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abril 13, 2015
Rodrigo Braga apresenta sua primeira exposição individual na Casa França-Brasil por Daniela Labra, O Globo
Rodrigo Braga apresenta sua primeira exposição individual na Casa França-Brasil
Crítica de Daniela Labra originalmente publicada no segundo Caderno do jornal O Globo em 13 de abril de 2015.
Usando referências históricas, a mostra ‘Tombo’ instiga reflexão sobre progresso e patrimônio
Rodrigo Braga - Tombo, Casa França-Brasil, Rio de Janeiro, RJ - 02/04/2015 a 24/05/2015
RIO - A Casa França-Brasil apresenta “Tombo”, primeira exposição individual na cidade de Rodrigo Braga, artista nascido no Pará, criado em Pernambuco e residente no Rio há quatro anos. Destaque de uma geração que surgiu na cena de arte contemporânea há cerca de uma década, Braga chamou a atenção em 2004 com a série “Fantasia de compensação”, a qual consistia na sequência de imagens de seu rosto recebendo, em uma sala de cirurgia, implantes de seções da face de um cão rottweiler. De aspecto realista, as fotografias exploravam o potencial de ficção da imagem digital manipulada e permitiam ao artista simbolicamente dotar-se da ferocidade e da força do animal.
Tendo como assunto o enfrentamento do homem com a sua própria animalidade, a natureza e a cultura, Rodrigo Braga, desde então, exibe projetos que evocam com frequência imagens fantásticas e viscerais, resultantes de vivências em situações-limite que ele mesmo forja. No seu trabalho, a morte e o inescapável retorno do corpo orgânico à terra é recorrente, enquanto um ar solene parece conter a tragédia e dar um aspecto dramático a suas fotografias e seus vídeos.
Em “Tombo”, Braga mostra suas questões desdobradas de modo maduro, mantendo o tom solene mas aliviando a carga visceral. A individual, muito bem construída com a curadora Thaís Rivitti, dispensa elementos demais e incorpora objetos de distintas naturezas para criar uma narrativa menos ficcional do que parece. Troncos de palmeiras no chão, fotografias de arquivo, pranchas de botânica, croquis de arquitetura e uma videoinstalação: “Tombo” pode ser lida como um romance ancorado em fatos reais, que gira em torno do simbolismo evocado pela palmeira imperial no Brasil e, em especial, no Rio de Janeiro. Aqui foi plantada, por D. João VI, no Jardim Botânico, a primeira semente da árvore, trazida das Ilhas Maurício. O momento marcava a modernização da nação e a criação das primeiras instituições como a Biblioteca Nacional e a Praça do Comércio, hoje a Casa França-Brasil.
Referências ao soterramento da História
O visitante é recebido na entrada por mais de 15 toras de palmeiras centenárias que jazem no chão, como vestígios de um tempo antigo e testemunhas das transformações da cidade. Compreendidos como ruínas, os troncos têm uma cumplicidade temporal com as 24 colunas do edifício de 1820, projetado por Grandjean de Montigny. De certo modo “Tombo” traz o tom distanciado e o tempo estancado dos museus históricos, quebrado, porém, pelo vídeo com imagens de corte de palmeiras sem vida, no Rio. A sonorização do trabalho vale uns minutos de escuta atenta.
“Tombo”, que significa queda e também tombamento, proteção de patrimônio, leva a uma reflexão do constante movimento de construir e demolir a memória das cidades, que existe aqui. Não por acaso há referências ao prédio da Imperial Academia de Belas Artes, projetado por Montigny em 1826 e demolido em 1937 para dar lugar a um terreno hoje usado como estacionamento. Embora Rodrigo Braga não toque só nesse assunto, a mostra ilustra, melancólica, o soterramento da História pelo anseio de se construir uma nova História, aquela prescrita no futuro moderno, numa utopia de progresso hoje estagnada no presente. Ao buscar o novo, deixa-se tombar, cair o velho. Mas será inevitável demolir o passado para se investir no novo? Perguntemos às palmeiras.