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abril 29, 2015
Representante do Brasil na 56.ª Bienal de Veneza, Berna Reale leva obras para as ruas por Camila Molina, Estado de S. Paulo
Representante do Brasil na 56.ª Bienal de Veneza, Berna Reale leva obras para as ruas
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 28 de abril de 2015.
Artista exibe vídeos ao ar livre durante a exposição
Desde que foi convidada a ser uma das representantes do Brasil na 56.ª Bienal de Veneza, a ser inaugurada em 9 de maio, a artista Berna Reale não se contentou com a escolha de apenas um de seus vídeos, Americano (2013), para o evento. “Para você ver como sou prepotente, até tentei convencer o Camillo (o curador Luiz Camillo Osorio) a mudar o projeto do Pavilhão”, brinca a paraense referindo-se ao título da exposição que o País vai apresentar em seu espaço nos Giardini - É Tanta Coisa que Não Cabe Aqui. Com “jeitinho brasileiro”, Berna “se virou nos 30”, como conta, para, afinal, fazer seus trabalhos ganharem também outros muros da cidade italiana.
Nos dias 7, 8 e 9, a partir das 21 horas, as casas dos moradores do Giardino di Vito Bon, no bairro de Cannaregio, vão se tornar telas para a projeção de contundentes vídeos de Berna Reale, como Ordinário (2013), registro de uma performance na qual a artista - e perita criminal - transporta um carrinho de mão carregado de crânios e fragmentos de esqueletos por ruas de terra de Belém, onde vive e trabalha.
Ou ainda, os venezianos do distrito terão a oportunidade de conhecer o “debochado” Imunidade (2014), obra que documenta a paraense como uma gondoleira vestida de verde e amarelo a navegar por canais de esgoto em uma canoa cheia de pequenos ratos brancos - numa referência direta aos políticos brasileiros, ela diz.
“Pensei que poderia fazer um projeto independente que fosse para lugares distantes da cidade, onde os venezianos mais antigos, que não frequentam a Bienal, realmente moram”, explica Berna Reale sobre Eccoci! - Estamos Aqui!, maneira que encontrou de expandir sua participação no maior e mais tradicional evento de arte do mundo.
“A casa do Vito, de onde projetarei os vídeos, fica na frente de uma grande praça com prédios pequenos e aquelas roupas penduradas”, comenta. “Vou inserir minhas imagens na cidade e as pessoas vão poder assistir de suas próprias janelas”, continua a artista, que foi selecionada pelos curadores Luiz Camillo Osorio e Cauê Alves para representar o País no Pavilhão Brasil da 56.ª Biennale ao lado de Antonio Manuel, que exibirá o filme Semi-Ótica (1975), as instalações Nave (2013) e Ocupações/Descobrimentos (1998) e Até que a Imagem Desapareça (2013), e de André Komatsu, presente com os trabalhos Status Quo (2015) e O Estado das Coisas 2 - Três Poderes (2011).
Primeiramente, a ideia era tornar Eccoci! parte da exposição É Tanta Coisa que Não Cabe Aqui (produzida no evento italiano pela Fundação Bienal de São Paulo), mas, por falta de tempo e por questões burocráticas, o projeto teve de ser desvinculado da mostra oficial.
Como conta a criadora, os curadores do pavilhão brasileiro desta edição não se opuseram à realização de suas projeções ao ar livre - e Cauê Alves até mesmo a colocou em contato com uma produtora veneziana para ajudá-la. Berna, entretanto, teve de ir atrás de recursos por conta própria - conseguiu fechar um patrocínio de R$ 180 mil por meio do Governo do Estado do Pará, de suas galerias Nara Roesler (São Paulo) e Frameless Gallery (Londres), e instituições.
Igreja. Eccoci!, com curadoria da brasileira Caroline Carrion e do alemão Rudolf Schmitz, contará também com uma segunda rodada de apresentações de trabalhos sobre questões políticas e sociais da paraense - como Cantando na Chuva (2014), Palomo (2012), Soledade (2013) e Rosa Púrpura (2014)- nos dias 19, 20 e 22 de novembro, das 18 h às 19 h, na Scuola Grande San Giovanni Evangelista, no bairro de San Polo. Da antiga fundação, do ano 1261, as obras da brasileira serão projetadas para a parede de uma igreja desativada.
“As coisas em Veneza são bem complicadas e caras. Para você ter ideia, uma permissão para projetar na rua é de 20 mil por dia”, afirma Berna Reale. “A prefeitura está sabendo do projeto e pagamos o selo para colar os cartazes na cidade, mas, como vamos projetar os vídeos de propriedades privadas, vamos pagar, na verdade, os donos das casa”, conta.
“Nos informamos que, por mais que as pessoas da rua vejam, a prefeitura não pode proibir a realização. Foi o jeitinho brasileiro que a gente achou. Passamos mais de um mês e meio batalhando por encontrar esses lugares.”
Evidência. Com Eccoci!, os venezianos - e mesmo o público que estará na cidade para a inauguração da 56.ª Bienal italiana - poderão ver uma seleção de criações de uma das artistas brasileiras de maior evidência no cenário atual, como também uma cópia de Americano, o trabalho gravado em complexo penitenciário em Santa Izabel do Pará que a paraense apresentará no Pavilhão Brasil nos Giardini.
“Nunca havia sonhado em estar em Veneza, não tinha a dimensão”, considera. “E como sou elétrica e não me contento, perguntei para o Camillo se poderia exibir uma nova edição de Americano na mostra. Estou editando para ver se ele e o Cauê aprovam.” Berna não para.
Prêmio e obras inéditas para o Panorama do MAM
A artista Berna Reale, que venceu, na sexta-feira, o Prêmio Marcantonio Vilaça, vive um momento tão prolífico de sua carreira que teve de tirar licença de seis meses da perícia criminal. “Já estou com saudade da minha viatura”, diz a paraense, também funcionária do Centro de Perícias Científicas do Estado do Pará.
Além da representação oficial no Pavilhão Brasil da 56ª Bienal de Veneza e da realização de Eccoci! na cidade italiana, ela ainda terá participações importantes, este ano, em edição especial do Rumos, do Itaú Cultural - dedicada aos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) - e no Panorama da Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em outubro.
Para o Rumos, cuja exposição será aberta em 27 de agosto, Berna está realizando performances em cada um dos países destacados pelo projeto. “Na Rússia, fiz uma ação em um rio congelado. É curta, mas, politicamente forte porque fala sobre o Putin”, diz a artista, que vai ainda viajar para a China - “onde tudo é proibido” - e para a Índia para finalizar suas obras.
Já para o Panorama do MAM, com curadoria de Aracy Amaral e Paulo Miyada, ela criará dois trabalhos inéditos - um deles, a relacionar capas de paletós e de cadáveres, e outro, a partir da realização de uma boate popular com luzes de sirenes.
Outros brasileiros presentes na edição
De certa maneira, é escassa, em termos de números, a participação do Brasil na 56.ª Bienal de Veneza, que será apresentada para o público entre 9 de maio e 22 de novembro na Itália. Sob o título All the World’s Futures, a edição, com inauguração para convidados no dia 6, tem curadoria do nigeriano Okwui Enwezor. O poeta, crítico e curador, que foi diretor da Documenta 11 de Kassel (1998-2002) e acaba de conceder o Leão de Ouro da edição para o africano El Anatsui, nascido em Gana, selecionou apenas a artista mineira Sônia Gomes para a mostra principal da Biennale. Entretanto, criações de outros brasileiros também poderão ser vistas no evento, o mais tradicional do calendário das artes visuais, ou em mostras paralelas.
Além da exposição É Tanta Coisa que Não Cabe Aqui, que marca a representação oficial do País no Pavilhão Brasil dos Giardini com obras selecionadas de Antonio Manuel, André Komatsu e Berna Reale, um dos destaques da programação de Veneza será a individual do escultor sergipano Cícero Alves dos Santos, o Véio (1947), a partir do dia 8 na Abadia de São Gregório (Calle Due Mori, 30123). Sua exposição, com curadoria de Stefano Rabolli Pansera, responsável pelo Pavilhão de Angola na Bienal italiana, contará com 104 esculturas (em grandes e pequenos formatos) do brasileiro.
Véio, que participou da mostra comemorativa dos 30 anos da Fundação Cartier de Paris, vai exibir suas peças criadas com pedaços e galhos de madeira e nas quais ele faz intervenções pictóricas. “Na obra de Cícero, as consequências nefastas da dominação sobre a natureza se fazem notar na própria escala dos objetos: quanto maior a intervenção humana, menor a força e potência dos seres que resultam dela; ainda que esse aspecto acentue sua grandeza estética”, já afirmou o crítico Rodrigo Naves sobre o artista, representado pela Galeria Estação.
Já a carioca Rosana Palazyan vai integrar a exposição Artistas Contemporâneos da Diáspora Armênia, que representará o pavilhão armeno na 56.ª Bienal de Veneza. Com curadoria de Adelina Cüberyan Von Fürstenberg, a coletiva marcará simbolicamente o centenário do Genocídio Armênio.
“Brasileira de ascendência armênia de ambos os lados, tendo iniciado minha carreira no final dos anos 80 e cercada por episódios de violência, traumas sociais, econômicos e políticos em meu país, não me sentia a vontade para tratar do tema ‘Armênia’. Minha urgência era aproximar as pessoas adormecidas pela banalização do cotidiano a estas questões”, afirma a artista, que vai exibir a videoinstalação ... Uma história que nunca mais esqueci..., criada a partir de sua participação na 4.ª Bienal de Thessaloniki de 2013.