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novembro 20, 2008
Retratos da arte globalizada, por Paula Alzugaray, Revista Isto É
Retratos da arte globalizada
Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2037, no dia 19 de novembro de 2008
Duas exposições panorâmicas trazem à tona a explosão da arte contemporânea chinesa
Todo artista chinês em atividade teve a mesma formação artística. Todos foram doutrinados pelas técnicas realistas que durante muito tempo pintaram e esculpiram o heroísmo dos soldados do regime de Mao Tsé-tung. Mas hoje, quando essa arte propagandística a serviço da Revolução Cultural (1966-1976) é vista pelo retrovisor, como um retrato pálido e triste, o artista chinês vive seu tempo de glória, posicionado sob o holofote da globalização econômica.
A China é a moeda da hora no mercado de arte internacional. Na lista dos dez artistas contemporâneos que atingiram os valores mais altos nos leilões internacionais do ano passado, quatro são chineses, segundo a consultoria francesa Artprice. As imagens de Budas gargalhando, que aparecem reincidentemente nas pinturas de Yue Minjun, foram definidas pelo teórico chinês Li Xianting como "uma resposta auto-irônica para o vácuo espiritual e a loucura da China moderna". O riso incontido nas personagens de Minjun formam o novo retrato dessa potência mundial, que viu os valores de suas obras subirem 2.000% em quatro anos. Quem comprou por US$ 50 mil, hoje vende a US$ 1 milhão.
O irresistível glamour da arte contemporânea chinesa abriu as portas da nova Saatchi Gallery, de Londres, no início de outubro, com a mostra The revolution continues: new art from China, e agora chega ao Brasil na mostra China: construção e desconstrução, no Masp São 16 artistas no Masp e 30 na Saatchi, mas não há sequer um em comum nas duas mostras - sinal da explosão de artistas emergentes. "Atingimos um novo patamar onde este boom do mercado terá que se reestruturar e repensar seus valores. Estamos em uma fase de amadurecimento e os artistas que participam da mostra são protagonistas deste contexto", afirma a curadora Tereza Arruda, que na mostra do Masp traz artistas em franca ascensão no mercado de arte, embora ainda não tenham se notabilizado por bater recordes.
Mesmo com tanta variedade, prepondera nas duas exposições uma pintura figurativa, que acumula referências dos anos de chumbo do realismo social, dos anos de abertura do realismo cínico e do fascínio consumista da arte pop americana. São trabalhos que expressam críticas sobre os efeitos da globalização, mas também visões seduzidas pela sociedade de consumo. As fotografias de arquivo de Mao Tsé-tung e de outros símbolos do poder chinês, como a Praça Tiananmen, são as matérias preferidas dos trabalhos de Yin Zhaoyang e Chen Bo, no Masp, e de Zhang Xiaogang e Shi Xinning, em Londres. Wang Chenyun, que viveu dez anos na Alemanha, agora dedica ao seu país um olhar estrangeiro e representa Pequim como um canteiro de obras e de prostituição. Em cena, a China globalizada. "Tenho a impressão de que a pintura que até pouco tempo atrás dominou a cena chinesa está ficando cada vez mais comercial, enquanto a videoarte, a fotografia e as instalações continuam a demonstrar muito vigor", afirma o curador Alfons Hug, que organizou uma mostra de arte chinesa em 2007, no CCBB do Rio. A dica fica para quem conferir a exposição no Masp: olho no videolounge, com obras de cinco videoartistas.
Bienal abre para balanço
Matéria de Juliana Monachsi, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2037, no dia 19 de novembro de 2008
Em um contexto em que tudo conspirava para que a Bienal de São Paulo fechasse para balanço (falta de verbas, crise administrativa e falência do modelo global de empilhar centenas de obras de arte a cada dois anos em uma exposição universal), a 28ª Bienal promove uma pausa para reflexão e debate sobre os caminhos da instituição, e faz isso de portas abertas.
Muito se tem criticado o "vazio" - como se sabe, o segundo andar do Pavilhão da Bienal é apresentado nesta edição da mostra sem obras de arte, como um convite a vivenciar a planta livre do edifício projetado por Oscar Niemeyer -, mas quem reclama do vazio, e a afirmação a seguir vai com um respeitoso perdão aos lamentosos, tem preguiça de pensar e falta de criatividade para preencher aquele espaço com a própria imaginação.
Da 28ª Bienal de São Paulo pode se dizer qualquer coisa, menos que é vazia. O térreo e o primeiro piso acolhem diferentes ações - shows, performances, um primoroso programa de videoarte, obras participativas - que transformam o espaço em lugar de interminável interlocução (a programação muda a cada semana). Além disso, e em rigorosa sintonia com o projeto da Bienal, intitulada Em Vivo Contato, o auditório localizado no terceiro piso e o Belfiore (foto), pub que se deslocou da Barra Funda para o mezanino do pavilhão durante o período da mostra, propiciam de fato um espaço para discussão e "vivo contato".
Fazia décadas que uma bienal não era foco de tanto debate - público ou privado -, e nisso se percebe que o projeto do curador Ivo Mesquita se realizou, e, o que é melhor, se concretizou de forma orgânica e não-autoritária. Valerio sisters, a obra de Carsten Höller, é emblemática deste feito: nos fins de semana, vêem-se filas imensas para escorregar pelo tobogã do artista belga, e o público, conscientemente ou não, ao burlar o percurso de circulação pelo prédio imposto pela autoritária arquitetura modernista, está reforçando a idéia que paira no ar nesta Bienal: de que é hora de mudar.