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Como atiçar a brasa

 


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maio 4, 2010

Poesia visual por Marcos Sampaio, O Povo

Matéria de Marcos Sampaio originalmente publicada no caderno Vida e Arte do jornal O Povo em 4 de maio de 2010.

Premiado do 61° Salão de Abril com uma bolsa de formação, o artista Jared Domício lança seu olhar sobre a mostra e a produção de arte contemporânea

Qual é o limite da arte? A pergunta é recebida como um soco pelo artista Jared Domício, fortalezense escolhido pelos curadores do 61° Salão de Abril, entre os 30 selecionados, para receber uma bolsa de formação. Ainda assim, ele respira e arrisca uma resposta. "O limite da arte é o limite do mundo onde ela vive". Tomando como exemplo os artistas da body art que chegam a se mutilar ou auto flagelar, Jared completa. ``Antes de chamar de absurdo, é preciso entender a ideia, o contexto onde ele vive. A arte lida com uma diversidade de olhares``.

Convidado pelo O POVO, Jared Domício fez um passeio pelo Salão, no último sábado, para expor suas posições sobre arte contemporânea, a proposta do evento e os artistas selecionados. Logo na entrada, ele assumiu estar surpreso com os trabalhos e com o alto nível da exposição. ``Alguns trabalhos aqui você pode classificar como pintura, performance. Mas, a maioria trabalha com o hibridismo``, comenta ele sobre a mistura de diversas linguagens. Dentro desse conceito, por exemplo, ele cita o Mesa de Luz: Cotidiano, obra do grupo brasiliense Mesa de Luz. Formado pelos artistas Hieronimus do Vale, Marta Mencarini e Tomás Seferin, o grupo realizou no dia 16 de abril um trabalho que misturava música, edição e performance usando tecido. Tudo foi captado por uma câmera que filmava por baixo do tampo de uma mesa de vidro. ``Fico surpreso por que a própria obra não é para um salão tradicional, com categorias``.

Outro trabalho que Jared aponta por ter lhe chamado a atenção foi o de Alice Lara. As duas pinturas da brasiliense, batizadas de Esperando para mais delícias e Sutileza Lasciva, mostram cachorros de boca escancarada e se mordendo. ``Me causou um certo incomodo``, explica Jared. ``Ela não trabalha de uma forma realista. Ao mesmo tempo que a imagem revela extrema violência, ela utiliza cores como o amarelo, que tem muita sutileza``. Para ele, os quadros lhe trouxeram a ideia da contaminação. ``É quando um trabalho, você goste ou não, ele vai contigo de alguma forma``.

Voltando ao hibridismo, que parece estar presente em boa parte dos trabalhos do 61° Salão de Abril, Jared se detém diante das pinturas Things ain´t what they used to be (Oscar Peterson and Jon Faddis) e Rockin chair (Joe Wilder), do paulista Roberto Bernardo, que traz fortes influências do grafite unido com a colagem. ``Nenhuma área hoje é tão pura e a arte é um filtro do mundo em que vivemos. É muito difícil um artista compreender o que é arte contemporânea``.

Horizontes
"Você nota que são artistas com uma pesquisa em desenvolvimento", analisa Jared sobre as obras do Salão como um todo. "O artista, hoje trabalha mais com questões do que com uma técnica". Essa observação é o mote para ele falar da própria obra, de nome Arquivos do Horizonte. Trata-se de 65 transparências representando a linha do horizonte (que separa um plano do outro) de diversas obras de artistas como Leonilson, Da Vinci e Picasso. Explicando como uma pesquisa sobre como as pessoas se relacionam com o espaço, ele conta fez uma seleção entre as mais de 100 transparências que já fez. ``Enquanto existirem artistas trabalhando a ideia de horizonte, eu vou continuar buscando essa percepção``.

Passeando pelo centro da cidade onde estão outras obras e onde foram realizadas performances, Jared não esconde o orgulho pelo prêmio no valor de R$ 10 mil que recebeu. ``É um prêmio não pelo trabalho, mas por um processo de pesquisa``. Ele lembra que já participou de várias edições do Salão e em outras foi recusado. ``Prova que o trabalho mudou e o Salão também``. Classificado, muitas vezes, como minimalista, ele explica sua criação pelo foco no espaço, na precisão e pela preocupação com o grafismo. ``Gosto de criar situações onde o espectador não percebe de imediato. O artista não pode entregar tudo de uma vez``.

EMAIS

- O 61° Salão de Abril fica em cartaz até 31de maio, de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h e aos sábados, das 8h às 17h, no Centro de Referência do Professor (Rua Conde D-Eu, 560, antigo Mercado Central). Entrada gratuita.

- O artista Jared Domício nasceu em Fortaleza, em 1973. Começou a se interessar por artes por volta dos 12 anos. Graduado em Ciências Sociais, ele começou a expor durante os anos 1990. Em 2003, ele ganhou a Bolsa Pampulha, mudou-se para Belo Horizonte e fundou o projeto Casa da Passagem, com os artistas Paulo Nenflídio e Cristina Ribas. Seus trabalhos já estiveram em muitas cidades brasileiras como Belo Horizonte e Curitiba, além de Viena e México. Seus planos agora são dar continuidade à pesquisa sobre as linhas do horizonte utilizando o prêmio do Salão.

- "`Fortaleza tem um público em potencial muito grande``, comentou Jared Domício. ``O que ainda falta é educação. Uma maior interação entre os espaços culturais e as escolas``. E quando perguntado sobre quem seria o melhor público: ``para as artes contemporâneas são as crianças. Elas têm menos preconceito. Os adultos têm mais pudor``.

Posted by Cecília Bedê at 12:17 PM