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dezembro 20, 2010
A cultura no mundo de Caras por Thiago Carrapatoso, Trezentos
A cultura no mundo de Caras
Texto de Thiago Carrapatoso publicado originalmente no blog Trezentos em 20 de dezembro de 2010.
ATIÇANDO A BRASA
Leia os artigos, comentários e cartas em resposta à matéria no "Dossiê: MIS e Paço das Artes - respostas à matéria da Folha de S. Paulo".
Tudo é lindo, puro, branco e nada fede. Pelo contrário. Quer-se limpar o mais rápido possível a cultura que emerge em São Paulo. Recentemente, o cenário cultural da cidade presenciou ações políticas desastrosas quando o assunto se trata de arte na rua e preservação da história.
Primeiro, o alvo foram os grafites que povoavam os pilares que sustentam o engodo urbanístico Minhocão. Donada, equipes contratadas pela prefeitura resolveram “limpar” a área raspando a tinta dos desenhos e passando uma camada de pintura bege. Os grafites, nesta área da cidade marcada pelo descaso e abandono, mostravam que a região ainda pulsa. Era um sinal avisando que não importasse quanto concreto caísse na cabeça de seus moradores, a cultura e a arte ainda estariam ali, latentes, crescendo entre os vãos. Existe demanda, existe vontade, só faltam espaços para que ela consiga ser preservada (e se não há oficialmente, eles mesmos, os artistas de rua, dão um jeito para criar lugares para seus projetos).
Agora, aquele monstro ilógico de concreto e suporte para o tão exigente tráfego veicular está bege, pronto para receber a poluição, a sujeira e todos os outros detritos de uma região abandonada. É tudo limpo! É tudo moderno! É tudo esteticamente novo!
(A tempo: há iniciativas que tentam correr contra os caminhões de tinta para registrar os trabalhos desses artistas de rua. Fazendo uma busca simples, achei o Museu do Minhocão e o Mapa de Graffiti)
Logo depois, soube da demolição de um casarão na rua Augusta com a avenida Dona Antônia de Queirós. Um palacete de 1913 que não foi tombado por nenhum órgão público de preservação, como o Condephaat, Iphan ou Conpresp. Nada. O casarão foi abaixo para que, no futuro, seja construído um prédio, em uma área em que o metro quadrado poderá chegar a R$ 6 mil. Para que preservar a arquitetura histórica da cidade se se pode destruí-la para construir prédios que dão lucro? Talvez seja por isso que o prefeito da cidade, pegando um gancho na falta de atuação dos órgãos de preservação, deseja acabar – isso mesmo, acabar! – com 30% da região da Luz, carinhosamente apelidada de cracolândia, para, hum, “revitalizar” e construir o projeto da “Nova Luz”. Vamos limpar tudo! Vamos colocar o que é velho abaixo! Dê espaço para o novo, para o progresso!
E é engraçado que, ao fazer isso, Kassab quer agradar a elite, aquela mesma que paga fortunas para visitar cidades como Paris, Nova Iorque e Londres, onde diversos prédios históricos fazem parte do cenário urbano. Mas, não!, aqui no Brasil nós devemos destruir a nossa história, ruim, velha, de terceiro mundo, para dar lugar ao novo, ao moderno, ao de ponta.
Ainda não satisfeito com esses anúncios e projetos que lembram em muito uma época nebulosa da democracia brasileira, vem o prefeito e decreta: não se podem mais artistas de rua na avenida mais representativa da cidade. Tirem esses vagabundos que poluem a Paulista, com suas estátuas vivas, guitarras distorcidas e saxes desafinados! Vamos deixá-la limpa da arte que emerge na rua, da rua, para a rua! Só vamos deixar que o público consuma arte dentro de museus, espaços caros, bonitos e brancos, no Jardim Europa, ao lado de Ferraris, Porsches, Mustangs e tudo mais que representa o progresso!
(A tempo novamente: diversos grupos se organizaram para fazer uma manifestação hoje, segunda-feira, às 12h, saindo do vão do MASP. Veja a página do evento no Facebook)
E por falar em museus, há ainda o descaso por parte da mídia em cobrar os órgãos competentes sobre as iniciativas. A prefeitura vai se esbaldar com políticas assustadoras enquanto jornais como a Folha de S. Paulo, por exemplo, discutem as políticas culturais como se escrevesse para a revista Caras. Recentemente, uma reportagem do jornalão anuncia a crise do Museu da Imagem e do Som (MIS) e do Paço das Artes porque a diretora é considerada, hum, “autoritária”. O dado para isso é uma pesquisa realizada internamente e vazada para o jornalista em que alguns funcionários apontam a falta de empatia com a diretora.
Por que discutir motivos concretos para o abandono do MIS, como a dificuldade de se chegar ao local ou a falta de divulgação dos trabalhos realizados por lá, se eu posso criar uma fofoca cultural usando as personas de diretores? Por que levantar tudo o que foi feito pela instituição para averiguar se, realmente, o aspecto autoritário de um funcionário poderia provocar a falta de público em uma instituição cultural?
Tudo parece uma brincadeira, um jogo, um mis-en-scène para deturpar ainda mais a identificação cultural do brasileiro. Estamos em uma época em que, como bem disse Giselle Beiguelman, a cultura está despolitizada! Não há motivos para preocupação, não há motivos para articulação. Vamos deixar tudo sumir, jogar tudo embaixo do tapete, e sorrir! Afinal, agora, está tudo limpo!
E burro.
Oi, Patricia!
Obrgado por replicar o texto! Essa discussão dá muito pano para manga.
Quero conversar com o Silas para saber a opinião dele sobre tudo isso.
Só peço para você copiar também a última frase do texto original para que ele não perca o sentido inicial.
Valeu!
Abraços,
Thiago Carrapatoso
Posted by: Thiago Carrapatoso at dezembro 20, 2010 2:00 PM