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dezembro 14, 2009
Ernesto Neto cria sua primeira escultura rígida por Camila Molina, Estado de S. Paulo
Materia de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 do jornal O Estado de São Paulo em 12 de dezembro de 2009.
Artista carioca conhecido por suas instalações de formas em tecido apresenta a obra Mitodengo, estrutura feita em módulos de aço que se torna linha no espaço
Ernesto Neto está se sentindo mais escultor agora do que antes. É que ele criou sua primeira escultura rígida, de aço, mas não acredita que tenha, afinal, se rendido à tradição. Artista que desde a década de 1990 ficou conhecido por suas "naves", obras feitas em tecido para o espectador interagir, e por instalações com formas feitas em malhas finas preenchidas em suas extremidades por especiarias (coloridas e com aromas), ele criou agora Mitodengo, escultura monumental com quase cinco metros de altura feita pelo encaixe de 11 módulos em denso metal. "Tem rigidez, mas sensorialidade: o ferro é frio e é quente, azul e avermelhado", diz Ernesto Neto, que apresenta a partir de hoje sua nova obra no Galpão Fortes Vilaça.
Aço é ferro e carbono e, pela ação da umidade, vai se transformando com o tempo. Impossível não pensar nas esculturas cruas e geométricas de Amilcar de Castro já no primeiro encontro que temos com Mitodengo, mas Ernesto Neto ainda cita as referências outras que ele sempre teve em sua trajetória de escultor - a de Weissmann, Tunga e José Resende. "A tradição sempre esteve presente", diz o artista, interessado, como afirma, numa equação que faz o encontro da "maciez na rigidez, a vontade de natureza do brasileiro, essa mistura que a gente é".
Em seu discurso, o artista carioca diz várias vezes que não quer ser ocidental. "Não somos ocidentais porque não somos puros, a mistura é nossa essência, a relação figura e fundo para nós é diferente, é ampla, tudo pode acontecer nela, há espaço para a negociação, para a vida, o que gera até mesmo a corrupção", afirma em disparada Ernesto Neto. "É tudo menos geométrico, temos dança, temos dengo", continua ele - e sua escultura monumental é uma "linha no espaço" feita de formas orgânicas (remetem a folhas) "que se beijam". "Há essa emocionalidade da figura", afirma: Mitodengo, diz, é transitória, poderia estar no Galpão apenas por uns instantes e sair para continuar sua trajetória em outro lugar.
A escultura - "qualquer não-coisa que fica em pé" é como uma coluna vertebral de folhas rígidas. Ernesto Neto conta que o processo de sua criação vem de dois anos e meio, quando, ao realizar uma exposição que misturava a ideia de infância com a vida adulta, criou bancos feitos em módulos para crianças se sentar. "Do objeto de design foi se desenvolvendo até chegar a essa peça inédita, sozinha no espaço." Segundo ele, há até mesmo algo "ético" nessa simples operação que se valeu. "A junção de módulos é um processo construtivo visível, nada está escondido e ele se sustenta apenas pela gravidade." É fixo e é lúdico: contém em si todas as possibilidades, mas se firma excluindo todas as outras. Ernesto Neto tenta balançar sua obra para lhe dar movimento, mas a pele de Mitodengo é, enfim, dura.