre outros
Morreu na tarde de anteontem, no Rio, o artista Rubem Ludolf, 78. Vítima de um aneurisma na aorta, ele estava internado havia dez dias no Hospital Samaritano.
Seu corpo foi velado na manhã de ontem no cemitério São João Batista, na zona sul, onde seria enterrado.
Ludolf nasceu em 1932, em Maceió, e se radicou depois no Rio. Estudou com o concretista Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna e depois integrou o grupo Frente ao lado de artistas como Lygia Pape, Lygia Clark e Aluísio Carvão.
Ele trabalhou até pouco antes da morte e concluiu uma exposição ainda em cartaz no Gabinete de Arte Raquel Arnaud, em São Paulo.
Sua obra ficou marcada pela exploração de formas geométricas e tramas de intenso cromatismo. Críticos também ressaltam a vibração luminosa dessas cores e seus jogos de profundidade. Ludolf descreveu o próprio processo como ato de "pintar a tela em branco como quem escrevesse com a cor, formando frases em pinceladas ordenadas até que as tramas, os signos tomem forma e comecem a respirar".
Ele participou cinco vezes da Bienal de São Paulo e foi homenageado com uma aquisição em 1967. Ludolf não se casou nem teve filhos.
julho 27, 2010
De Picasso a Garry Hill por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste
Matéria de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 Cultura do jornal Diário do Nordeste 11 de julho de 2010.
O Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar inaugura amanhã a exposição "De Picasso a Gary Hill". Reunindo trabalhos de nomes referenciais para a história da arte, como Picasso, Matisse e Dalí, a mostra integra o rol dos maiores eventos do tipo já realizados em Fortaleza. O Caderno 3 deste domingo destaca as principais obras da nova exposição. E debate os prós e contras dos grandes eventos destinados à formação de público em artes
O projeto da exposição "De Picasso a Gary Hill" foi fundamentado na produção artística desenvolvida no século XX, num recorte amplo, que vai do cubismo picassiano à interação das artes visuais com as linguagens eletrônicas. A coletiva, com abertura marcada para amanhã, às 20h, no Museu de Arte Contemporânea (MAC), do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, reunirá obras de 35 nomes consagrados da arte mundial, dentre os quais se destacam artistas como Pablo Picasso, Henri Matisse, Paul Klee, Marc Chagall, Antoni Tapies, Salvador Dalí, Christian Boltanski, Bruce Nauman e Gary Hill.
A arte brasileira também ganha espaço, com os trabalhos de Letícia Parente e dos pintores cearenses Antônio Bandeira e Aldemir Martins.
Com curadoria de José Guedes, diretor do museu, e Roberto Galvão, a exposição apresenta obras da coleção da Pinacoteca do Estado do Ceará (um trabalho de Bandeira e outro de Aldemir Martins); do acervo do próprio MAC (o vídeo "Marca Registrada" de Letícia Parente) e do Instituto Valenciano de Arte Moderna (IVAM), da Espanha, de onde vem a maior parte dos trabalhos da mostra.
A princípio, conforme divulgado na entrevista coletiva convocada em 19 de maio pelo MAC sobre o projeto, a mostra contaria com a presença de obras do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP) e do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc/UFC). Por motivos diferentes, elas não estarão na exposição a ser aberta amanhã.
A ausência das obras de São Paulo, argumenta José Guedes, se deve à construção do novo prédio do MAC da USP. "Eles vão inaugurar um outro espaço, e essas obras terão de ficar na instituição. Inclusive elas nem poderiam ficar durante todo o período de execução da mostra, teriam de voltar logo", afirma.
Quanto aos dois trabalhos do Mauc da UFC, uma tela de Antonio Bandeira e um nanquim de Aldemir Martins, o curador explica que resolveu não as levar para a coletiva, por já dispor de outras obras desses dois artistas, advindas do acervo da Pinacoteca do Estado do Ceará.
Investimento
"De Picasso a Gary Hill" tem um orçamento em torno de R$ 400 mil. Valor considerado baixo para uma exposição de grande porte. A realização do projeto só foi possível, sustenta Guedes, devido ao diálogo que vem sendo construído entre o MAC-Dragão e o Instituto Valenciano de Arte Moderna (IVAM).
"O IVAM é o museu mais importante da Espanha. Há mais de dez anos que conheço o pessoal dessa instituição, sobretudo a Consuelo Ciscar, que está na direção há uns dois anos, acho. Quando assumi o museu, trouxe algumas exposições valencianas para cá, iniciando a parceria com o MAC".
Nessa relação, ele explica que a instituição apenas empresta as obras, e o Estado não tem que pagar nada por isso. "É importante para essas instituições que seus acervos circulem mundo a fora, façam-se conhecidos. Assim como é interessante, para nós, receber esses trabalhos e ampliar os nossos horizontes artísticos", diz.
Blocos temáticos
Conforme José Guedes, a atual exposição foi formatada especialmente para Fortaleza. "Daqui a coletiva vai para Sobral, onde ficará exposta na Casa de Cultura, e, em seguida, ficará em cartaz no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba".
A curadoria recorreu à formação de grupos de tendências, sem, contudo, seguir as categorias tradicionais da história da arte. A mostra está dividida em sete grupos temáticos, sem limites de fronteira nem preocupação com a cronologia: "Figurativismo expressivo", "Caminhos fantásticos", "Lirismo lúdico", "Ideias construtivas", "O valor da matéria", "Conceitos e formas" e "Laços com a tecnologia". Essa estruturação permite aos visitantes ter uma noção do que foi a Arte Moderna. Momento em que os artistas passam a experimentar novas visões, através de ideias inéditas sobre a natureza, os materiais e as funções da arte.
MinC pede apoio para aprovar Nova Rouanet por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada em 27 de julho de 2010.
MinC tenta controlar poder da entidade arrecadadora de direito autoral
Enquanto o projeto de reforma da lei do direito autoral segue em consulta pública, o Ministério da Cultura prepara um edital que financiará entidades arrecadadoras de direitos.
A ideia do governo é distribuir recursos do orçamento federal para que grupos ligados às mais variadas áreas artísticas desenvolvam sistemas capazes de recolher direitos autorais.
Serão distribuídos, por meio de concurso público, pelo menos R$ 600 mil. O dinheiro pode beneficiar entidades já existentes ou bancar a criação de novos grupos.
"Queremos que as entidades possam investir no aprimoramento de seus sistemas de transparência", diz José Luiz Herência, secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura (MinC).
Por trás do edital, está a tentativa do MinC de controlar o poder do Ecad (Escritório Central de Arrecadação de Direitos), criado na época da ditadura e representante de cerca de 240 mil músicos.
Para Roberto Mello, presidente da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), a iniciativa do governo é equivocada e arriscada.
"Você vai estimular a inadimplência", crava Mello. "Vai acontecer o que acontecia antes da criação do Ecad. O usuário passa a depositar em juízo por não saber a quem deve pagar."
José Vaz, da Diretoria de Direitos Intelectuais do MinC, coordenador do edital, diz, por outro lado, que o projeto vem apenas atender a uma demanda do setor cultural. "Com a internet, a gestão coletiva se tornou uma necessidade. Grupos de todo o país têm nos procurado", diz.
CONSULTA
Para tentar aplacar a fúria de grupos de artistas que dizem que o projeto do governo põe em risco os direitos dos artistas, o MinC apresenta hoje os resultados da consulta pública aberta há 45 dias.
Foram apresentadas, até agora, 1.040 sugestões. O prazo de consulta do projeto foi estendido até 31/8.
Herdeiros X artistas por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste
Matéria de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 Cultura do jornal Diário do Nordeste 25 de julho de 2010.
Não é de hoje que impasses envolvendo leis e contratos conferem aos herdeiros de artistas falecidos um poder desmedido sobre bens que possuem evidente dimensão pública. A ausência da obra de Lygia Clark da Bienal é um dos episódios mais recentes envolvendo essa questão
A retirada da obra "Caminhando", de Lygia Clark (1920-1988), do conjunto de trabalhos que a partir de 25 de setembro irão compor a 29ª Bienal de São Paulo reacende a polêmica sobre a urgência de revisão da lei de direitos autorais no País. Segundo Agnaldo Farias, um dos curadores do evento, em entrevista publicada pela Revista Isto É, no dia 16 de julho, a exclusão foi ocasionada por imposições da "Associação Cultural O Mundo de Lygia Clark", dirigida pelos herdeiros da artista.
"Lygia Clark para nós é um emblema, é uma inventora. Ela criou algo chamado ´Caminhando´, que é um exercício democrático, acessível a qualquer pessoa. A obra é uma fita de Moebius e acontece na medida em que o público recorta o papel. Foi criada em 1963, quando Lygia dizia que a arte não deveria só ser contemplada com olhos, mas traduzida em experiências. Mas um pacote de condições impostas pelos responsáveis por seu espólio - a proibição de que determinados críticos escrevessem sobre sua obra no catálogo, a garantia de que as bobinas de papel seriam repostas exclusivamente por ´courriers´ enviados do Rio de Janeiro e a cobrança de R$ 45 mil, levou a curadoria da Bienal a desistir da obra", declarou.
O curador revelou que a Fundação Bienal de São Paulo até poderia pagar o valor estipulado pelos familiares, mas, em consideração à artista e ao seu trabalho, resolveu não aceitar. "Tínhamos o dinheiro, mas decidimos que não poderíamos chegar a esse nível de concessão. Isso era trair a memória da Lygia Clark. O interesse argentário sobrepõe-se a um interesse cultural. E familiares estão contribuindo para a desaparição dessas produções".
Agnaldo Farias também destacou em seu depoimento a Isto É o efeito multiplicador da Bienal sobre o público não especializado, uma vez que o evento chega a atingir 40 mil professores de escolas públicas. "O patrimônio de um País é isto. É absolutamente ridículo que o Brasil continue, nessa altura do campeonato, sendo exportador de petróleo e minério. Temos que exportar nossa inteligência", disse.
A polêmica gerada pela retirada da obra da Bienal repercutiu em vários meios de comunicação. No início de junho, a Folha de São Paulo, por exemplo, publicou uma declaração polêmica de Álvaro Clark, filho da artista, responsável pela direção da "Associação Cultural O Mundo de Lygia Clark". "Minha mãe nasceu rica, casou com homem rico e, na separação, recebeu 86 apartamentos, que ela foi vendendo um a um, para fazer a obra dela. Só não morreu pobre porque eu ajudei. Muitas vezes não comemos goiabada com queijo porque ela não tinha dinheiro para a feira. A gente cobra porque é preciso, para manter a obra dela".
Exposição em Fortaleza
Não apenas na 29ª Bienal de São Paulo a participação da obra e o uso da imagem de Lygia Clark foram impedidos por desacordo com familiares. Recentemente, em Fortaleza, assistimos a um episódio como esse, envolvendo os herdeiros da artista.
De 17 de abril a 7 de maio, o Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) manteve em cartaz a mostra "Do objeto ao acontecimento", em que foram exibidos 17 filmes sobre o Neoconcretismo e a Nova Objetividade Brasileira, a partir das últimas proposições artísticas desenvolvidas por Lygia Clark.
Com curadoria de Suely Rolnik, uma das maiores especialistas na obra de Lygia, a exposição trazia depoimentos de artistas, intelectuais, amigos e pessoas que passaram por seu set terapêutico - entre elas os cantores Jards Macalé, Caetano Veloso, e o poeta Ferreira Gullar.
A pesquisa de Rolnik ganhou reconhecimento internacional e algumas exposições na Europa. Mas, quando foi montada em Fortaleza, a curadora recebeu uma notificação de "O Mundo de Lygia Clark" para a retirada do nome da artista do título da exposição, de textos e catálogos. Para que o nome constasse do material gráfico, a associação cobrava R$ 40 mil.
A coordenadora do Núcleo de Artes Visuais do CCBNB, Jacqueline Medeiros, recorda que a intimação foi motivo de surpresa e, também, de frustração. "Ficamos perplexos porque na exposição não tinha nenhuma obra de Lygia Clark, imagem da artista ou de alguma obra sua. Na verdade foi uma mostra de vídeos com depoimentos de pessoas da arte que vivenciaram de alguma forma as experiências da última fase da artista. São 17 vídeos cujo título é ´Lygia Clark, do Objeto ao Acontecimento´. Foi patrocinado pelo Minc/Ancine, mas os vídeos não puderam ser mostrados com o título".
Medeiros explica que, depois da exposição montada, receberam uma carta da "Associação Cultural O Mundo de Lygia Clark" informando que teriam que pagar para colocar o título dos vídeos e textos da curadora em que constasse o nome da artista.
"O não pagamento nos obrigou a retirar o nome de todos os impressos. Apesar da exposição acontecer, não pudemos colocar as informações mínimas de contextualização nas paredes e no folder. Só pudemos fazer isso por meio da pessoa do educativo que interagia com os visitantes. Hoje, os vídeos estão disponíveis na nossa biblioteca para serem assistidos por qualquer pessoa. A formação pelo acesso à arte é um dos objetivos do CCBNB. Assim, já fizemos exposições relevantes para o entendimento da arte contemporânea, como a ´Tropicália´ com a obra de Hélio Oiticica, aliada a seminários e filmes".
Medeiros defende que as discussões sigam a direção da efetividade da atuação dessas fundações ou associações a respeito do cumprimento de seus objetivos, considerando as questões sobre a apresentação da obra dos artistas em exposições, abertura do acervo para pesquisa e edição de publicações. "Se preservam a vida e a obra do artista, como essas obras estão sendo mostradas no Brasil ou no exterior? O conceito dessas obras está mantido? Quantos pesquisadores estão estudando suas obras? Qual o estímulo que essas famílias estão dando para que esses acervos sejam estudados e publicados no Brasil? Pelo menos em dois mestrados em que frequento aulas no Rio, só tenho conhecimento de pesquisa sobre Hélio Oiticica".