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Como atiçar a brasa

 


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dezembro 11, 2009

Sophie calle passeia pela exposição no mam: diversas interpretações para o famoso e-mail que termina com “Cuide-se” por Helena Celestino, O Globo

Materia de Helena Celestino originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo em 10 de dezembro de 2009.

Artista francesa traz ao Rio mostra criada a partir de famoso e-mail de ruptura

Depois de tanto tempo do tal e-mail de ruptura, não é meio cansativo continuar contando essa história e montando uma exposição em torno do assunto?

SOPHIE CALLE: Para mim, o tema não é mais a separação. Quando estava organizando a exposição, já não se tratava mais disso, a carta de rompimento já não tinha importância, era só um suporte. Não havia mais dor. De algumas dores é melhor rir: aos 18 anos, levam-se dois anos para superar uma separação; aos 55, uma semana. A ideia da exposição me veio muito rapidamente, quando conversei com uma amiga jornalista. Perguntei a mim mesma se o projeto era uma vingança e achei que não, que valia a pena, que era artisticamente interessante. Escolhi as mulheres entre as que têm, como trabalho, interpretar um texto: artistas, filósofas, psicanalistas, cada uma me levava a uma outra especialização profissional. Quando recebi a carta, não sabia o que devia fazer, se devia responder, se ele me abandonava de verdade. Então, fui perguntar à minha melhor amiga como ela lia aquele texto. E comecei a pedir a várias mulheres para responderem por mim, sempre do ponto de vista profissional. O interessante é a multiplicidade de visões e também a maluquice das muitas especializações existentes no mundo contemporâneo. Talvez a interpretação de que eu mais goste seja a da palhaça.


Mas, agora, qual é o prazer ao remontar a exposição?

SOPHIE: Agora, o prazer pode estar ligado ao lugar onde a exposição será montada. Estava empolgada por vir ao Rio; Salvador foi um sonho. Se estivesse levando essa exposição para oito cidades alemãs, não aguentaria mais. Vai ter uma hora em que isso vai parar, ou a exposição vai circular sem a minha presença. Não tem graça eu, já velha, numa cadeira de rodas, falando ainda desse e-mail.

Em Paraty, durante a Flip, você e Gregoire Bouillier criaram um certo frisson, ao se encontrarem publicamente pela primeira vez depois da sua exposição e do livro que ele escreveu sobre o assunto. Foi uma cena de teatro, um momento ridículo? Como você interpreta aquela cena?


SOPHIE: Era lógico a gente se encontrar. Fiz um projeto sobre ele, ele fez um livro sobre mim, nós dois fizemos um livro, os dois livros saíram em português, era natural que nos encontrássemos. É verdade que foi uma maneira de dizer o que precisava ser dito, e era muito mais fácil fazer isso em público. Não iríamos marcar um encontro para falar de nossa história, já tinha passado muito tempo e gostamos de aparentar que somos light. Mas faltava dar um fecho a esse assunto, e isso aconteceu em Paraty. Era o lugar certo, longe de casa, longe dos amigos. Se fizéssemos isso em Paris, seria ridículo. Nós dois estávamos com medo desse encontro: foi sincero, foi real e foi o fim.

Você já se dedicou a um novo projeto?

SOPHIE: Eu trabalhei com uma vidente, que também participa dessa exposição. Perguntei-lhe onde ela me via e segui suas visões, tentei ir em direção ao meu futuro, através da sua mediação. É uma regra do jogo como qualquer outra, é uma maneira de jogar com as visões, com o tempo, com a obediência. Eu gosto muito de obedecer. Obedecer e controlar. É um paradoxo, mas gosto muito de seguir as regras do jogo, os rituais. Nesse trabalho, existe um ritual que consiste em obedecer. Ela me vê em um lugar, eu vou, mando-lhe fotos de onde estou, telefono e pergunto se devo ir para o hotel da direita ou para o da esquerda. Ela joga as cartas e me responde. Comunicamo-nos por fotos e e-mails. Vou sozinha, sem produção. Eu mesma filmo e fotografo.

Esse material, naturalmente, já se transformou num trabalho de arte...

SOPHIE: Fiz três livros e uma exposição que se chama “Onde e quando”. A primeira exibição foi em Paris, na galeria Emmanuel Perrotin, e agora está em Londres, na Whitechapel.

E para onde o futuro levou você?

SOPHIE: Fui a Berk, no norte da França, uma estação de reeducação de pessoas com problemas motores. Depois, a vidente me mandou a Lourdes. Fui ver a Virgem, fiz o que ela mandou. Na verdade, comecei esse projeto por causa de Paul Auster.

Você é uma das personagens de “Leviatã”, o livro de Auster, mas, pelo que sei, ele se recusou a participar de um projeto seu...

SOPHIE: Já que ele se apropriou da minha vida, propus a ele inverter as coisas. Ele inventaria uma história, e eu transformaria a fantasia em realidade. Eu lhe daria um ano de minha vida, seguiria o seu roteiro. Ele não quis, porque achou perigoso. Se me mandasse ao México, por exemplo, eu poderia ser atacada, e ele seria responsável porque escreveu o script. Ele me deu só três ordens: sorrir, distribuir comida e ficar num lugar público e transformá-lo num espaço privado. Fui para uma cabine telefônica. Mas tudo isso me deixou frustrada, porque queria que Paul Auster me fizesse viver coisas que não viveria naturalmente. Eu queria me transformar em uma heroína de romance, literalmente. Foi aí que procurei a vidente.

Você gostou mais do “script” da vidente do que o de Paul Auster?

SOPHIE: Não, não gostei de nenhum dos dois. O que me agrada é não ter de pensar, é um pouco a mesma coisa de quando eu segui as pessoas em Veneza. Não tinha que pensar. Estava lá porque essa era a regra do jogo, e não é o caso de perguntar se é bom ou não. É só obedecer. Eu gosto de obedecer porque é um grande repouso, não há nada a decidir, é só seguir.


A sua biografia inclui muitas profissões. Em que momento você passou a se ver como artista?

SOPHIE: Eu andei pelo mundo, passei um ano nos EUA, um ano no México. Quando voltei a Paris, estava meio perdida. Então fui para Veneza e comecei a seguir as pessoas na rua, sem nenhum projeto específico, para me ocupar, para ver onde as pessoas iam. Não era artístico. Depois, numa espécie de jogo, chamei pessoas estranhas para dormirem na minha cama. Contei essa história a uma amiga, e o marido dela, que era crítico de arte, perguntou se eu não queria expor essas cenas numa galeria. Mas digamos que eu não era totalmente inocente. Meu pai era colecionador de arte contemporânea. A paredes da minha casa tinham obras de arte conceitual e pop art.

Para gostar do seu trabalho é preciso entrar no jogo, não perguntar se tudo isso é verdade ou mentira...

SOPHIE: É verdade e é mentira. Eu não invento, tudo aconteceu de verdade. Eu recebi a carta de rompimento, eu fui consultar a vidente, eu fui a Veneza. Tudo isso aconteceu, mas é uma ficção porque eu escolho o que vou contar, eu edito, corto, seleciono a imagem. Isso fica mais evidente no meu filme, “No sex last night “ (Sophie e o seu namorado americano filmam uma viagem em direção a Las Vegas). É sobre uma relação que durou dois anos, a viagem durou um mês, a montagem, um ano. Filmamos 60 horas e mostramos pouco menos de uma hora. Poderíamos contar 40 histórias, todas diferentes. É uma ficção, é um trabalho artístico. Aconteceu, mas não é minha vida, não é um diário íntimo. É a tentativa de fazer algo que seja poético e esteticamente forte.

Os trabalhos de arte contemporânea têm, com frequência, uma explicação teórica e dialogam com a História da arte. Como você olha para os seus próprios projetos?

SOPHIE: Não quero saber de nada disso. Eu faço e pronto. A teorização não está no meu vocabulário. Tomar distância, olhar de longe, analisar — não é meu vocabulário.

Quais são os artistas mais próximos de você?

SOPHIE: Daniel Buren faz um trabalho completamente oposto ao meu, mas está próximo. Os artistas de quem eu gosto, em geral, fazem coisas muito diferentes de mim.

Cindy Sherman é próxima? Você circula no meio artístico ou fica à distância?

SOPHIE: Eu adoro Cindy Sherman. Nós nos conhecemos mas nunca trabalhamos juntas. Eu circulo entre artistas, porque adoro sair, gosto bem da vida parisiense, adoro as grandes metrópoles. Mas, quando tenho tempo livre, tento ficar longe, não sou obsessiva em relação ao meio artístico. Tento ter outras vidas, além da vida de artista.

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 6:33 PM