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maio 11, 2010
Criação coletiva por Alinne Rodrigues, O Povo
Matéria de Alinne Rodrigues originalmente publicada no caderno Vida & Arte do jornal O Povo em 11 de maio de 2010.
Criar um desenho totalmente no computador: possibilidade de cores testadas, recortes perfeitos, de desfazer o que deu errado, tudo a um só clique de distância. Ao final, salvar o produto em uma pasta junto com centenas de outros, muitos dos quais nem o artista se lembra. Fotografar em câmera digital: tentar dezenas de vezes cada foto, verificando em tempo real se ela ficou do jeito que se desejava. Depois, armazenar em uma pasta no computador e acumular gigas de informação bruta.
Trimestralmente, a revista digital IdeaFixa – de artes visuais, ilustração, design e fotografia – recebe, por e-mail, bytes e bytes desses trabalhos. A publicação, no entanto, tenta manter vivo o toque, o nanquim e o papel em seus projetos especiais. Há um ano, o primeiro deles chegou a Fortaleza: a exposição Enox Expressions. Parceria entre a publicação e a rede de mídia indoor Enox, a ideia foi imprimir 39 peças de 32 artistas em papel fotográfico e fazê-los circular por 22 cidades em espaços reservados à publicidade alternativa, como banheiros de bares e restaurantes.
A aposta na itinerância física, fora da Internet, continua. Na última semana, mais um projeto chegou por aqui. Desta vez, a exposição vem em forma de um sketchbook (um caderno de rascunho), que vai sendo preenchido com arte enquanto viaja pelas mãos dos criadores. A ação começou em fevereiro de 2009, com a abertura de inscrições, e a seleção dos artistas participantes. Entre quase 500 candidatos, 89 foram selecionados. Dois deles do Ceará: Daniel Chastinet e Natalia Kataoka. “A seleção foi feita por qualidade do trabalho. Outro ponto importante foi a diversidade de estilos, mas não houve uma preocupação geográfica. As pessoas que entraram eram realmente as melhores”, explica Janara Lopes, editora da IdeaFixa e curadora do projeto Cadernos de Viagem.
Para que ele se tornasse realidade, Janara procurou a marca Caderno Listrado, que confecciona os sketchbooks artesanalmente. Desde então, quatro deles têm viajado e sido preenchidos com as mais variadas formas de arte: colagens, aquarelas, pop-ups (aquelas figuras que saltam do papel quando a página é aberta), tem de tudo. Em Fortaleza, a passagem ocorre em duas etapas. A primeira, cumprida na última sexta-feira, foi a intervenção do ilustrador Daniel Chastinet, 25. Oficialmente engenheiro civil, ele dedica o tempo entre uma obra e outra ao desenho.
“Comecei em 2006 fazendo desenho vetorial, no computador, para estampar camisetas e participar de concursos em sites. Aí fui conversando com outros criadores e aprendendo o que era legal e o que não era”, lembra. A ilustração analógica só veio depois, nas paredes do quarto, atrás da porta, na geladeira de um albergue onde morou por um tempo, na Argentina, em pedaços de tábua colhidos em obras. “O Caderno é massa porque tem coletivos de designers que trabalham principalmente com o digital. É como se chegassem e dissessem: ‘Agora me mostra o que você sabe fazer com as mãos’”.
O tempo de execução de sua colaboração para o Cadernos de Viagem foi de três dias. Para desenvolvê-la, ele pensou nas significações de uma viagem. Focado no tema “jogar o corpo no mundo”, ele desenhou com nanquim e tinta acrílica casas expulsando seus moradores e utilizou o recorte de um barquinho de lego. A segunda etapa teve início do último domingo. Daniel passou a bola para Natalia Kataoka, 24, que, oficialmente, é publicitária, mas se dedica à fotografia. “Ainda não decidi o que vou ser quando crescer”, ela brinca.
A história de Kataoka teve início na faculdade, com as disciplinas de fotografia. Com a câmera digital compacta do pai, ela ficou em terceiro lugar na Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação (Expocom), realizada no encontro nacional da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). “Eu não esperava que fosse conseguir uma colocação assim em um evento nacional. Foi quando eu percebi que poderia começar a experimentar com fotografia e comprei minha primeira câmera profissional”, rememora. A empolgação, no entanto, durou pouco tempo. “Comecei a perceber que não gostava tanto do digital. Tem pouco ruído, é muito limpa a imagem. Aí eu sempre ia no Photoshop botar sujeira”.
Em 2007, ela descobriu a lomografia, o tipo peculiar de fotografia feita a partir de uma câmera russa da marca Lomo. Feitas, em sua maioria de plástico – inclusive as lentes –, as lomos passaram a ser desejadas em todo o mundo por causa da distorção presente nas imagens produzidas. A tal sujeirinha que Kataoka procurava. “Hoje uso a digital muito mais para trabalhar. Quando quero tocar um projeto pessoal, só uso câmera de filme”, conta.
Dona de uma Holga, um modelo antigo de Lomo, é com a míni Diana que ela fotografa, esta semana, suas viagens para o Caderno. “Eu vou fazer diferente do Daniel. Não quero pensar viagem como um trajeto. Quero usar o mar, porque a gente está em Fortaleza, e o mar é um elemento muito forte, e quero usar pessoas com máscaras para fazer essa viagem”, adianta.
De São Paulo, o caderno que está em Fortaleza foi para o Rio de Janeiro, passou por Belo Horizonte e subiu para o Nordeste. Mas afinal, qual será o destino desse sketchbook artístico? “Os melhores trabalhos estarão num livro. Haverá uma exposição em algumas capitais, com fotos do processo, as imagens impressas e os cadernos - protegidos por uma redoma, claro. No final do processos, haverá uma festa em São Paulo com um leilão dos cadernos. O valor será revertido para instituições de caridade com foco no ensino das artes”, revela a editora Janara Lopes.