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novembro 24, 2008
Arte no vermelho, por Fernanda Ezabella e Silas Martí, Folha de São Paulo
Arte no vermelho
Matéria de Fernanda Ezabella e Silas Martí, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 21 de novembro de 2008
Crise financeira global diminui vendas em casas de leilões, feiras e galerias de arte, anunciando um período de estouro de bolhas e de reajuste de preços
Uma iguana muda de cor seguindo as oscilações de Wall Street: verde indica uma alta; vermelho, baixa. Ela está num vídeo que recebe dados do mercado financeiro em tempo real.
A obra, que não foi vendida, esteve na Pinta, feira de arte latino-americana realizada semana passada em Chelsea, bairro descolado de Manhattan, a algumas quadras do epicentro mundial da crise das Bolsas.
E o vermelho apareceu forte não só no réptil mas também nas vendas: se no ano passado a Pinta vendeu US$ 8,5 milhões em obras de arte, este ano viu sobrar mais da metade dos trabalhos no Metropolitan Pavilion, registrando negócios de US$ 4 milhões.
"Estamos vivendo um momento muito difícil, de insegurança e falta de confiança no mercado", disse Diego Costa Peuser, um dos diretores da Pinta, à Folha, em Nova York.
A crise atinge casas de leilões e galerias. Para alguns é o prenúncio do estouro de uma bolha no mercado de arte, inaugurando uma era de reajuste de preços -importantes galerias londrinas já baixaram em até 40% os valores de obras.
Neste mês, a Sotheby's anunciou perdas de mais de US$ 50 milhões em leilões realizados em Londres, Nova York e Hong Kong. A Christie's, outra casa poderosa de leilões, também confirmou perdas milionárias.
Obras de artistas que mais lucraram com o inchaço do mercado, como o japonês Takashi Murakami, ficaram "mais baratas". Ou sem comprador, como no caso agora de Damien Hirst, que em setembro, antes do aperto, embolsou US$ 200,7 milhões em um leilão histórico de suas obras.
"O mercado cresceu mais de 250% nos últimos dois anos, e a crise financeira global obviamente trouxe uma correção", disse Alex Rotter, diretor do Departamento de Arte Contemporânea da Sotheby"s, após leilão em Nova York deste mês.
"Essa venda nos leva de volta a níveis registrados em 2006."
Na China, onde a arte contemporânea é a mais inflacionada do mundo, não é diferente. O mercado inchou de US$ 3 milhões em 2004 para US$ 194 milhões em 2007. Agora, em um leilão em outubro, apenas 35% dos lotes foram vendidos e muitas obras não chegaram aos seus preços mínimos.
Já fora da esfera blockbuster, no mercado mais tímido que é o brasileiro, leilões neste mês em São Paulo sofreram quedas de 30% em relação a outros deste ano. Alguns chegaram a vender apenas 35% dos lotes.
"Acabou a bolha. Esse negócio de badalar artista, inventar quadro, isso acabou. Mas, para coisa boa, não tem crise", diz o marchand carioca Alberto Leon, que arrematou para clientes as obras mais caras do leilão de Aloisio Cravo -três telas de Mira Schendel, por R$ 100 mil cada uma, e um Wesley Duke Lee, de R$ 200 mil.
Latinos no exterior
A Pinta, segunda feira de importância mundial a acontecer depois da queda das Bolsas em outubro, foi o primeiro termômetro para medir o impacto da crise na arte latino-americana.
"No ano passado, nosso desempenho foi melhor", disse a galerista Nara Roesler, que esteve na Pinta. "Vendemos mais no ano passado", repetiu Raquel Arnaud, em Nova York.
Um dos poucos colecionadores brasileiros a circular pela feira semana passada, José Olympio folheava sem ânimo um catálogo da galeria de um amigo, adiantando que não ia comprar nenhuma obra.
O amigo de Olympio é Frederico Seve, brasileiro radicado em Nova York e dono da Latin Collector. Sua galeria, na era da bolha financeira em Wall Street e no mercado de arte, subiu literalmente no mapa: abandonou um espaço mais modesto em Tribeca e rumou para o Upper West Side.
"No ano passado, eu saí daqui com cheques no bolso, este ano só tive umas "vendocas" e uns indicativos de compra", lamentou Seves. "Mas se venderam metade do que venderam no ano passado, é um triunfo, porque a crise é imensa."
"Esta é outra época", resume Marga Pasquali, galerista de Porto Alegre que teve de levar sua obra mais cara, uma escultura de Saint Clair Cemin, de US$ 125 mil, de volta ao Brasil.
"É inevitável o mercado sentir a crise, mas espero que a arte consiga sobreviver a isso", disse à Folha a curadora de arte latino-americana da Tate Modern, Tanya Barson, em Nova York.
Mas se a crise deixa mais contidos os colecionadores privados, os museus aproveitam a baixa para aumentar o acervo.
Barson adquiriu para a Tate um quadro de Arthur Luiz Piza, no estande de Raquel Arnaud. E Nara Roesler vendeu uma obra de Milton Machado ao Museo de Arte de Lima. "Essa feira teve muito boas entradas institucionais", diz Roesler. "Antes, havia mais compradores, mas não eram museus."