|
novembro 18, 2018
Artigo: O MAM e a volta por cima por Leonel Kaz, O Globo
O MAM e a volta por cima
Artigo de Leonel Kaz originalmente publicado no jornal O Globo em 16 de novembro de 2018.
Falta de planejamento e estratégia levaram o poder público e empresas a se afastarem do museu
Um museu que não acredita no valor da cultura torna-se indigno de si mesmo. O fato de a obra do Pollock, pertencente ao Museu de Arte Moderna, não ter sido vendida no leilão de Nova York desmerece a obra, o que esperavam dela e o que queriam fazer com o dinheiro que com ela arrecadariam. Como o famoso conto de fadas “A menina e o leite”, em que a menina vai vender o litro de leite e comprar ovos e ter galinhas e adquirir porcos... e o leite se quebra.
Aqui, no caso, o que se esparrama é o que vem sendo apontado pelo Grupo Pró-MAM, formado por cerca de 300 artistas e curadores: a evidência da má gestão e a perda de credibilidade da atual direção do museu. Há 60 dias, finalmente, o Conselho do MAM contratou a Falconi Consultores para realizar uma auditoria na instituição. E o que eles encontraram como resultado? Um conjunto raro de equívocos administrativos. Cabe, agora, ao Conselho trazer a público o que ali foi revelado
Está na hora também de parar de dizer que o MAM é “um museu privado, mantido pela família Chateaubriand e que nunca recebeu recursos públicos”, como se noticiou ontem. O MAM foi construído num terreno público, com recursos públicos e mantido sempre — até há pouco —com dinheiro público e privado. O que ocorreu foi que a falta de planejamento e estratégia levaram o poder público e empresas a se afastarem. Vale ressaltar que a Coleção Gilberto Chateaubriand, que ali se encontra em comodato com suas oito mil obras, também é mantida com recursos públicos, já que o museu nunca recebeu uma só delas como doação. E aqui não se faz nenhuma acusação — que isto fique bem claro! — porque Gilberto é figura queridíssima por todos nós e seu mérito para a construção da arte brasileira é absolutamente indiscutível. Queremos, sem dúvida, que a coleção ali permaneça.
Quando Rockfeller doou ao MAM o quadro “Number 16” de Pollock, em 1952, a finalidade era de que a obra também tivesse uma destinação pública e de que, como alertou o artista Antonio Manuel, “se criasse um museu à altura do MoMA ou da Tate”. Ora, vendê-la para aplacar uma dívida de R$ 1,5 milhão? Aplicar o restante sem que haja uma estratégia? Fazer desaparecer um patrimônio que pertence a todos os brasileiros para cobrir erros da atual direção? O MASP, museu de estrutura administrativa semelhante, devia muito mais que isso. Há dois anos, convocou o empresariado, colocou gente vigorosa na gestão, foi atrás da sua credibilidade perdida... Pronto: já pagaram tudo o que deviam, estão com superávit e investindo em exposições de qualidade, que trazem público, bilheteria e repercussão internacional. Está aí a prova de que existem vários caminhos viáveis, que exigem energia, aplicação, trabalho.
Para tanto, o MAM não pode afastar ninguém. Não pode continuar enclausurado. Tem de convocar todos — artistas, colecionadores, críticos, os mais singelos cidadãos que o frequentam, que tão-somente amam esta cidade e querem seu museu radioso de volta. Vamos, juntos, buscar alternativas, apoios, recursos, novas energias. Senhores do Conselho do MAM, vamos imaginar que o leilão da obra não se deu e que, como em outro conto de fadas, a obra de Pollock deu um passeio em seu rincão natal, tomou novos ares e agora está mais do que nunca desejosa dos trópicos, onde aqui já vive há 66 anos. Vamos nos unir nessa luta singela e vigorosa, para que o MAM dê a volta por cima e para que a arte permaneça em seu lugar de destino: o museu.
Leonel Kaz é curador e integra o Grupo Pró-MAM