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julho 7, 2013
Arqueologia do digital por Paula Alzugaray, Istoé
Arqueologia do digital
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé N. 2277 em 5 de julho de 2013.
Exposição mapeia trajetória de rupturas de Waldemar Cordeiro, do concretismo aos primórdios da arte digital
Waldemar Cordeiro - Fantasia exata, Instituto Itaú Cultural, São Paulo, SP - 04/07/2013 a 22/09/2013
Ao longo de 250 obras dispostas em três andares de exposição, acompanham-se as curvas radicais da obra de Waldemar Cordeiro (1925-1973). Com curadoria de Arlindo Machado e Fernando Cocchiarale, a mostra “Waldemar Cordeiro: Fantasia Exata” mapeia uma trajetória pioneira que abriu frentes de pensamento desde a abstração concreta até os primórdios do digital.
Na antessala da exposição, um pequeno conjunto de obras dos artistas integrantes do Grupo Ruptura pontua o marco zero do pensamento racionalista de Cordeiro. O recorte situa o visitante em um debate do qual participavam Geraldo de Barros e Lothar Charoux, entre outros, e que definia os contornos de uma arte de base necessariamente racional. Depois do preâmbulo do Ruptura, a exposição se divide em três andares, ou três grandes grupos de trabalhos que confirmam a tendência inicial do artista de ruptura de paradigmas. “Mas a base matemática está por trás de tudo”, anuncia Arlindo Machado.
O início do percurso no andar superior apresenta o salto de um figurativismo de cunho expressionista para uma abstração geométrica radical. No andar intermediário, a geometria permanece presente no grupo de pinturas com jato de tinta automotiva, realizadas entre 1962 e 1969, e nos trabalhos que assimilam objetos do cotidiano – chamados de popcretos por Augusto de Campos. No andar inferior apresenta-se a produção do início dos anos 1970, quando o artista começou a usar computadores e equipamentos eletrônicos rudimentares em um projeto experimental que intitulou arteônica.
“A ruptura de Cordeiro não é só com sistemas formais dominantes. Ele representou a ruptura com um mundo moderno que, no Brasil, tinha fortes raízes no campo. O uso de materiais industriais e mesmo a arteônica são evidências de que ele é o arauto de um Brasil verdadeiramente moderno”, diz Fernando Cocchiarale. Quando realizava suas primeiras experiências com computador, Cordeiro dizia que “no Brasil a computer art encontrou antecedentes metodológicos na arte concreta”. Sua experimentação foi, no entanto, interrompida pela morte prematura. “Ele deixou um trabalho experimental inacabado. Não podemos ver esses trabalhos como finalizados”, afirma Machado sobre as séries de desenhos com algoritmos.
Mesmo com pouquíssimo tempo de trabalho sobre as potencialidade artísticas dos novos meios tecnológicos, Cordeiro inventou um novo procedimento. “O computador não fora projetado para produzir imagens. Ele forçou um método de produção de imagem em um meio que não era feito para isso”, diz Machado. Assim, valendo-se da combinação de dígitos – o mais abstrato dos recursos –, o artista voltou à figuração, reproduzindo fotografias de jornal, como o retrato da menina vietnamita que fora atingida pela bomba de Hiroshima. “A Mulher Que Não É BB” (1973) é considerado o último trabalho feito pelo artista. Anos antes, deu início à sua pesquisa de construção de imagens com unidades mínimas com “Autorretrato Probabilístico” (1967), considerado por Machado “o nascimento da ideia da arteônica”.
A exposição ainda ressalta as atividades de paisagista, urbanista designer e jornalista de Cordeiro, que nos anos 1940 escrevia críticas de arte na “Folha da Manhã”. A exposição tem um braço no Parque do Ibirapuera, onde foi reproduzida, com concepção e adaptação do arquiteto André Vainer, uma das obras paisagísticas de Waldemar Cordeiro.