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setembro 29, 2010
Bienal sob nova luz por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 29 de setembro de 2010
A 29ª Bienal de São Paulo é inaugurada com as contas saneadas, recupera o prestígio mundial e mobiliza a sociedade ao eleger a política como tema
Quarenta anos se passaram desde que Artur Barrio espalhou suas “Trouxas Ensanguentadas” em um rio de Belo Horizonte. Esse comentário cifrado sobre a vida controlada pelo regime militar foi a forma encontrada pelo artista para romper um silêncio imposto. Hoje os registros fotográficos dos atos de “terrorismo poético” de Barrio estão expostos na 29ª Bienal de São Paulo, ao lado de outras 850 obras que expressam diferentes maneiras de atuar politicamente por meio da arte. Com um orçamento três vezes maior que o da edição anterior, a Bienal renasce sob o signo do binômio “arte e política”. “Queremos mostrar como a arte nos ajuda a repensar as convenções que orientam nossas vidas”, diz o cocurador Moacir dos Anjos.
Ao abrir seus microfones para as vozes de 159 artistas, a Bienal apresenta discursos com variados graus de politização. Há desde o posicionamento explícito do pernambucano Gil Vicente, que na série de desenhos “Inimigos” se autorrepresenta como assassino de líderes políticos brasileiros e mundiais, até a explosão de luz e sons do “Inferninho”, de Luiz Zerbini, instalação de caráter dionisíaco que também expressa, em sua evocação à festa, um componente revolucionário. Zerbini convida o público à participação fazendo uso de um altíssimo volume de decibéis. Mas os desenhos de Gil Vicente também gritam. Antes mesmo da inauguração, evocaram a ira da Ordem dos Advogados do Brasil, que pediu a sua retirada da mostra. “É desalentador que a censura parta da OAB, instituição que se destacou pela liberdade de expressão”, diz o cocurador Agnaldo Farias, em posição respaldada pelo Ministério da Cultura. “A autonomia da obra de arte é um patrimônio fundamental. Não é preciso voltar a Magritte para entender o que é ‘Ceci N’est Pas une Pipe’”, afirma José Luiz Herência, secretário de políticas culturais do MinC, citando a tela do pintor surrealista René Magritte, que afirma a diferença entre a realidade e sua representação.
A atual direção do evento, ao negar a retirada das obras, assume uma posição substancialmente diferenciada de mostras anteriores, marcadas por casos de repressão e censura.
Na 27ª edição, a Fundação Bienal vetou a obra “Guaraná Power”, do coletivo dinamarquês Superflex, que fazia crítica ao monopólio do mercado do guaraná. Já a repressão assumida pela curadoria em relação à invasão de pichadores na edição passada é hoje questionada.
“Ao reduzir o que houve a um caso de polícia, a fundação perdeu uma oportunidade de reflexão”, afirma Moacir dos Anjos, que incluiu o grupo Pixação SP na atual mostra. “Não poderíamos desconsiderar a existência de um grupo que usa a cidade de São Paulo como um caderno em branco para manifestar um ponto de vista sobre o mundo.”
Pichadores ganham voz e o microfone é um símbolo reincidente nesta edição. Está presente no palanque performático que o argentino Roberto Jacoby montou a favor da campanha de Dilma para a Presidência e também na instalação sonora “Gabinete do Dr. Estranho”, de Livio Tragtenberg, que edita seu trabalho a partir de arquivos digitais de áudio e vídeo recebidos do público, convidando-o também a usar um microfone. Outro símbolo político evidente é a bandeira, descolorida e reduzida ao branco e ao preto em “Apolítico”, do cubano Wilfredo Prieto, e em “Bandeira Branca”, de Nuno Ramos, uma obra sonora monumental instalada no coração do Pavilhão que é também um viveiro de urubus. Luto, litania e redenção são alguns dos conceitos que se sobrepõem nesse trabalho que parece representar um retrato do Brasil contemporâneo.