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Como atiçar a brasa

 


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setembro 15, 2010

Nuno Ramos equaliza o sublime eo grotesco por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 15 de setembro de 2010.

Artista tem individual com árvores e aviões no MAM-Rio e está na Bienal

Ele compara seu viveiro de urubus a "velório e canção de ninar" e diz que sua obra no Rio está no "limite do cafona"

Numa pausa na montagem, Nuno Ramos mostra as queimaduras de soda cáustica nas mãos e no rosto.

Homens que ajudam o artista a revestir de sabão árvores e dois monomotores sobem e descem as rampas do Museu de Arte Moderna do Rio, os braços cobertos de plástico.

"Esse é o trabalho mais difícil que já fiz", conta o artista, no caixa do posto de gasolina ao lado do museu. Ele compra chá gelado e batatas Ruffles para enganar a fome diante da obra monumental que faz numa sala com vista para o aterro do Flamengo.

Dois aviões parecem ter se embrenhado na copa de flamboyants ressecados. No andar de cima, enormes esferas de terra cospem para fora imagens de um diálogo estranho seguidas da projeção de um filme pornográfico, em que as falas são nomes de choros -"Brasileirinho", "Vibrações" e "Corta-Jaca".

São 20 toneladas de areia socada, sabão e fuselagem. Pelo menos 30 homens, um deles engenheiro calculista, trabalharam para terminar em tempo da abertura, hoje.

Enquanto isso, em São Paulo, um enorme viveiro de urubus é montado no vão central do pavilhão feito por Oscar Niemeyer, trabalho de Ramos na edição da Bienal que começa em dez dias.

Numa obra que costuma transitar entre a austeridade e a euforia, estruturas superlativas não escondem a delicadeza estranha do artista.

Entre berros, ordens e ajustes finais da exposição, Ramos falou à Folha nos jardins do MAM. Leia a seguir trechos dessa conversa.

Folha - Como a obra que você mostra agora no MAM se relaciona com o trabalho da Bienal de São Paulo? Há uma dimensão política nas duas?

Nuno Ramos
- Passei esse ano pensando na Bienal e aqui. Quis fazer uma peça de algum modo política, entender a capacidade imagética de carimbar uma época, alegorizar um tempo. Me lembrei dos urubus e dessa litania que o trabalho é, um trabalho de luto muito calado.

Tinha um repouso, não era a violência em ato, era uma coisa calma, aquelas canções, os bichos voando, uma espécie de desaceleração. A obra inteira tem algo entre velório e canção de ninar.

"Fruto Estranho" [trabalho com os aviões nas árvores no MAM] está no limite do cafona. Na Bienal é austero, esse é mais histérico. É outra fusão entre o vivo e o morto.

Acredita que isso tem a ver com o momento político e econômico atual do país?

É um momento de grande aceleração sem direção, um segundo desenvolvimentismo. Também há uma cegueira e falta de capacidade de projetar. É uma espécie de agora dilatado que o Brasil sempre vive. Somos o "nunca antes neste país" eterno.

Sinto que esse ufanismo só vai ter algum sentido quando enraizar. O Brasil não superou ainda essa vertigem superficial, o modo de operar a vida como se fosse acabar amanhã. É um pouco eufórico, não tenho tesão nisso.

E com o momento da Bienal?

Essa Bienal vem com uma força guardada. A "Bienal do Vazio" foi das coisas mais idiotas que o Brasil já fez. Essa vem suceder uma cagada monstruosa. Ainda assim, esse museu está caindo aos pedaços. O mundo institucional não é o que já foi, embora haja novas forças.

Sua obra parece bem menos abstrata agora, marcada por contrastes mais aguçados.

É o novo e o velho, a soda e a banha, o cachorro e o asfalto. Essa passagem entre matéria e sentido é o que parece estar acontecendo. A matéria foi criando raiz semântica, buscando uma linguagem.

Ponho tudo em fusão, cópula. Eu sou romântico, acredito na verdade que resulta disso. Quero que o choro e o pau duro transfiram de um para o outro alguma coisa em comum. Gostaria de equalizar o sublime da música e o grotesco de uma boceta.

RAIO-X NUNO RAMOS

VIDA E OBRA
Nasceu em São Paulo, em 1960. Sua obra é pautada pelos contrastes e pesquisa de materiais, empregando areia, vidro, vaselina, sabão, água, feltro, mármore, entre outros

CARREIRA

Esteve na 18ª Bienal de São Paulo, em 1985, na 2ª Bienal de Havana, em 1986, e na 5ª Bienal do Mercosul, em 2005

MOSTRAS ATUAIS
Abre hoje ao público individual no MAM do Rio, com obras inéditas, e está na próxima Bienal de SP, que abre ao público no dia 25

Posted by Cecília Bedê at 11:24 AM