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julho 12, 2017
Mostra em SP une arte e justiça para debater condenação de catador de lixo por Fernanda Mena, Folha de S. Paulo
Mostra em SP une arte e justiça para debater condenação de catador de lixo
Matéria de Fernanda Mena originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 20 de junho de 2017.
Da aproximação entre um curador e um grupo de criminalistas nasceu a mostra "Osso: Exposição-apelo ao amplo direito de defesa de Rafael Braga", que abre na próxima terça (27), no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.
Rafael Braga foi um dos poucos brasileiros presos e condenados no contexto das chamadas Jornadas de Junho de 2013, quando manifestações tomaram as ruas do país, primeiro contra o aumento da tarifa do transporte público, depois contra a corrupção e outras bandeiras.
Menos de um mês após obter progressão para o regime aberto com o uso de tornozeleira eletrônica, ele foi preso de novo e condenado, agora por tráfico de drogas, num julgamento contestado pelo acusado.
A proposta de uma mostra política obteve a adesão de 28 artistas, como Anna Maria Maiolino, Carmela Gross, Cildo Meireles, Nuno Ramos, Paulo Bruscky e Rosana Paulino.
Para o curador Paulo Miyada, ao emprestarem seu prestígio para a causa do direito de defesa, os artistas atuam como cidadãos e colocam seu trabalho como de uso público, a favor do debate.
"A ideia é de subverter o formato mais consolidado de exposição de arte e política, quando uma proposta curatorial mais ampla permite que cada trabalho apresente uma agenda, para obtermos não apenas obras-discurso mas obras-atitude", diz Miyada.
DEBATE JUDICIAL
A exposição é uma parceria com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
"Osso" é uma alusão à escolha de obras feitas a partir de elementos mínimos e também à fragilidade do direito de defesa no país.
"Rafael Braga é um dos milhares de jovens negros e pobres condenados de maneira desproporcional a crimes a eles imputados apenas com base no relato policial", explica Hugo Leonardo, vice-presidente do IDDD.
"A Justiça criminal é em geral aplicada aos mais vulneráveis da sociedade, a quem não é dada voz, numa espécie de perseguição penal, que perpetua a exclusão."
Para ele, a abordagem por meio da arte pode quebrar barreiras, como o preconceito e a indiferença, e permitir um diálogo verdadeiro.
"A multiplicidade de sentidos e afetos envolvidos na arte são amplos, abertos, e capazes de sensibilizar o outro", concorda Carmela Gross, que participa da mostra com um desenho em grafite sobre parece ("Águia", de 1995) feito como parte de uma instalação na antiga Cadeia Municipal de Santos.
Para Cildo Meireles, a exposição se insere num quadro de "injustiça sistemática do país em que os corruptos não estão presos mesmo com provas gritantes acumuladas contra eles". "A arte mostra a indignação possível."
Paulo Bruscky, que vai remontar seu Manifesto Nadaísta, lançado em 1974, durante o regime militar, como forma de protesto contra a censura e a perseguição que sofria, afirma se identificar com o caso de Rafael Braga.
"Fui ameaçado e preso três vezes. Diziam que eu era comunista porque fazia intervenções urbanas", lembra. Segundo ele, os perseguidos pela Justiça de ontem e de hoje são "os que fazem o povo pensar e os miseráveis".
CONDENAÇÃO
No dia 20 de junho de 2013, Rafael Braga, 25, trabalhava como catador de latas perto de um protesto no centro do Rio quando foi detido por policiais civis portando duas garrafas plásticas contendo produtos de limpeza.
Para a perícia, as substâncias tinham "mínima aptidão para funcionar como coquetel molotov". O jovem foi condenado a cinco anos de prisão por porte de artefato explosivo.
Obteve progressão para o regime aberto com tornozeleira eletrônica e conseguiu emprego num escritório de advocacia. Menos de 30 dias depois, foi preso perto da casa da mãe, na Vila Cruzeiro (zona norte do Rio), próximo a ponto de venda de drogas. Segundo a polícia, portava 0,6 g de maconha, 9,3 g de cocaína e um rojão.
Braga nega as acusações, diz que a droga foi plantada e que foi agredido perto da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) local.
No processo, o juiz negou pedidos da defesa de acesso às imagens das câmeras da viatura e da UPP, e ao registro do GPS da tornozeleira. As testemunhas de acusação eram todas policiais.
Mais de um ano após ser detido, foi condenado a 11 anos e três meses por tráfico de drogas e associação criminosa. "É uma pena desproporcional para crime sem violência e com pequena quantidade de droga. É quase a mesma pena aplicada a um homicídio", diz Hugo Leonardo, do IDDD.
Braga, que já havia sido preso duas vezes por roubo, está detido em Bangu.