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maio 25, 2010
Soldado das artes por Pedro Rocha, O Povo
Matéria originalmente publicada no caderno Vida & Arte do jornal O Povo em 17 de maio de 2010
No centenário de Jean-Pierre Chabloz, o Mauc abre exposição hoje com cartazes e ilustrações do artista plástico suíço que transfigurou nordestinos em seringueiros
Um suíço grandalhão e conversador que frequentava as rodas de artistas plásticos, escritores e músicos de Fortaleza. Artista plástico formado no final da década de 1930 na Accademia Belle Arti di Berna, em Milão, Jean-Pierre Chabloz mudou-se para o Rio de Janeiro com a família logo depois, em 1940, por causa da eclosão da Segunda Grande Guerra, onde participou da movimentação cultural. Fez pequenos trabalhos como a publicação de um curso de desenho em uma revista ilustrada para jovens até ser convidado para chefiar a propaganda do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta), que naquele momento deslocava sua sede de São Luiz (MA) para a capital cearense.
Chabloz dizia-se que sua chegada ao Ceará estava predestinada, e isso aconteceu em 1943, com o convite feito por um amigo suíço, representante no Brasil dos interesses norte-americanos, no caso, a necessidade bélica de borracha, muita borracha. Criado por Getúlio Vargas, o Semta tinha o objetivo de arregimentar nordestinos para a extração do látex, retirando os trabalhadores do sertão nordestino para alojá-los no seio da floresta tropical. O artista plástico suíço foi quem deu os traços e as cores dessa miragem.
Expostos nas vitrines do Centro da cidade e no hall do Cine Diogo à época, os 60 cartazes e ilustrações produzidos entre janeiro e julho de 1943 compõem a exposição, que será aberta hoje, no Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc). As peças conjugam a valorização do mito do Eldorado amazônico em contraposição à vida de incerteza da seca, ao passo que exaltam os serviços do Semta.
Para Pedro Eymar, diretor do Mauc, as peças têm um peso significativo não só para o Brasil, mas como representante dessa propaganda mundial vinculada à guerra. A coleção é um dos pilares no processo, ainda em curso, de tombamento federal do museu.
"Impressiona nesse trabalho primeiro a escala, A percepção de todo esse imaginário da Amazônia. É uma propaganda de convencimento, onde a escala e a geografia são alteradas. Impressiona pelo vigor do traço, pela percepção que ele vai tendo não só do cenário amazônico, como do homem nordestino. O Nordeste e a paisagem amazônica transfiguradas``.
Personalidade
Pedro Eymar chegou a ter aulas de desenho com o suíço na década de 1960. ``O que impressionava no Chabloz era essa postura didática, notadamente sobre o desenho, sobre a pintura. Era difícil você conversar uma vez com o Chabloz em que não saísse com uma nova informação``, diz.
Professor de artistas plásticos cearenses como Sérvulo Esmeraldo, Descartes Gadelha e Estrigas, Chabloz foi uma figura de importante atuação no cenário artístico cearense, seja na formação de artistas em cursos ou artigos jornalísticos, como os publicados na coluna Arte e Cultural, no jornal O Estado, seja no incentivo à carreira de nomes como Antônio Bandeira e Chico da Silva, artista descoberto pelo próprio Chabloz no Pirambu e que ganhou projeção no Brasil e na Europa graças ao trabalho de divulgação do suíço.
Na memória de Estrigas, Chabloz ficou como um homem grande, que chamava a atenção e conversava muito. Um cidadão excêntrico e que animava o meio artístico, com uma formação acadêmica e um conhecimento vasto de arte e filosofia que o fez transitar por vários meios artísticos da capital, como a Sociedade Cearense de Artes Plásticas (Scap) e a Sociedade Musical Henrique Jorge.
"Era uma pessoa fora do comum. Quando ele ouvia um jumento relinchar na Aldeota, ele achava aquilo lindo. Era o sabor daquela coisa original que ele não tinha na Suíça. Por exemplo, eu presenciei uma vez uma cena do Chabloz chegando na Associação Musical Henrique Jorge com uma coleira no pescoço e, na ponta, um garoto puxando. Era uma excentricidade. Uma maneira de proceder não todo dia, mas um espírito de blague``, conta.
Chabloz viveu por décadas em um constante trânsito entre Fortaleza, Rio de Janeiro e Europa, sempre participando da movimentação artística na cidade e divulgação a produção brasileira no exterior, até 1984, quando debilitado de saúde voltou a cidade para nunca mais deixá-la. O corpo do artista está sepultado no cemitério Parque da Paz.