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junho 2, 2010
Objeto performático por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 01 de junho de 2010
A alemã Rebecca Horn expõe pela primeira vez no Brasil esculturas que replicam movimentos orgânicos e se comportam como pessoas
Em 1970, Rebecca Horn desenhou uma roupa que acoplava à cabeça de uma mulher um chifre de unicórnio. Da manhã até a tarde, ao longo de seis horas, essa mulher caminhou vestida como um unicórnio pelos campos próximos à cidade de Kassel, na Alemanha, onde Rebecca participava de uma Documenta.
"Me interessava como o peso dos chifres produzia uma qualidade de movimento muito diferente naquela mulher", afirma a artista alemã, que durante os anos 70 centrou seu trabalho na produção dessas esculturas corporais, que modificavam os movimentos humanos a partir do uso de objetos escultóricos. O filme "Unicórnio" (1970) está em exibição em uma sala de cinema instalada dentro da exposição "Rebecca Horn - Rebelião em Silêncio".
Duas compilações de registros de performances e dois longas-metragens dividem o espaço do CCBB-RJ com objetos de personalidade tão forte quanto um piano que cospe suas teclas e um leque de plumas que se abre como uma cauda de pavão.
"A exposição é formada por salas de memórias - salas escuras onde são projetados filmes - e salas de luz, compostas por objetos", explica Rebecca. Caminhar entre as 19 esculturas e instalações que compõem a exposição é como estar diante de objetos performáticos, que ganharam autonomia. São como instrumentos musicais que funcionam sozinhos, sem a intervenção direta do músico. A mesma artista que vestia pessoas com chifres de três metros de altura, luvas com prolongamento de dedos em forma de facas e outras próteses surrealistas, colocando-as em situações a serem vividas como "rituais", agora constrói objetos cinéticos que parecem ter vida própria e convidar o público a se comportar como o performer. "Quando o público interage com o objeto, ocorre uma forma de diálogo muito diferente
da relação que ele pode ter com a pintura, que é basicamente visual", afirma a artista.
A agressividade que emana de algumas das obras de Rebecca é definitivamente um elemento que desperta a reação do público. Medo, confronto e espanto são emoções suscitadas por instalações como "Sala de Destruição Mútua", em que dois revólveres, acoplados a dois espelhos, apontam e atiram na direção de espectadores distraídos com a própria imagem refletida. Em "Concerto para Anarquia", um piano de cabeça para baixo pende do teto do espaço expositivo, desafiando as leis da gravidade.
O sentimento de ameaça torna-se ainda mais evidente quando o objeto "desperta" inesperadamente de seu estado de dormência e entra em atividade, despejando as teclas para fora.
Toda a ira que dorme e desperta nos trabalhos parece estar a serviço, em todo caso, de uma espécie de ritual de purificação. "Fiz muitos trabalhos políticos sobre minha relação com meu país. Vivemos um tempo muito duro, dedicado a entender o que aconteceu durante a guerra na Alemanha. Então, comecei a trabalhar com as performances, para transformar energias em espaços onde as pessoas foram mortas", conta ela.
Armas de fogo, armas brancas, conchas, símbolos fálicos, muitas referências ao sexo compõem o universo animado de Rebecca. Em sua maior parte, guardam estreita relação com música e cinema. É o caso da instalação "Concerto dos Suspiros", feita a partir da coleta de vozes de pessoas que contam histórias de sofrimento. Há vozes chinesas, cubanas, francesas, japonesas, alemãs, russas que brotam de funis de cobre. "A artista não teme a teatralidade e encara o lado dramático dos objetos. O diálogo que ela estabelece entre a performance, a escultura e o cinema é pioneiro e antecede, por exemplo, a poética de Matthew Barney", interpreta o curador Marcello Dantas.
No trabalho de tecnologia altamente sofisticada de Rebecca, chama a atenção o fato de que ela sempre tenha preferido os motores aos sensores e nunca tenha experimentado as possibilidades do universo digital - que garantiriam que seu objeto detectasse a presença do público na sala de exposição. "Não trabalho com computadores. Prefiro o modo natural da surpresa", defende-se.