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outubro 19, 2009
Hélio Oiticica e a cultura dos escombros por Daniela Name, Pitadinhas
Hélio Oiticica e a cultura dos escombros
Artigo de Daniela Name publicado originalmente no blog Pitadinhas em 18 de outubro de 2009.
Passei o dia de ontem em clima de velório, recebendo ligações de artistas que, aos prantos, me passavam relatos dos escombros do incêndio que destruiu boa parte da obra de Hélio Oiticica, na reserva técnica mantida por seus herdeiros numa casa no Jardim Botânico. Alguns, como a querida Suzana Queiroga, foram até a casa chorar pelo morto. Sim, a destruição da obra de Hélio foi sua a segunda morte e, em se tratando de um artista, a extinção de sua anima, morte definitiva.
Mesmo em meio ao luto, é preciso evitar que novas tragédias aconteçam. Ontem, ao acordar com a notícia, escrevi neste blog que obra de arte não pode ser tratada como álbum de família (veja aqui). Continuo achando a mesma coisa – há muito o que se discutir e regulamentar em relação ao papel dos parentes dos artistas na manutenção de acervos e autorizações de curadorias e livros, sem destitui-los dos direitos legítimos que têm como herdeiros.
É preciso, no entanto, avançar na discussão. O fogo que lambeu obras fundamentais como os “Relevos espaciais” ou os caderninhos de anotação de HO – tão importantes para a compreensão de seu trabalho -, destruiu também todos os negativos de José Oiticica Filho, o JOF, pioneiro da fotografia nos anos 1940 e 1950, pai de Hélio e sua maior influência. Mais do que servir para que se crucifique apressadamente a família, o incêndio deve ser um alerta: estamos soterrados por uma cultura de escombros.
O que aconteceu à obra de HO também ameaça, neste exato momento, a obra de inúmeros artistas. Isso ocorre porque a lógica da Cultura no Brasil é completamente torta, precária, tacanha. Vivemos em uma cidade, em um Estado e em um país onde o Poder Público deixa exclusivamente nas mãos das Leis de Incentivo – e, portanto, dos empresários da iniciativa privada – a decisão sobre a aplicação de verbas em projetos culturais.
Produtores, curadores e artistas vivem numa constante corrida do ouro, completamente desvalidos de diálogo, proteção e incentivo DIRETO por parte dos governos. A ação dos administradores públicos na Cultura não é um direito, é um dever. Eles foram eleitos para isso. Por tal motivo, não podem ser interventores nesta atuação: precisam ser sensíveis às demandas.
Se por um lado é espantoso que a família tenha mantido a obra de HO numa casa do Jardim Botânico, por outro é igualmente aterrador que nenhum grande museu do país tenha feito uma proposta concreta – e sustentada pelo poder público – para abrigar a obra do artista em regime de comodato, dando a ela toda a visibilidade e a segurança que um acervo como o de Hélio merecia.
É certo que o Centro de Artes Hélio Oiticica abrigou parte do acervo por um tempo, mas sem as condições necessárias para tal e sem uma política constante de exposições. Se por um lado a família atravancava mostras que não fossem diretamente sobre o acervo de Hélio – um erro absurdo num lugar que abrigou exposições como a de Richard Serra ou o último panorama da obra de Lygia Pape, ricas conversas com o “dono” da casa – por outro o município nunca tratou o CAHO com a prioridade necessária.
Fico pensando no acervo de Franz Weissmann (1911-2005), contemporâneo de HO no Grupo Frente, escultor essencial para a compreensão da arte brasileira recente. Sua obra, parte integrante da paisagem do Rio de Janeiro, graças a esculturas públicas instaladas em pontos como a Rua Luís de Camões ou a Avenida Chile, está ameaçada. Apesar de pedir ajuda a todas as esferas do poder público há anos, a filha de Weissmann, Waltraud, a Wal, luta sozinha com seu marido para preservar a obra do pai. As peças estão armazenadas em condições precárias – de instalações e de segurança – em um galpão em Ramos, na Zona Norte. O GLOBO, maior jornal da cidade, deu uma capa de domingo de seu Segundo Caderno, assinada por Mauro Ventura, denunciando os riscos que a obra de Weissmann corria. De nada adiantou.
Wal também fez muitas reuniões com o Iphan e com a Secretaria Municipal de Cultura, tentando achar um lugar para a criação de um Instituto Weissmann, onde a obra possa ser abrigada e visitada pelo público. Até agora, houve muita conversa, muita promessa de empenho, mas nenhuma ação concreta. No galpão em Ramos, estão esculturas monumentais, peças de menores dimensões e os inúmeros estudos que Weissmann fazia com arame e papelão e revelam a minúcia de seu processo criativo.
Wal não quer vender este tesouro. Não pretende enriquecer com a obra de Weissmann e vive com simplicidade ao lado do marido, gastando suas reservas financeiras para preservar a obra. Afirma que, por não ter filhos, quer dar um destino para o legado do pai. Mas, diz, é claro, que precisa sentir firmeza, precisa se sentir segura. Está certíssima.
Houve uma grande mobilização pela restauração do painel de Aluísio Carvão na Lagoa (leia aqui). A Fundação Parques e Jardins se posicionou, dizendo que ia resolver o problema e conseguiu silenciar o movimento por um tempo. Mas não ouço falar sobre prazos. Quais são, então?
O mesmo Segundo Caderno do GLOBO, em reportagem assinada por Suzana Velasco, mostrou a precariedade das esculturas públicas de artistas da importância de Celeida Tostes, Angelo Venosa, Ivens Machado, José Rezende e Waltércio Caldas espalhadas por vários pontos da cidade. O que vai ser feito?
A secretária municipal de Cultura, Jandira Feghali, a secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes, e o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, podem alegar que os orçamentos da Cultura são tão baixos que muitas vezes ficam de mãos atadas. Não estarão mentindo. Mas é preciso então que pressionemos os três para que de fato cobrem mais verba de seus superiores. Eles precisam dizer o que têm feito para conseguir mais dinheiro para cuidar de nosso patrimônio. Qual é a estratégia, além das lamentações?
Também é preciso perguntar ao Eduardo Paes: prefeito, o que o senhor pretende fazer com a obra de Franz Weissmann? A escultura pública de Ivens Machado, no Largo da Carioca, vai perecer até começar a soltar pedaços em cima dos passantes?
Escultura de Ivens Machado na Carioca, quando ainda estava em bom estado
Outra pergunta, para Sergio Cabral: o senhor não acha que a construção espetacular do Museu da Imagem e do Som, na Praia de Copacabana, onde hoje funciona a boate Help, deveria gerar uma discussão mais consistente sobre a memória carioca, envolvendo DE FATO a classe artística?
Por fim, para o Juca Ferreira: ministro, como o senhor pretende armar o Iphan de recursos e de uma estratégia concreta para a preservação de nossa memória artística?
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A hora é de luto, mas também de debate e ações efetivas. Não dá mais para ficar lamentando o que não foi salvo no rescaldo. Eu fiz as minhas perguntas, quem vai fazer as suas? E quando vamos perguntar todos juntos?
Queridas Patricia e Daniela,
Ao saber do incêndio, meu fim de semana foi de tristeza e reflexão.
Este artigo bem reflete a importância que nossos governantes dão à cultura: nenhuma. Cultura é um artigo supérfluo. Por isso acontecem essas coisas - chora-se muito, muito, e...mais nada. Tudo é esquecido, principalmente a cultura.
É preciso divulgar este artigo à exaustão.
Quem previu a situação CULTURAL do brasil, foi Artur Barrio.
Viva a ARTE EFêMERA!!!!
Daniela:
passado o primeiro momento de consternação, me parece que os desdobramentos desta questão são por ai sim: falta total de critério dos nossos governantes nas políticas culturais. Imagine se somente uma parte da verba que foi alocada para a construção da Cidade da Música tivesse sido direcionada para a efetiva manutenção do acervo do HO, no centro que leva o seu nome?