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julho 17, 2017
Artista respeitado, Maikon K é preso por ficar nu em performance por Miguel Arcanjo, UOL
Artista respeitado, Maikon K é preso por ficar nu em performance
Post de Miguel Arcanjo originalmente publicado em seu blog no portal UOL em 16 de julho de 2017.
O artista paranaense Maikon Kempinski, conhecido como Maikon K, um dos nomes mais respeitados e consagrados da performance no Brasil, foi preso em Brasília, em uma ação policial que faz lembrar os tempos de ditadura [lembre outros casos ao fim desta reportagem].
Ele foi detido na tarde deste sábado (15). A prisão foi justificada pela Polícia Militar do Distrito Federal como sendo por “atentado ao pudor”, retirando completamente a nudez do contexto artístico em que ela ocorreu.
A prisão foi feita no momento em que Maikon K se apresentava em frente ao Museu Nacional da República com a performance “DNA de DAN”, na qual fica nu com o corpo coberto de um líquido que se resseca aos poucos, até, ao fim, se quebrar, revelando a pele do artista.
A performance “DNA de DAN” integra o projeto do Sesc “Palco Giratório”.
A performance já foi apresentada em diversos lugares no Brasil, sempre com respeito do público e da crítica especializada.
“DNA de DAN”, inclusive, foi escolhida pela artista Marina Abramović, maior nome da performance no mundo, para ser uma das oito performances brasileiras a integrar sua megaexposição “Terra Comunal” no Sesc Pompeia, em São Paulo, em 2015.
Foi a maior mostra na América do Sul da artista sérvia radicada em Nova York, e Maikon K foi convidado a apresentar “DNA de DAN” pela própria artista, admiradora do trabalho do brasileiro.
A própria Marina Abramović já utilizou da nudez como expressão artística em performances consagradas.
Abordagem violenta da PM
Em Brasília, a abordagem policial a Maikon foi feita de forma agressiva, conforme relato do artista. Ele foi levado à 5ª Delegacia de Polícia na Asa Sul e não pôde sequer terminar sua apresentação.
No DP, Maikon foi obrigado a assinar um termo circunstanciado por “praticar ato obsceno”, mesmo tendo feito uma performance artística, e só então foi liberado.
“Não estava ali como pessoa física, mas sim como artista contratado pelo Palco Giratório do Sesc”, afirma Maikon K ao Blog do Arcanjo do UOL, indignado.
Além disso, o cenário da performance — uma gigante bolha de plástico transparente criada pelo artista Fernando Rosenbaum, dentro da qual a apresentação é feita — foi rasgado de forma violenta durante a abordagem da PM, segundo relato de Maikon.
“Usaram de violência. Um sargento me imobilizou depois com uma chave de braço e não permitiu que eu levasse nem meus sapatos e documentos. Ninguém pôde me acompanhar na viatura, fui socado num porta-mala de camburão junto com um pneu de estepe”, conta.
Performance consagrada
Maikon lembra que seu trabalho “DNA de DAN” já esteve nas mais importantes instituições culturais do Brasil.
“Esse trabalho estreou em 2013 em Curitiba, com apoio de um prêmio da Fundação Nacional de Artes. Lá, fizemos dez apresentações ao ar livre, no bosque atrás do Museu Oscar Niemeyer. E nunca fomos impedidos ou atacados por isso”, diz.
“Depois, circulamos por várias cidades, tendo o apoio de instituições como a Funarte, o Sesc, o Museu de Arte Moderna do Rio, o Memorial Minas Gerais, a Casa de Cultura de Belém, o CCBB etc. Essa performance já foi feita em praças e ruas, universidades, centros de cultura, galerias”, lembra.
Maikon fala que, apesar da truculência policial da qual foi vítima, não vai desistir de sua arte.
“Podem me colocar diante de um juiz. Eu sei que eu não fiz nada de errado nem nada pelo qual eu deva me envergonhar. Eu estava trabalhando, e minha função é essa: perturbar a paisagem controlada dos sentidos”, declara.
E manda um recado a quem quer calar sua arte:
“O meu corpo afronta os seus canais entupidos, o seu ódio contido, mesmo estando parado. Porque vocês nunca vão me controlar e eu pagarei o preço, eu sei, eu sempre paguei. Porque parado ali, nu, imóvel no meio da praça, suas vozes me atravessam, suas piadas estúpidas tentam me derrubar, sua indiferença me faz rir, seu embaraço me dá dó, mas eu continuo em pé.”
O Sesc ainda não se pronunciou sobre o caso, mas o Blog do Arcanjo do UOL apurou que a instituição planeja divulgar nesta segunda (17) uma nota de repúdio à prisão de Maikon Kempinski.
Governador pede desculpas
O Blog do Arcanjo do UOL apurou ainda que, neste domingo (16), o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, e o secretário de Cultura do DF, Guilherme Reis, telefonaram para Maikon K para pedir desculpas pela prisão em nome do Governo do Distrito Federal. Maikon já está sendo assessorado por advogados do Sesc.
Caso lembra a ditadura
A prisão truculenta de Maikon K durante sua performance artística “DNA de DAN” lembra os tempos da ditadura, quando casos assim aconteciam.
Em 1968, a peça “Roda Viva”, dirigida por José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, com seu Teat(r)o Oficina teve uma sessão interrompida pelo grupo Comando de Caça aos Comunistas no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo. Os artistas foram espancados e o cenário, destruído. Depois, durante a turnê no Rio Grande do Sul, os artistas voltaram a ser perseguidos com violência por militares.
Também em 1968, a atriz Norma Bengell foi sequestrada por militares no momento em que chegava ao Teatro de Arena, em São Paulo, para apresentar a peça “Cordélia Brasil”, de Antônio Bivar.
Recentemente, o teatro tem sido vítima novamente da violência policial.
Em 2015, artistas do Teat(r)o Oficina precisaram depor no Fórum Criminal da Barra Funda. Ao fim, a Justiça decidiu que o diretor José Celso Martinez Corrêa, e os atores Tony Reis e Mariano Mattos Martins, eram inocentes na ação criminal movida pelo padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, de Anápolis, Goiás.
O padre havia acusado os artistas de crime contra seu sentimento religioso católico por conta de uma cena da peça “Acordes”, apresentada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 2012 a convite de alunos, professores e estudantes em greve contra a posse da reitora Anna Cintra, que havia ficado em terceiro lugar na eleição.
O padre goiano viu a peça pela internet, no YouTube. Sentindo-se ofendido com a cena na qual um boneco semelhante ao Papa Bento 16, que na obra inspirada em Bertolt Brecht representava a figura do autoritarismo, resolveu então processar criminalmente os três artistas do grupo Oficina, além da produtora da companhia teatral, Ana Rúbia.
Também em 2015, o artista circense Leônidas Quadra, intérprete do palhaço Tico Bonito, foi preso também durante uma apresentação em Cascavel, interior do Paraná, justamente porque policiais que viam a apresentação não gostaram das críticas à polícia feita na peça. O palhaço foi detido por “desacato à autoridade”.
Em 2016, a PM de Santos, litoral paulista, prendeu o ator Caio Martinez Pacheco durante a peça “Blitz – O Império que Nunca Dorme”, da Trupe Olho da Rua, que satiriza o poder do Estado. Os policiais que estavam presentes na praça onde a peça era apresentada não gostaram do uso da bandeira nacional no espetáculo.
Passagem pelo corpo
Na programação do “Palco Giratório 2017” do Sesc, a performance de Maikon K é definida assim:
“DNA de DAN é uma dança-instalação de Maikon K. Num primeiro momento, o performer mantém-se imóvel enquanto uma substância seca sobre seu corpo. Após essa fase da experiência, ele se moverá. A ação acontece dentro de um ambiente inflável criado pelo artista Fernando Rosenbaum – o público poderá entrar nesse espaço e lá permanecer. Dan é a serpente ancestral africana, que dá origem a todas as formas. A partir desse arquétipo, Maikon K cria seu rito de passagem pelo corpo. A construção de outra pele, o ambiente artificial e a relação com o público são dispositivos para esta performance, na qual o corpo do artista passa por sucessivas transformações.”
Veja o vídeo da performance artística que foi criminalizada pela PM do Distrito Federal: