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maio 3, 2010
Rembrandt é tema de livro e mostra em Vitória por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 1 de maio de 2010.
Gravuras exaltam técnica rentável de luz e sombra
Na escuridão, surge um Cristo iluminado. Logo abaixo, fora do quadro, está explícita a inscrição: "gravura de 100 florins".
Rembrandt tinha graça, mas tinha também seus preços. Um livro recém-lançado destaca a relação do artista holandês com o mercado, já que foi notória sua transformação do ateliê em linha de montagem. Ao mesmo tempo, uma mostra agora em cartaz no Museu de Arte do Espírito Santo reúne gravuras que frisam sua produção em massa.
No livro "O Projeto de Rembrandt", da Companhia das Letras, a autora Svetlana Alpers destrincha o mundo que o artista recriou em seu ateliê. Dava ordens a um exército de ajudantes, limpava os pincéis na roupa, grosseiro como seus traços. Ela tenta mostrar como Rembrandt soube separar a luz das trevas em seus quadros para enriquecer no plano terreno.
Na verdade, as gravuras agora no país ajudam a entender que seu foco não era a distinção nítida de luz e sombra, mas a forma como figuras emergem da escuridão, aparição matizada por contornos luminosos.
Nas cenas bíblicas, como "Cristo Pregando", "A Escada de Jacó" e "A Adoração dos Pastores", Rembrandt arquiteta um emaranhado denso de traços que cede em alguns pontos para destacar a presença, bastante tímida, da luz.
Mergulha "O Sepultamento" num negror fuliginoso, com foco só para o rosto de Cristo. Dentro e fora de suas alegorias, instaura também um senso do cotidiano. A vida doméstica não cessa diante dos sermões, seus fiéis não disfarçam o ar entediado. Desenha mendigos nas ruas, velhas anônimas e se autorretrata à exaustão.
São fiapos de linhas apressadas que tentam dar estofo à rotina que recriava em seu ateliê. Vestia seus modelos com fantasias, exigia que declamassem até falas -um teatro da vida para vender como quadro.