|
julho 25, 2011
Para além do acervo por Mariana Toniatti, O Povo
Para além do acervo
Matéria de Mariana Toniatti originalmente publicada no caderno Vida e Arte do jornal O Povo em 24 de julho de 2011.
DIRETOR da Pinacoteca de São Paulo desde 2002, o museólogo Marcelo Araújo aponta as principais preocupações para manter um equipamento público a partir de seu trabalho
O museólogo Marcelo Araújo é diretor da Pinacoteca de São Paulo desde 2002. No ano em que assumiu, a área de Ação Educativa foi reformulada e passou a desenvolver visitas monitoradas, capacitação de professores e programas para públicos especiais de forma contínua. O objetivo, de acordo com Marcelo, não é aumentar a quantidade de visitas, mas diversificar o público, até porque a média de visitas, 500 mil pessoas por ano, já é muito boa. São quase 42 mil visitantes por mês.
A Pinacoteca completou 106 anos com a vitalidade que um museu contemporâneo deve ter. É um dos melhores equipamentos do tipo país na avaliação de especialistas. No artigo assinado por Ricardo Resende (página 7), o diretor do Centro Cultural São Paulo (CCSP), aponta a Pinacoteca como “a melhor referência de museu no Brasil, particularmente por sua programação”. Para conhecer mais sobre o funcionamento da Pinacoteca e sobre as marcas da gestão de Marcelo, o Vida & Arte Cultura conversou com o diretor por telefone. (Mariana Toniatti)
O POVO - Para começar, que diferença existe entre uma pinacoteca e um museu? Ainda se faz uma distinção entre esses dois termos?
Marcelo Araújo - A palavra pinacoteca tem origem grega e designava a área dentro dos recintos dos templos onde eram guardadas as pinturas. É uma palavra que foi usada como sinônimo para museus praticamente desde o século XVIII. Ela ainda é usada em determinados idiomas, como alemão, inglês, italiano e português, e é bem menos usada, ainda que exista, em francês e espanhol. Apesar dessa origem, é uma palavra que hoje equivale quase a um sinônimo de museu. Não há diferença conceitual entre museu e pinacoteca, mas na verdade pinacoteca acaba se referindo sempre a um museu de arte. Um museu pode ser de história, de ciência, mas a pinacoteca sempre vai se referir a um acervo de obras de arte.
OP - Mas esse entendimento da Pinacoteca de São Paulo como espaço de exposição e fruição de obras de arte de diferentes linguagens começa cedo então? Pensei que era algo relacionado à gestão de Emanoel Araújo, seu antecessor.
Marcelo - Quando a Pinacoteca foi criada, em 1905, o acervo original era formado só por pinturas, o que talvez explique a adoção desse termo, tanto que inclusive era comum divulgá-la como sendo a “Galeria de Pinturas do Estado de São Paulo”, mas muito rapidamente ela passou a expor esculturas e outras linguagens e o nome Pinacoteca perdeu esse sentido etimológico inicial. Isso ocorre praticamente desde o começo, logo nos anos seguintes à inauguração.
OP – Então hoje ainda faria sentido abrir um equipamento com o nome de pinacoteca ou seria algo ultrapassado? Seria melhorar tratar como museu, mais abrangente?
Marcelo – Aí não sou eu que posso te responder. Quem for escolher a denominação vai ter que indicar se está adotando porque a intenção é que seja um museu só de pinturas, ou, como é na maioria das vezes, um museu com abertura para todas as outras linguagens.
OP - O que a Pinacoteca de São Paulo promove de diferente dos outros museus da cidade?
Marcelo - Hoje em dia todos os museus procuram o aprimoramento de qualidades e de conteúdo. No caso da Pinacoteca, temos políticas cujas diretrizes gerais são definidas pela Secretaria da Cultura, e temos nossos programas, as exposições de longa duração, a ampliação do acervo, atividades educativas e culturais. Um aspecto bastante amplo são as atividades voltadas para preservação e constituição de acervo de obras de arte de artistas brasileiros ou que trabalham no Brasil e a utilização desses acervos para a construção de uma experiência para o visitante.
OP – Essa experiência é que vai fomentar a formação de público? Sua gestão começa com a implantação da área de Ação Educativa com visitas monitoradas, capacitação de professores e programas para públicos especiais. Depois de quase dez anos, que efeitos você vê disso?
Marcelo - A equipe com a qual trabalho e as administrações estaduais ao qual ela está subordinada, veem como uma área fundamental, entendendo o museu nessa perspectiva de instituição com natureza essencialmente educativa e que, portanto, deve buscar nessas atividades um caminho fundamental para a consolidação e ampliação de públicos oferecendo experiências instigantes, produtivas, sensibilizadoras. Para isso é preciso ter procedimentos específicos, dependendo do público, e buscar segmentos afastados do museu por alguma razão. São programas que existem há vários anos, atividades consolidadas, projetos que têm logrado muita qualidade, resultados muito significativos. O grande objetivo, que vem de maneira muito lenta, é justamente assegurar não tanto a ampliação do público, mas a diversificação do público, que incorpore outros segmentos.
OP – Que tipos de procedimentos específicos vocês adotam e para quais públicos segmentados?
Marcelo - Temos dois programas educativos maiores. O Programa Educativo para Públicos Especiais (Pepe), voltado para pessoas com algum tipo de limitação física, e o Programa de Inclusão Sociocultural (Pisc). Procuramos desenvolver parcerias com organizações que trabalham com esses públicos e pensamos em exposições e equipamentos que possam facilitar o acesso. Temos uma galeria tátil para deficientes visuais, esculturas selecionadas que podem ser tocadas, acompanhadas de etiquetas em braile e áudio guia. Esse é um espaço permanente. Outro programa, o de inclusão sociocultural, é voltado para o público que por razões econômicas e sociais ficam afastados do museu. Procuramos também parcerias com organizações não governamentais que já trabalham com esse público e articulamos programas que possam fazer com que a visita ao museu se insira dentro dessa atuação mais ampla das organizações. Temos visitas de sem-tetos, meninos de rua...
OP – O acervo hoje tem oito mil peças e continua em ampliação. A maior parte vem de doação, de compra, como é feita a seleção do que vale a pena adquirir?
Marcelo – Felizmente a Pinacoteca sempre contou e continua contando com doações de artistas ou colecionadores. Outra vertente são as aquisições pelo Governo do Estado ou com recursos de leis de incentivo, principalmente a Rouanet. Todas as doações e aquisições são analisadas e têm que ser aprovadas pelo Conselho de Orientação Artística, uma instância do Governo do Estado.
OP – Qual foi a última obra adquirida?
Marcelo – Recentemente, há duas semanas, recebemos uma doação do artista brasileiro Tomoo Handa, muito importante, atuante nos anos 30, 40 e 50. Uma pintura chamada Cafezal, de 1952, que é emblemática de sua produção e foi oferecida por doação por Telmo Porto (professor da USP que já doou outras peças para a Pinacoteca e para o Masp).
OP - São oito mil peças, não dá para expor tudo de uma vez, como vocês administram o acervo para que o público tenha a oportunidade de conhecê-lo?
Marcelo – Temos sempre uma exposição de longa duração no segundo andar. Neste momento, ela está fechada porque reinaugura, com outra seleção de obras, no começo de outubro. Nessa exposição de longa duração concentramos basicamente a produção do século XIX e do começo do século XX. Temos destaques do acervo em outras salas, adotamos uma série de estratégias, organizamos exposições temporárias, apresentamos as peças adquiridas recentemente. Toda obra que ingressa no acervo é catalogada e nosso site tem toda essa documentação disponível para pesquisadores. Além de tudo, a Pinacoteca empresta muitas obras para outras instituições fazerem circular nosso acervo.
OP - Existe uma Associação dos Amigos da Pinacoteca do Estado, o que ela faz?
Marcelo - Mudou de nome, agora é a Associação Pinacoteca Arte e Cultura, e é extremamente atuante. É a organização social que desde 2006 cuida da gestão da Pinacoteca por meio de um contrato de gestão com a Secretaria de Cultura.
OP - Quanto custa manter a Pinacoteca? Quem paga?
Marcelo – O Governo do Estado de São Paulo é responsável por aproximadamente 65% do orçamento, cerca de 25% vem através de patrocínio, principalmente via Lei Rouanet - mas também via leis de incentivo à cultura estadual e municipal -, e 10% através de verba própria com a bilheteria, a loja. O orçamento anual é por volta de R$ 25 milhões.
OP - Qual a média de visitantes?
Marcelo – Varia, mas é por volta de 500 mil por ano.
OP - Em que projetos a Pinacoteca deve investir em 2011?
Marcelo - Temos um programa de exposição temporária ativo, fazemos mais de 30 por ano. Temos várias mostras para entrar, entre elas uma exposição do Eliseu Visconti e instalações de Olafur Eliasson, de origem islandesa, no projeto Octógono.
Leia também:
Que Pinacoteca é essa? por Mariana Toniatti, O Povo
Pinacoteca ou museu de arte? por Ricardo Resende, O Povo
Acervo escondido por Mariana Toniatti, O Povo
Desafios das artes por Mariana Toniatti, O Povo