|
junho 7, 2010
Fernanda Gomes ganha repercussão internacional transformando restos em poesia por Suzana Velasco, O Globo
Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no segundo caderno do jornal O Globo em 7 de junho de 2010
O corredor de entrada do apartamento de Fernanda Gomes se estreita com a pilha de gavetas e caixas que ela acha em caçambas pela rua. A maior parte da sala é ocupada por pedaços de madeira pendurados; paus que, unidos, viram uma escada; pregos nas paredes. Um dos quartos guarda - e esconde - de casca de ovo a folha de ouro, passando por linhas de costura, moedas, colheres, papéis de cigarro e papéis de seda, clipes, fios de cabelo, copos quebrados, caixinhas de fósforo, pedras, ímãs.
- Tem gente que adora este quarto, mas tem gente que não consegue ficar muito tempo aqui - conta ela.
Fernanda é artista plástica. E o quarto repleto de objetos é um de seus dois ateliês. O cômodo ao lado é o outro, que ela chama de ateliê de pintura, com tintas quase sempre na mesma cor: branco. Fernanda acumula, mas para fazer desaparecer.
- Eu me lembro de uma exposição no MAM em que a Fernanda usou uns sabonetes gastos, já quase transparentes - conta a crítica de arte Ligia Canongia, que escreveu sobre algumas das primeiras mostras da artista, na virada para os anos 90. - O trabalho dela é sempre muito delicado, quase desaparece para o olhar. Você precisa ficar atento, aguçar sua percepção, para identificar onde a obra acontece. E tudo é muito calcado na experiência do objeto vivido, já desgastado, com as marcas do tempo, as sujeiras.
E sempre foi assim, desde que, dividindo-se entre o trabalho como designer profissional e as experiências artísticas - que ainda não tinham esse nome -, Fernanda sentiu que precisava, como ela diz, "se desfazer" dos objetos que materializavam essas experiências. Em 1988, mandou uma proposta para o Projeto Macunaíma, da Funarte, e foi aceita. Era sua primeira exposição, e sua primeira individual. Fernanda não parou mais de acumular e se desfazer.