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dezembro 7, 2009
Hotel desativado no centro de São Paulo torna-se centro de artes multimídia por Márcia Abos, O Globo
Matéria de Márcia Abos originalmente publicada no Segundo Caderno do Jornal O Globo em 6 de dezembro de 2009
Artistas brasileiros e estrangeiros trabalham nos quartos há 25 dias
Uma usina de arte contemporânea dá vida a um prédio histórico do centro antigo de São Paulo. Desde o dia 11 de novembro, dez artistas de sete nacionalidades diferentes instalaram seus ateliês em um hotel projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo em 1916, na Avenida São João, número 288, que está desativado desde 2005. Com a curadoria de Lucas Bambozzi e Maria Montero, a produção desses artistas, que inclui performances, instalações sonoras, escultura, videoarte e pintura, está sendo mostrada ao público desde ontem e ficará até o próximo domingo, com entrada franca. Não apenas as obras criadas durante a residência ocupam os quatro andares do antigo edifício. Serão preservados e apresentados aos visitantes os quartos onde os artistas trabalharam.
— Museus e galerias não dão conta de uma relação mais humana entre artistas e público. Acredito que não há outra maneira de o homem conhecer a si mesmo que não seja através da arte. O projeto é uma forma de abrir portas, derrubar o muro que divide artista e público — avalia a curadora Maria Montero.
Moradores de rua inspiram artista alemão
Pela primeira vez no Brasil, o alemão El Bocho já deixou sua marca em alguns muros da capital paulista. Acostumado a criar grafites que dialogam com suas criações nas galerias, ele criou uma obra audaciosa: telas pintadas com pedaços de papelão e uma instalação formada por casulos interligados. A inspiração, segundo El Bocho, veio dos moradores de rua, que usam o papelão como casa, cobertor, guarda-chuva...
— Fiquei muito impressionado com as fachadas em ruínas de prédios antigos da cidade. Os moradores de rua também atraíram a minha atenção. E vi pela primeira vez um prédio sem janelas. Minha obra costuma tratar de pessoas que vivem em grandes cidades, seus sentimentos e problemas — explicou o artista, influenciado por suas caminhadas noturnas por São Paulo.
Já a videoartista argentina Gabriela Golber quer explorar a memória do hotel desativado. Ela convocou voluntários, artistas e escritores para ocupar quartos vazios. Eles vão ler trechos de livros ou escritos inéditos sobre histórias de amor em quartos de hotel. Os diálogos se relacionam com imagens do hotel vazio captadas pela artista.
— É como se as paredes falassem e pudessem nos contar o que aconteceu aqui — imagina Gabriela.
A brasileira Alessandra Cestac, que desde 2005 espalha pelas ruas fotos suas nua, em tamanho real, resolveu inverter os papéis. Voluntários poderão se desnudar para ela em um dos quartos do hotel: Alessandra passa de fotografada a fotógrafa. Antes, as pessoas passarão por um quarto branco, chamado pela artista de clínica, e responderão a um questionário sobre nudez. Depois subirão a escadaria do hotel até um quarto no terceiro piso, onde poderão se desnudar e posar.
— Quis mudar o meu ponto de vista e fazer as pessoas entrarem em meu universo — explica Alessandra.
Pinturas a partir de imagens de câmeras de segurança
Já a pintora brasileira Regina Parra criou pinturas a óleo sobre papel a partir de cenas captadas por câmeras de segurança em fronteiras.
— Quis tratar de um lugar que é terra de ninguém e do estado de ser estrangeiro — adianta Regina.
O americano Grant Davis criou uma instalação interativa. São duas projeções: a silhueta de um homem na janela que observa uma mulher deitada na cama de um quarto do hotel. A mulher projetada na cama se movimenta conforme o toque do público. Ela está deitada em um lado da cama, como se convidasse um parceiro. Mas, quando alguém tenta deitar-se ao seu lado, ela se levanta.
O português Rui Gato criou duas esculturas sonoras interativas. Uma delas é um pau de chuva, e a outra, uma sala com quatro redes. Ao lado delas, vasilhas cheias de água. O público poderá jogar objetos na água, gerando sons que, amplificados, ocuparão o espaço.
— Quero levar as pessoas a um estado contemplativo, diferente do ritmo acelerado de São Paulo — conta Gato.
O sul-africano Zander Bloom (instalação), o japonês Hiraku Suzuki (escultura e instalação) e os brasileiros Rodrigo Garcia Dutra (videoinstalação) e Claudio Bueno (multimídia) também fazem parte da experiência.
Isso é muito bacana, projetos assim são sempre bem-vindos. Agora andar pelo centro está impossível. Menores e adultos desocupados vivem em bandos, largados nos cantos podres da cidade, cometendo delitos a luz do dia e da noite. Como podemos chegar nesses lugares alternativos em que arte pulsa natural é livre. A sala São Paulo, Pinacoteca, Estação Pinacoteca... O centro histórico de S.Paulo está sitiado por esses grupos desocupados, as ruas e avenidas São João, Av. Ipiranga, Praça da Republica, Praça Roosevelt...
Alguma coisa tem que ser feita agora, já, ontem. É ótimo fomentar projetos culturais no sentido de ocupar espaços desativados do centro, isso é o caminho a ser seguido. Mas é preciso arrancar da cidade essa massa desocupada. Temos uma questão social a ser resolvida. Isso o governo pode mudar. Más, parece que ele recusa-se enxergar por essa perspectiva.