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outubro 19, 2009
Incêndio destrói centenas de obras de Oiticica por Caio Barreto Briso, Folha de S. Paulo
Incêndio destrói centenas de obras de Oiticica
Matéria de Caio Barreto Briso originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 18 de outubro de 2009.
Acervo estava na casa do irmão do artista, no Rio; César Oiticica estimou o prejuízo em cerca de US$ 200 milhões
Parangolés, bólides e bilaterais, alguns dos destaques da produção do artista, estão irrecuperáveis; obras não tinham seguro
Um incêndio destruiu grande parte do acervo do artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980) que estava na casa de seu irmão, César, no Jardim Botânico, zona sul do Rio.
Segundo César Oiticica, que dirige o Projeto Hélio Oiticica, instituição criada em 1981 para cuidar de trabalhos do artista, o acervo da casa destruída reunia mais de mil obras -centenas foram queimadas. Ele estima a perda em US$ 200 milhões (R$ 342 mi). Não havia seguro.
Conhecido e admirado internacionalmente, Hélio Oiticica é um dos mais importantes artistas brasileiros do século 20.
Ligado às tendências construtivas que o tornaram um dos principais nomes do neoconcretismo entre o final dos anos 1950 e o começo dos 60, seus trabalhos tinham ênfase entre arte e vida e pediam a participação do público -como a instalação "Tropicália", exibida inicialmente em 1967 e que consistia em um ambiente tropical vivenciado pelo espectador.
A casa abrigava pinturas, desenhos e toda a obra concebida nos anos 1960. Parangolés, bólides e bilaterais, um dos destaques da produção do artista, estão em estado irrecuperável.
Os penetráveis, obras maiores de Oiticica, que integraram a exposição "Penetráveis", no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, no centro do Rio, permaneceram no espaço e foram salvos. Os que estavam na casa foram destruídos parcialmente. Os desenhos foram encontrados em bom estado.
O incêndio
O fogo começou por volta das 23h de sexta-feira. "Eu estava jantando com amigos quando ouvimos um barulho estranho no primeiro andar da casa", disse César Oiticica. O Corpo de Bombeiros chegou 20 minutos depois e teve dificuldades para controlar o fogo. "Tiveram que pegar água da piscina do meu vizinho", afirma.
Os bombeiros só conseguiram apagar totalmente as chamas por volta de 2h30 de sábado. A casa tinha um alerta de fumaça, que tocou apenas quando as chamas já haviam se espalhado. As cinzas do primeiro andar, onde ficava a reserva técnica que guardava a obra de Oiticica, estão sendo removidas para que os danos possam ser avaliados.
Chorando várias vezes durante a entrevista à Folha, César Oiticica disse que irá se dedicar a restaurar o que for possível. "A vida do meu irmão estava naquela casa. Cada obra tinha um valor especial."
Segundo ele, a parte do acervo que se encontra no Centro Hélio Oiticica seria levada para a casa do Jardim Botânico em novembro. "O Centro, por responsabilidade das administrações públicas passadas, tem problemas de umidade e segurança. Além disso, o ar condicionado frequentemente não funciona", afirma, justificando a permanência das obras na casa do Jardim Botânico.
Em nota, a secretária de Cultura do Rio de Janeiro, Jandira Feghali, lamentou o incêndio. Ela disse que tentou levar o acervo da reserva técnica para o Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, mas não conseguiu. Artistas, amigos da família, estudantes de arte e admiradores da obra de Hélio Oiticica já foram visitar a casa. "Todos chegam aqui chorando", disse César. A Tate Modern, em Londres, e o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa), por exemplo, são duas instituições que possuem obras de Oiticica.
A crítica Lélia Coelho Frota, que não sabia do incêndio, ficou desolada com a notícia. "O percurso do Hélio como neoconcretista é único. A perda de parte do seu acervo é irreparável para a cultura brasileira."
Não creio que a perda irreparável seja somente para a cultura brasileira, mas sim para a história da arte.
Apesar de considerar a obra de HO imaterial, pois ela consiste em muito mais que os objetos produzidos por ele, não temos como não lamentar profundamente o acontecimento.
Sou pesquisadora e estive em contato constante nos ultimos tres anos com o Centro de Arte Helio Oiticica e o Projeto HO, de onde obtive toda e qualquer contribuição nas pesquisas.
Penso ser preciso nesse momento refletir sobre as politicas publicas e sobre o nosso papel como artistas, pesquisadores e como cidadãos no contexto em que nos encontramos. O que não podemos é apontar o dedo em julgamento ou critica ao cuidado que estava sendo dispensado à obra de HO.
O que sempre vi no Projeto foi muito profissionalismo, muito respeito ao acervo e à obra de HO.