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maio 28, 2009
A Bienal tem salvação? por Silas Martí, Folha S. Paulo
Matérias de Silas Martí originalmente publicadas na Ilustrada no jornal Folha S. Paulo, em 28 de maio de 2009.
Ilustrada ouve as propostas dos conselheiros da entidade, que elege presidente hoje
Por trás da crise da Bienal de São Paulo, podem estar o "grau de controvérsia da arte contemporânea", o "modelo defasado" da mostra de artes plásticas ou mesmo a última gestão, do advogado Manoel Pires da Costa, que "dilapidou a Bienal de seu cabedal ético".
Nos dias que antecederam a eleição para a presidência da Fundação Bienal, que acontecerá hoje numa reunião a portas fechadas, a Folha ouviu 41 dos atuais 53 conselheiros da instituição. Todos foram procurados pela reportagem -dois não quiseram dar declarações e os demais estavam fora do país.
Mesmo saudosos do mecenato de Ciccillo Matarazzo, acreditam viver o início de uma nova era. Falam em abolir "vícios", limar a "velharia inoperante" e "conselheiros fantasmas". Como solução, sugerem até juntar num só evento as mostras de arte e arquitetura, que hoje acontecem em anos alternados, e aumentar o intervalo entre as exposições.
Candidato único hoje, o empresário Heitor Martins é visto com uma "aura de esperança", "um farolzão no fim do túnel para a Bienal".
Conselheiros admitem crise e sugerem soluções
Entre as propostas está fundir as bienais de arte e arquitetura em um só evento
Também há aqueles que defendem criar estrutura permanente e moderna para a Bienal e tentar rejuvenescer o conselho
Não há dúvida entre os conselheiros da Bienal de São Paulo de que a mostra passa por sua maior crise desde que foi fundada em 1951 por Ciccillo Matarazzo. Mas discordam quando o assunto é como restaurar o prestígio do segundo maior e mais tradicional evento de arte contemporânea no mundo.
Na enquete feita pela Ilustrada, cada conselheiro foi convidado a opinar sobre os motivos da crise atual, sugerir soluções para o futuro e dizer o que espera da nova gestão. Heitor Martins deve ser eleito hoje presidente da Fundação Bienal, substituindo Manoel Pires da Costa, que deixa a presidência com dívida de R$ 4 milhões.
Com 15 membros vitalícios e 38 temporários, o conselho, que não é remunerado, funciona como espécie de congresso da Bienal, podendo vetar decisões do presidente e rejeitar suas prestações de contas.
Formado em sua maioria por representantes da elite paulista, é um órgão que se reconhece como inchado e, com idade média de 69 anos, idoso -ainda há conselheiros que entraram para a instituição a convite do próprio Ciccillo Matarazzo.
A ideia original era que os conselheiros, representantes de classes abastadas e com prestígio político e financeiro, ajudassem a buscar recursos para as mostras. Hoje, no entanto, há reclamações de que boa parte está ali em busca de status, não para contribuir.
Segundo os conselheiros, a falta de verbas é a principal causa da crise da Fundação Bienal. "Está em crise porque vive da caridade da iniciativa privada", resume o jornalista e conselheiro Cesar Giobbi, 60. "Nos últimos tempos, a Bienal foi mal gerida", diz o professor Rubens Murillo Marques, 72.
Outra razão seria o envelhecimento da instituição e do conselho. "Esse conselho não se renovou. Podia dar uma boa sacudida, ter sangue novo, mais gente jovem", diz a jornalista Maria Ignez Barbosa, 64, mulher do ex-embaixador Rubens Barbosa, que chegou a ser cotado para presidir a fundação.
"A arte evoluiu, mas a Bienal não tem evoluído, fica lá uma velharia inoperante, que pouco participa, mas vai a festas, badalações", afirma o arquiteto Carlos Bratke, 66, que já presidiu a Fundação Bienal. "Não é isso que a gente quer, a gente quer gente trabalhando."
Soluções
Até agora, o único passo rumo à mudança foi a aprovação pelo conselho de um novo estatuto para a Fundação Bienal, que, entre outras medidas, deve reduzir para 40 o número de conselheiros e punir, com a perda do cargo, os que não forem às reuniões.
Enquanto isso, conselheiros sugerem desde juntar as mostras de arte e arquitetura numa só Bienal, para facilitar a captação de recursos, a aumentar os intervalos entre as exposições, com itinerâncias da Bienal por outras cidades e parcerias com museus de São Paulo.
A proposta de juntar as bienais numa só deve ser apresentada por uma comissão de conselheiros ao futuro presidente, com o argumento de já não haver distinções tão claras entre arte, arquitetura e design. "Por que separar arquitetura e arte? Estamos tentando encontrar novos formatos para reunir o que há de contemporâneo", adianta Fabio Magalhães, 66.
Para sanar problemas de orçamento, alguns defendem a volta das representações nacionais, mecanismo extinto desde 2006 em que cada país escolhia e financiava seus artistas na mostra. É um ponto polêmico, no entanto, porque limitaria a liberdade do curador.
Conselheiros enfatizaram a necessidade de instalar na Bienal uma estrutura administrativa permanente e moderna, que evitasse o desmanche de equipes a cada edição da mostra. "É preciso um "aggiornamento" da Bienal como um todo", resume Andrea Matarazzo, 53, atual secretário da Coordenação de Subprefeituras de São Paulo, que também foi cotado para o cargo de presidente.
Embora seja vista com bons olhos a candidatura de Heitor Martins, chamado de "herói", "corajoso" e "farolzão no fim do túnel" por alguns conselheiros, também há resistência à sua indicação para o cargo.
"Parece que a Bienal cogitou nomes importantes e acabou com um desconhecido que se aventurou a ser presidente", disse um membro do conselho que não quis ser identificado. (SILAS MARTÍ)
Novo estatuto vai punir os que faltarem
Na tentativa de corrigir os problemas de um conselho idoso, pouco atuante e mais afeito a badalações do que à gestão da Fundação Bienal, conselheiros acabam de aprovar um novo estatuto para a instituição. Dos 33 artigos, 24 foram alterados.
Embora sem efeito imediato, o novo estatuto, obtido com exclusividade pela Folha, reduz de 53 para 40 o número de conselheiros, incluindo os membros vitalícios. Sendo que os mandatos dos 38 temporários vencem em junho do ano que vem, é a brecha para uma renovação ampla e inédita no órgão.
Também limitam cada mandato de quatro anos a uma única reeleição, que depende da presença do conselheiro nas reuniões -a Bienal costuma realizar dois encontros ordinários por semestre- e, caso tenha integrado a diretoria, da aprovação de suas contas.
Pelo novo estatuto, perde o mandato de conselheiro aquele que faltar a mais de cinco reuniões consecutivas do grupo.
Para que se torne vitalício, contará a idade do conselheiro, sua frequência aos encontros e também a aprovação de suas contas pelo conselho fiscal.
Outra medida de grande impacto é o veto à votação por meio de procurações. Até agora, conselheiros ausentes podiam delegar seus votos aos que compareciam às reuniões por meio de procurações, de modo que um só conselheiro acabava votando em nome de muitos outros, distorcendo o resultado das votações.
A partir da entrada em vigor do novo estatuto, será permitido que cada conselheiro compareça às reuniões com no máximo uma procuração e apenas para a votação em matérias que exigem quorum qualificado. É obrigatório também que a procuração indique os itens a serem votados e o sentido dos votos do conselheiro ausente.
Foram definidas também regras para a eleição do presidente e vice-presidente do conselho, que até agora eram definidas a cada eleição. Pelo novo documento, a eleição será por voto secreto e maioria simples.
Novos rumos
Num ponto que indica com clareza algumas intenções futuras do conselho, determinam pela primeira vez que o órgão terá o poder de redefinir ou alterar os intervalos de tempo entre as exposições. Também criam um dispositivo oficial para que se dê maior atenção ao arquivo histórico da fundação, cujo estudo foi um dos motes da última edição da Bienal.
O documento também estabelece a criação de uma comissão de acompanhamento da diretoria, responsável por fiscalizar mais de perto os atos do presidente, apresentando relatórios a cada reunião. (SM)
O Que pensa o Conselho da Bienal
Leia os destaques da enquete que ouviu 41 dos 53 conselheiros
Crise
"O problema da Bienal é que ela tem que fazer uma Bienal a cada dois anos. O problema é o intervalo. Tem anos bons e anos menos bons. Quando as coisas se complicam, é ruim para todo mundo. Seria positivo para a Bienal dar uma repaginada, uma reciclada." ÁLVARO AUGUSTO VIDIGAL, 61, banqueiro
"É difícil dirigir uma fundação desse porte com a vedação de qualquer remuneração. Isso afasta aqueles que poderiam profissionalmente se voltar à Bienal, deixando o lugar a diletantes, que muitas vezes não são os mais talhados ao exercício da função." CARLOS FRANCISCO BANDEIRA LINS, 62, advogado
"A Bienal não está em crise. Estamos saindo de uma gestão excelente. É o mundo que está em crise, e a Bienal faz parte do mundo." ARNOLDO WALD FILHO, 46, advogado
"A Bienal viveu até aqui do espírito do Ciccillo Matarazzo. Ele deu alma à instituição, só que agora o mundo mudou, e a Bienal precisa de um conceito mais moderno de governança corporativa. Não é uma crise terrível, é uma crise que com um pouco de sabedoria se supera." BENO SUCHODOLSKI, 65, advogado
"O motivo principal é a gestão temerária que está se encerrando, que dilapidou a Bienal de seu cabedal ético. Falta gestão que busque resultados, que busque responder às demandas." EVELYN IOSCHPE, 60, administradora cultural
"A Bienal não está em crise nenhuma, está absolutamente em ordem. Não tem nenhum problema, nenhum tipo de constrangimento." MANOEL FRANCISCO PIRES DA COSTA, 70, advogado
"O apego da última diretoria ao cargo desgastou tudo e acabou esvaziando a Bienal e o interesse das pessoas do conselho." ELIZABETH MACHADO, 58, economista
"No dia em que a Bienal não estiver em crise, não será mais a Bienal. É da essência da Bienal esse conflito." ROBERTO DUAILIBI, 73, publicitário
Soluções
"O curador tem a sua importância, mas não pode virar o dono da Bienal. Há uma espécie de ditadura dos curadores. A Bienal é a grande festa das artes, tem que ser uma coisa bonita, atraente. Não pode ter um monte de cacarecos lá. Eleição de curador é bobagem. O curador é uma pessoa de confiança do presidente." CARLOS BRATKE, 66, arquiteto
"Estamos fazendo o que o Ciccillo faria: num momento de exaustão, repensar o modelo para que se inicie uma nova etapa, que esperamos que seja brilhante." DECIO TOZZI, 72, arquiteto
"É importante incorporar [ao conselho] pessoas das novas mídias, senão ficamos tratando de um assunto e a arte vai correndo por outro caminho, atropela isso." FABIO MAGALHÃES, 66, arquiteto
"Precisa ter um retorno às bases, gente que tenha não a vaidade de pertencer ao conselho ou à diretoria, que tenha o que o Ciccillo tinha: uma dedicação genuína e desprendida. Em vez de egoísmo, responsabilidade." MANOEL FERRAZ WHITAKER SALLES, 68, advogado
"A estrutura da Bienal precisa ser reformada, para que seja mais ágil e adequada aos dias de hoje. Precisa fazer um "aggiornamento" da Bienal como um todo." ANDREA MATARAZZO, 53, secretário da Coordenação das Subprefeituras de São Paulo
"Falta à Bienal uma estrutura administrativa profissional. Falta deixar de ser dependente do prestígio de "A", "B" ou "C". Não deveria ser função do presidente sair atrás de patrocínio, com o pires na mão." EMANOEL ARAUJO, 68, artista e curador
Expectativas
"Heitor Martins vai assumir com uma aura de esperança de todos que sempre gravitaram em torno da Bienal, artistas, intelectuais." MIGUEL ALVES PEREIRA, 66, arquiteto
"Não há dúvida de que quem pegar essa presidência é um homem corajoso." PEDRO ARANHA CORRÊA DO LAGO, 51, economista
"A gente espera que ele tenha uma gestão objetiva, prática, moderna, atual e que ele possa manter a fundação num nível de integridade." PEDRO CURY, 75, arquiteto
"Mais do que uma luz, o Heitor [Martins] é um farolzão no fim do túnel para a Bienal sair dessa." CESAR GIOBBI, 60, jornalista
"A expectativa é que a Bienal possa ser o que ela foi no passado, que não fique sendo questionada a cada momento sobre a lisura das coisas." RUBENS MURILLO MARQUES, 72, professor
"Agora é que vai começar o momento em que todos pensam para apagar tudo isso que foi feito pelo atual presidente." BENEDITO JOSÉ SOARES DE MELLO PATI, 84, advogado
Estou a alguns minutos lendo este texto, e a impressao que me deixou é mais ou menos a de ter ficado algumas horas zapeando a televisao.
Mas teve uma coisa realmente interessante:
"É importante incorporar [ao conselho] pessoas das novas mídias, senão ficamos tratando de um assunto e a arte vai correndo por outro caminho, atropela isso."
Ah, e esta afirmaçao, de grande valor para a antropologia do colonialismo: "Eleição de curador é bobagem."
Ainda mais ludica em seu contexto original:
"O curador tem a sua importância, mas não pode virar o dono da Bienal. Há uma espécie de ditadura dos curadores. A Bienal é a grande festa das artes, tem que ser uma coisa bonita, atraente. Não pode ter um monte de cacarecos lá. Eleição de curador é bobagem. O curador é uma pessoa de confiança do presidente."
Posted by: Antonio Sobral at junho 1, 2009 6:22 PM