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junho 18, 2010
Rivane Neuenschwander leva obras do acaso a NY e à Suécia por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 18 de junho de 2010
Artista mineira ocupa três andares do New Museum e tem mostra marcada em museu sueco
Obras são provocações à participação do público, como policiais que farão retratos falados de amores dos visitantes
Ela não fala muito. Diz que prefere escrever. Mas está ali, com os olhos azuis bem abertos, pronta para a conversa. Só que as palavras não vêm.
Sobre a toalha de mesa cor-de-rosa, um arsenal de distrações. Pães de queijo saídos do forno, café acabado de passar, bolo de fubá.
Rivane Neuenschwander engole o silêncio e mostra na tela do computador a cena de um filme no YouTube.
Só quando descreve Gene Hackman destruindo o apartamento em "A Conversação", de Francis Ford Coppola, parece destravar a língua.
Não venceu a timidez. Ela continua à espera de munição para o discurso calculado, temas que vêm das imagens no monitor. Da mesma forma reticente, a obra dessa artista parece propor silêncios só cortados pelo público.
Não espanta que a mineira Neuenschwander, descendente de suíços, tenha mandado fazer máquinas de escrever sem letras, só com pontos finais, para uma de suas maiores instalações.
Mas, ao contrário das reticências na fala e nas obras, sua carreira agora adentra um terreno de exclamações.
Na semana que vem, ela ocupa três andares com obras suas no New Museum, de Nova York. E no fim do ano, tem mostra marcada no Malmö Konsthall, na Suécia.
Numa das obras centrais da mostra em Nova York, ela mandou instalar microfones escondidos no piso e numa parede antes mesmo de viajar para lá. Quando chegar, vai destruir a parede, do mesmo jeito que no filme de Coppola, atrás dos aparelhos.
No fim das contas, a gravação desse ruído todo é o que fica exposto para o público.
"Me interessa que gravem a destruição", conta a artista à Folha, em seu ateliê em Belo Horizonte. "É um embate entre construção e acaso, não sei prever que configuração esse trabalho vai ter."
Mas é certo que vai funcionar da forma como o resto de sua obra. É sempre uma provocação, um vazio, seguido de gestos para acalmar a desordem, estruturar o caos.
"Tenho muito pouco de autoria mesmo", diz Neuenschwander. "Mas é porque já tem muita coisa no mundo, é só organizar."
Ela constrói então um inventário de formas, ou melhor, recruta estilhaços do cotidiano, banais até não poder mais, para suas obras.
Baldes cheios d'água vão ficar pendurados no teto do museu, gotejando sobre outros recipientes logo abaixo.
Alguém em Nova York ficará encarregado de administrar a tempestade doméstica, que dura quatro horas.
Da mesma forma que os 91 dias de duração dessa exposição determinam a existência de 91 colagens numa parede. São rodelas minúsculas de papel em fundo preto.
Cada constelação dessas, de pontos brancos sobre o preto, é uma "noite picotada" de uma edição do "Livro das Mil e Uma Noites".
Neuenschwander não sabia como cada colagem ficaria. Também não podia prever o resultado do filme que fez furando 1.001 buracos na própria película de 16 mm.
RETRATO FALADO
Tudo parece estar fadado ao acaso, destino incerto com certo potencial plástico.
Em outra obra-performance que leva ao New Museum, Neuenschwander contratou policiais para fazer o retrato falado do primeiro amor de cada visitante da mostra.
"É resgatar na memória essa pessoa", descreve. "Mas em contraste com uma poética de investigação criminal."
Na Suécia, ela vai instalar 58 painéis de acrílico cheios de temperos coloridos, que também vão passar por transformações incontroláveis ao longo do tempo.
Neuenschwander parece desenhar sua obra em torno da própria ausência. São os microfones cavados na parede, os policiais desenhando amantes perdidos, os furos de velhos contos mofados.
Mas nada é puro acaso. "Precariedade é uma coisa, oportunidade é outra", resume a artista. "Nada é feito sem pensamento, para cada acaso, precisa haver um controle." Mesmo precário.