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dezembro 3, 2009
Duas chances de entender a arte conceitual de Felix por Roberta Pennafort, O Estado de S. Paulo
Matéria de Roberta Pennafort originalmente publicada no Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo em 3 de dezembro de 2009.
No Jardim Botânico, espaços inusitados concentram as esculturas do carioca
O ponto de partida foi um monumental bloco de 33 toneladas de mármore de Carrrara, na Toscana, que, cortado na Itália mesmo numa máquina especial, a partir de um desenho enviado por e-mail, virou um anel com 2,34 metros de diâmetro externo e a metade do peso. Três anos atrás, a peça veio de lá de navio. Seguiu do Rio para Vila Velha (ES), de caminhão, até o Museu Vale, onde foi exibido pela primeira vez. Cravado sobre três vigas de ferro de seis metros de altura dispostas verticalmente, o anel, obra do artista plástico carioca Nelson Felix, intriga agora quem passa pelo espaço das Cavalariças do Parque Lage.
A exposição foi aberta semana passada, assim como outra, paralela, na H.A.P Galeria, de Heloisa Amaral Peixoto, também no Jardim Botânico. Lá estão seis esculturas do mesmo material e com peças em ouro e bronze, além de dez desenhos em ouro sobre papel. A galerista viu na mostra a deixa para uma reforma e mandou ampliar a casinha da Rua Abreu Fialho em 50 metros quadrados para melhor abrigar suas peças. Essas obras também partiram de um bloco único. Felix não quer mesmo saber de emendas.
"O grande barato da arte contemporânea é que ela é totalmente permeada de conceito. Tudo é passível de ser lido sensível e teoricamente", diz. "A emenda só vai existir se eu quiser. No caso do anel, há a ideia do círculo, de estar dando a volta ao mundo. Se o conceito é de inteireza, tem de ser inteiro. Se você tiver de ficar lixando uma peça por seis meses, você fica. Isso é um presente que o artista dá pra si."
A arte de Felix dá a volta ao mundo há tempos. Traçando linhas no globo, ele a levou ao Caribe, à Islândia, à Austrália e à China, como um desdobramento da mostra no Museu Vale. Em pontos escolhidos a partir das coordenadas do museu, ele abandonou peças em mármore à sua própria sorte, na natureza.
Nas Cavalariças, galpão que já serviu de abrigo para cavalos da antiga fazenda original, ele já havia exposto em 2001. Parece uma extensão da floresta do lado de fora. Dessa vez, encheu o lugar de vigas que furam o piso de madeira. Para o anel escorregar até próximo ao chão, içado por guindaste, foi necessário retirar telhas da velha estrebaria.
É o trabalho se expandindo para além dos limites do espaço expositivo, uma marca que distingue o trabalho deste viajante que há 30 anos fixou residência e seu ateliê em Muri, na Região Serrana no Rio, a duas horas da capital. É um lugar recolhido, onde o celular não pega, e não há ninguém para distraí-lo de suas reflexões. "Hoje, estar lá é fundamental para o meu trabalho, porque a relação com o tempo é muito espichada. A sensação de se estar sozinho é importante."
Formado em arquitetura, Felix estudou com Lygia Pape e Ivan Serpa na década de 70. Ele trabalha com mármore desde o início dos anos 90. O material não é fácil. É caro, tem de ser importado da Europa, são poucas as opções de empresas que o cortam, eo transporte é complexo.
Em junho de 2005, uma de suas obras, Vazio Sexo, que pertence a um colecionador brasileiro, se partiu em pedaços ao ser levada para uma exposição em Paris. Caiu da empilhadeira. A peça, um cubo de mármore de 90 centímetros de lado e 2,5 toneladas, com um outro cubo menor contido nele, como uma gaiola, havia lhe custado cinco meses. Felix está trabalhando na confecção de outra para reposição.