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dezembro 20, 2010
Jornalismo cultural sensacionalista baseado em estatísticas falsas por Patricia Canetti
Jornalismo cultural sensacionalista baseado em estatísticas falsas
Texto de Patricia Canetti, artista e criadora do Canal Contemporâneo, em resposta a matéria "Demissões revelam crise no MIS e Paço" de Silas Martí.
ATIÇANDO A BRASA
Leia os artigos, comentários e cartas em resposta à matéria no "Dossiê: MIS e Paço das Artes - respostas à matéria da Folha de S. Paulo".
A matéria “Demissões revelam crise no MIS e Paço”, publicada na Folha de S. Paulo no sábado passado, já criticada pela atitude despolitizada (A despolitização da cultura por Giselle Beiguelman), pela falta de contexto sobre as instituições (Jornalismo marrom? por Juliana Monachesi) e pela abordagem “Caras” das políticas culturais (A cultura no mundo de Caras por Thiago Carrapatoso), comete erros graves mesmo para a linha jornalística assumida pelo autor, o jornalista Silas Martí.
A matéria fundamentada em um levantamento interno feito por funcionários das duas instituições, apesar de citar alguns nomes, se baseia exclusivamente em declarações anônimas. Portanto, as estatísticas do levantamento ganham importância de testemunho e deveriam, por isso, ter sido verificadas. Se o jornalista tivesse tido o cuidado de comparar versões, perceberia algo de estranho em suas fontes.
A tabela de resultados do levantamento consolidada pelo Conselho Administrativo da OS (Organização Social) responsável pelo MIS e Paço das Artes revelam outros números:
- No quesito “relação com a diretora”, 25% dos funcionários consideraram “inadequada”, e não 59% como foi publicado na matéria;
- O quesito em questão ainda perguntava àqueles que haviam respondido “inadequada”, se a conduta poderia ser considerada “ofensiva”. Novamente a matéria informa erradamente o resultado: 14% responderam sim e não 54% como afirma a matéria.
A matéria além de divulgar dados errados omite informações importantes na abordagem de pesquisas. A resposta “ofensiva” não resultou de pesquisa espontânea, mas induzida, e foi omitido o universo dos entrevistados: 85 funcionários responderam ao levantamento.
A análise dos dados revelados nesta tabela nos traz o seguinte resultado: De um total de 85 funcionários, 3 responderam que a conduta da diretora seria “inadequada” e “ofensiva”.
Mesmo em matérias de cunho sensacionalista, entendo que o público deva ser minimamente informado sobre o contexto do assunto, principalmente quando se trata de acusações anônimas. Aqui novamente o jornalista Silas Martí pecou em não revelar aos seus leitores o currículo da personalidade atacada e sua relação com as instituições em crise.
Portanto, faltou informar que Daniela Bousso, crítica e curadora de arte, ingressou no Paço das Artes em 1987 e tornou-se diretora em fevereiro de 1997, tendo sido convidada pela Secretaria de Estado da Cultura a assumir o reposicionamento do MIS em 2007, assim como a Direção Executiva da Organização Social de Cultura responsável atualmente pelas duas instituições.
E por fim, a matéria “esquece” de informar ao público que MIS e Paço das Artes comemoraram 40 anos de existência em 2010. Além de nada revelar sobre os perfis das instituições, novamente a matéria faz uso de números equivocados na comparação de visitação com a Pinacoteca do Estado. Como disse o curador e diretor do MAC-USP, Tadeu Chiarelli, em carta publicada hoje no Painel do Leitor na Folha: "Comparar o Paço e o MIS com qualquer outra instituição é não levar em conta que, ao assumirem posturas francamente prospectivas no campo da arte, essas instituições jamais terão resultados imediatos de público."
Food for thought
Há algum tempo atrás, eu escrevi um texto sobre a “ibopização” da cultura no Brasil. Como na televisão, as coisas sobrevivem ou morrem em função do “rating” do Ibope. A comparação entre o público da Pinacoteca e o público do MIS ou Paço é fake. São coisas diferentes, não podem ser comparadas. É como comparar a audiência do programa do Ratinho na TV com a freqüência de leitores na Biblioteca Nacional ou o número de leitores da Folha de São Paulo. Não são animais da mesma espécie. A Pinacoteca faz sucesso, de um lado, pela competência de sua direção (isso não podemos negar), mas também porque foi incluída no circuito das agências de turismo que transformaram o centro de São Paulo num point de visitantes do interior e de outros estados vizinhos. Basta ver nos fins de semanas a quantidade absurda de ônibus de turistas na frente da Pinacoteca e do Museu da Literatura, ônibus esses que depois vão para as compras na Rua José Paulino, na 25 de Março e para o almoço com show ao vivo no Bar Brahma, na esquina da São João com a Ipiranga. O MIS e o Paço, infelizmente, pelas suas posições geográficas mais afastadas, ficam fora do circuito turístico dos caipiras do interior e dos compradores do atacado. Quem vai ao MIS ou ao Paço vai em busca de arte e cultura, não para cumprir um programa turístico.
Posted by: Arlindo Machado at dezembro 20, 2010 1:49 PMMIS como referência
O museu dado como referência em Imagem e Som só realmente se tornou um centro de relações depois da reforma e dos cuidados da Diretoria de Daniela Bousso. O museu, antes sucateado e com um acervo de grande importância nacional, era completamente desmotivado e carente de público. Apenas quem o conhecia eram os fanáticos em acervos históricos.
Depois da reforma, o museu abre com a proposta de cursos, laboratórios, discussões, palestras e eventos. Mas que publico é esse que hoje frequenta o museu? Esse local se tornou referência para artistas, tecnólogos, pesquisadores que não se achavam mais no mercado artístico manipulado por questões elitizadas das grandes faculdades e universidades que ditam uma norma tradicionalista. Ter o MIS como referência é o que aconteceu este ano nas grandes aulas entre convidados, Mestres, Doutores e um público carente de informação sobre arte contemporânea e tecnologia.
Aulas de altíssimo nível, entre discussões e apresentações de conteúdo, com possibilidade de acesso a todos. O MIS recupera este nicho completamente abandonado pelo governo, o dos “artistas, pesquisadores, jornalistas e críticos” em desenvolvimento, que apenas são direcionados pelo mercado artístico para produzirem a sua história e são despercebidos como uma geração que busca sua consolidação e está no mercado trabalhando fluentemente.
Além disso, o MIS se tornou um local de trocas de experiências, seja nos projetos de residência promovidos pelo LAB MIS, ou ainda nas trocas oferecidas pelo contato com artistas presentes no mercado internacional pelos projetos de intercâmbio oferecidos em seu programa de estudos. Isto apresenta o sério intuito de levar a arte e tecnologia no Brasil a patamares de igualdade no mercado mundial, trabalho difícil e demorado e que tem se realizado exclusivamente no MIS.
Esse espaço não existia para o grupo que tenta nivelar as discussões para um mercado internacional e caminhar em um sistema completamente fechado, apresentando conceitos que transitam na vanguarda mundial. O museu é um centro de referência em arte e tecnologia, o lugar que precisávamos para apontar a arte brasileira na direção da evolução e pesquisa. Qual outro centro público de pesquisa existe aqui no Brasil?