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julho 25, 2017
No dia de seu aniversário de 60 anos, José Bechara abre individual no MAM por Nelson Gobbi, O Globo
No dia de seu aniversário de 60 anos, José Bechara abre individual no MAM
Matéria de Nelson Gobbi originalmente publicada no jornal O Globo em 25 de julho de 2017.
Com obras em grande escala, "Fluxo bruto" aborda temas como a passagem do tempo
José Bechara - Fluxo Bruto, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, RJ - 26/07/2017 a 05/11/2017
RIO — José Bechara completa 60 anos nesta terça-feira, mesmo dia em que abre sua nova individual no Museu de Arte Moderna do Rio, “Fluxo bruto”, com seis obras inéditas e outras quatro de colecionadores. Um dos artistas brasileiros mais atuantes de sua geração, com trabalhos em instituições como o Centre Pompidou, da França; o Museum of Latin American Art (Molaa), nos EUA; a Pinacoteca do Estado de São Paulo e o próprio MAM Rio, Bechara também completa 25 anos de carreira em 2017. As datas poderiam suscitar uma mostra retrospectiva, mas esse é um projeto que está fora dos planos do autor das obras em grande escala que ocupam o Salão Monumental do museu carioca até 5 de novembro.
— Tem tanta coisa que quero realizar, inventar no meu ateliê, que não paro para pensar na obra em perspectiva nem em relação à idade. Comecei a fazer, sim, uma contabilidade, neste momento de vida, sobre as falhas que cometi e que não quero repetir. Quero ser melhor como indivíduo. Estamos vivendo um momento muito complicado no mundo, espero que as pessoas se deem conta de como perdemos tempo, uma matéria finita que nos é dada em pequeníssimas quantidades, com coisas absolutamente superficiais — analisa Bechara. — Sou um artista de ateliê, para mim é o melhor lugar do mundo. Mas o meu é pequeno. Então, quando tenho a oportunidade de ocupar grandes espaços em museus, aproveito para realizar novas experiências, coisas que não poderia fazer no meu ateliê. Mostrar apenas coisas que já fiz é como se perdesse uma dessas oportunidades. Prefiro deixar a retrospectiva para quando eu morrer, se valer a pena alguém faz.
Para a individual, foram selecionados, de sua produção recente, o díptico “Visto de frente é infinito” (2010), pertencente à coleção Dulce e João Carlos Figueiredo Ferraz, e duas pinturas (1995) da coleção Gilberto Chateaubriand, além de uma nova versão da instalação “Miss Lu Super-Super”, que foi ampliada para ocupar o espaço central do Salão Monumental. O resto do ambiente foi ocupado com duas telas inéditas e outas instalações em grande escala, como “Ângelas”, formada por três esferas maciças de mármore (a maior com 1,8 tonelada) e grandes placas de vidro, com todos os elementos suspensos por cabos de aço. Para o artista, as obras traduzem sua relação com o espaço e o tempo.
— Os trabalhos com o vidro, ou mesmo com o metal, que é vazado, criam essa dupla característica, de ocupar um grande espaço ao mesmo tempo que se deixa entrever. Esse tipo de dualidade também é o que me interessa no ser humano, essa criatura que produz poesia, música, arte, coisas elevadas para o espírito, e também é capaz de tanta selvageria. As obras trazem ainda um pouco da fragilidade humana. Apesar de serem enormes, elas estão montadas a partir da gravidade, poderiam vir ao chão — observa Bechara. — Colocar esses elementos dispostos dessa maneira é uma forma de congelar o tempo, essas obras só existirão assim durante o período da exposição. Essa breve interrupção do tempo me alivia um pouco. O tempo é algo aflitivo para mim, mas nunca quis analisar isso, prefiro lidar com essas questões no meu trabalho.
A curadoria de “Fluxo bruto” é assinada por Beate Reifenscheid, curadora e diretora do Ludwig Museum de Koblenz, na Alemanha, onde Bechara expôs em 2015. Beate conheceu o brasileiro em uma viagem ao Rio em 2014, e desde então a dupla nutria o projeto de realizar uma exposição. Após a montagem alemã, foi a vez da individual no Rio, que pode virar um livro com texto dela.
— Durante a exposição no Ludwig, o público admirava muito os trabalhos dele, nas nossas visitas guiadas tínhamos muitas conversas a esse respeito. Após esse projeto, começamos a pensar em novas exposições e, quando Bechara foi convidado para o MAM, me pediu para curar essa exposição — conta Beate. — Muitas das obras se concentram no tempo e no espaço e mesmo na sua transição, ainda que suas estruturas sejam sólidas. O trabalho do Bechara oferece ao público uma inesperada liberdade.
Bechara visitou várias vezes o Ludwig para montar a individual. O artista prefere criar ou finalizar as obras no espaço, como fez em “Fluxo bruto”, no MAM, onde permaneceu por duas semanas para executar os novos trabalhos:
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— Tenho a necessidade de frequentar o espaço, nunca consegui montar uma exposição apenas com base nas plantas, as uso apenas para resolver problemas técnicos. Mesmo no Salão Monumental do MAM, que conheço bem, tive de voltar várias vezes para elaborar as obras e sua disposição. Preciso dessa experiência física, de permanecer no espaço. Acabo transferindo meu ateliê para os lugares onde vou expor.
As “próximas paradas” do ateliê de Bechara serão em Buenos Aires, em setembro, durante a Bienalsur; na Bienal de Pequim, em outubro; e em Miami, em dezembro, onde faz uma individual na galeria Diana Lowenstein, durante a versão americana da Art Basel. Enquanto abre a individual no Rio, o artista já elabora as obras das próximas mostras, no “fluxo bruto” que dá título à exposição carioca.
— “Fluxo bruto” aborda essa sequência de trabalhos, cada um abre portas, brechas, caminhos para o próximo. Quando termino de montar uma exposição como essa, os braços param de se mexer, mas a cabeça, não.