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agosto 29, 2014
Após polêmica por patrocínio de Israel, Fundação Bienal se compromete a discutir financiamento por Marcia Abos, O Globo
Após polêmica por patrocínio de Israel, Fundação Bienal se compromete a discutir financiamento
Matéria de Marcia Abos originalmente publicada no jornal O Globo em 29 de agosto de 2014.
Curadores também manifestaram apoio, mas medida valerá apenas para a próxima edição
SÃO PAULO — Após a confusão envolvendo artistas e organização da Bienal de Arte de São Paulo por conta de financiamento do estado de Israel, os curadores da Bienal, Charles Esche, Pablo Lafuente, Galit Eilat, Oren Sagiv e Nuria Enguita, afirmaram que apoiam os artistas entendem a posição deles. Por meio de nota oficial, a equipe curatorial informou que “esse é um tema maior que a 31 Bienal” e pediram à Fundação “que revise suas regras atuais de patrocínio e se certifique de que artistas e curadores concordem com qualquer apoio a seu trabalho que possa ter um impacto em seu conteúdo e recepção”.
Já a Fundação Bienal, em comunicado oficial à carta aberta dos artistas, informou que se compromete a “levar ao Conselho a discussão sobre os modelos de participação e captação de recursos internacionais para a realização das mostras futuras”.
Como mostram os comunicados, a postura da Fundação Bienal é diferente da dos curadores. Os representantes da instituição têm dito nas reuniões com os artistas que eles estão fazendo "muita confusão" sobre um “logo estúpido”, contou o artista plástico, arquiteto e escritor libanês Tony Chakar, ponderando que, se o logo é insignificante, não será difícil removê-lo do material de divulgação da mostra.
— A decisão de aceitar dinheiro do estado de Israel e colocar seu logotipo no material de divulgação da Bienal é uma decisão política. A solução que propomos é simples: devolver o dinheiro, o que, pelo que entendi, é um valor bem pequeno, remover o logo e todos os artistas ficarão felizes e voltarão ao trabalho — fala Chakar.
VALORES E CONFLITOS
Especula-se que o valor do patrocínio de Israel para a Bienal de São Paulo é de US$ 40 mil. Em reais, pela cotação do dólar dessa sexta-feira, isso dá R$ 89.560. O orçamento da 31ª Bienal é de R$ 24 milhões.
Na avaliação de um gestor cultural, o debate é muito mais complexo do que simplesmente a capacidade da Bienal de devolver ou não o dinheiro a Israel. Para o especialista, os artistas estão "sendo autoritários" e tentam impor um ponto de vista político à Fundação Bienal, exigindo que ela tome um partido sobre uma questão que não lhe diz respeito.
Para esse especialista, cabe à Fundação Bienal zelar pela total liberdade de expressão da curadoria e dos artistas e trabalhar na legalidade quando se trata de captação e gestão de recursos.
— A mostra costuma receber patrocínios de diversos países, uma tradição que vem desde o tempo em que ela era dividida por delegações nacionais. Recusar patrocínio de Israel seria o equivalente a recusar financiamento dos Estados Unidos por discordar da guerra no Iraque ou da Rússia, por ser contra a ingerência na Ucrânia — afirma.
Nesse ano, estão listados como apoiadores Espanha, Turquia, Polônia, Argentina, Suíça, França, Israel, México, Reino Unido, Dinamarca, Portugal e Alemanha.
Ao fazer juízos de valor e tomar posições perante complexas questões políticas, aceitando ou recusando financiamento de países, a Bienal "entra num complicado plano de discussão, um debate que poderia até culminar na exclusão da participação de artistas por causa de sua nacionalidade, o que seria lamentável", segundo análise do gestor que preferiu não se identificar.
A soma dada por Israel à Fundação Bienal pode parecer pequena perante o orçamento total da exposição. No entanto, o orçamento desse ano é quase igual ao da edição anterior. Às vésperas da abertura da mostra, os recursos estão comprometidos, a Fundação tem problemas de caixa e está devolvendo dinheiro para o Ministério da Cultura por problemas de gestões anteriores.
Por outro lado, os artistas também estão finalizando seus projetos, ou seja, usaram o dinheiro dado pela Bienal para os realizar. A retirada da mostra é, por isso, complicada. Mas eles não descartam essa possibilidade, nem a hipótese de realizarem uma performance ou obra de protesto. Segundo Chakar, a decisão será tomada coletivamente, pelo grupo de artistas que assinou a carta.
— Israel é um país ocupando outro. Nesse exato momento está ativamente engajado em atacar e bombardear outro país. Essa não é minha opinião, é a opinião da ONU. Aceitar dinheiro de um país nessa situação certamente é complicado. O que Israel faz é de conhecimento público. Aceitar dinheiro desse estado e colocar seu logo no material de divulgação é uma decisão política — afirma Chakar.
Leia a íntegra da resposta da Fundação Bienal:
A Fundação Bienal de São Paulo, após tomar conhecimento da carta dos artistas quinta-feira, 28 de agosto, recebeu um representante dos signatários. A instituição se compromete a levar ao Conselho a discussão sobre os modelos de participação e captação de recursos internacionais para a realização das mostras futuras.
Veja o comunicado dos curadores da 31ª Bienal de São Paulo:
Nós, os curadores da 31 Bienal de São Paulo, apoiamos os artistas e entendemos sua posição.
Acreditamos que a declaração e a demanda dos artistas deve ser também um gatilho para pensar sobre fontes de financiamento de grandes eventos culturais. Na 31 Bienal, muitos trabalhos buscam mostrar a luta por Justiça no Brasil, na América Latina e em outros lugares do mundo. A ideia de viver numa era de transformações é fundamental para essa Bienal, tempos em que antigos padrões e comportamentos estão esgotados e crenças arraigadas são questionadas. Essas transformações também afetam a relação entre curadores e organizadores de grandes eventos culturais como essa Bienal. No início, aceitamos o tradicional acordo no qual curadores têm liberdade artística e a Fundação é responsável por assuntos financeiros e administrativos. A Fundação Bienal, com muita correção, manteve esse acordo. De nossa parte, ajudamos no financiamento internacional.
No entanto, em consequência dessa situação, junto com outros incidentes e similares eventos, está claro que fontes de financiamento cultural têm um impacto dramático nas suposta "independência" das curadorias e narrativas artísticas de um evento. O financiamento, seja ele estatal, corporativo ou privado, molda de maneira fundamental a forma com que o público recebe o trabalho de artistas e curadores.
Por ser esse ser um tema maior do que a 31 Bienal, pedimos à Fundação que revise suas regras atuais de patrocínio e se certifique de que artistas e curadores concordem com qualquer apoio para seu trabalho que possa ter um impacto em seu conteúdo e recepção.