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outubro 22, 2008
"Há um problema de gestão na Bienal", entrevista de Ivo Mesquista, Folha de São Paulo
"Há um problema de gestão na Bienal"
Entrevista de Ivo Mesquita a Marcos Augusto Gonçalves e Fábio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo no dia 22 de outubro de 2008
Curador, que chegou a deixar o cargo em edição anterior, avalia o evento
O curador Ivo Mesquita nasceu em 1951, mesmo ano em que surgia a Bienal de São Paulo. Nos 57 anos da existência da instituição, ele já participou de nada menos do que oito edições da mostra, duas delas como curador -embora, em 2000, tenha deixado o cargo em meio a uma das crises da fundação.
E foi uma nova crise que o levou, recentemente, de volta à função. Nome reconhecido no meio da arte, Mesquita apresentou-se como uma tábua de salvação para a desgastada presidência da Fundação Bienal, que enfrentava dificuldades para levantar os recursos necessários para a mostra deste ano.
"Eu me sentiria muito mal se tivéssemos fechado as portas", disse ele à Folha, em entrevista na semana passada.
Com poucos recursos e pouco tempo, Mesquita optou por criar um debate em torno da crise da instuição, que se entrelaçaria com uma crise mais ampla, a do próprio modelo agigantado das bienais internacionais. O curador deixou um piso inteiro do prédio vazio, promoveu encontros para discutir o papel da instituição e, ao final, criou uma mostra reduzida, que ocupa meio andar.
FOLHA - Depois de realizar 15 encontros com pessoas do circuito da arte, quais foram as conclusões sobre o papel da Bienal?
IVO MESQUITA - O que ficou patente é que há um problema de gestão.
FOLHA - Qual é o modelo ideal? Seria melhor uma trienal?
MESQUITA - Essa questão, se é bienal ou trienal, se é com curador ou sem curador, me parece menor. O problema principal é a necessidade de adequar a instituição à sua finalidade. E isso é uma questão de gestão e de organograma. O Júlio Landmann [ex-presidente da Bienal] falou nos encontros justamente sobre isso: a estrutura que ele ajudou a construir a partir da 22ª Bienal, e que se desfez. Era uma estrutura administrativa extremamente profissional, com um superintendente, um captador de recursos, um responsável pelo educativo.
Hoje, a fundação não tem uma estrutura semelhante. Os problemas de 40 dias atrás [um pedido de corte de 40% do orçamento, por parte do presidente] ocorreram em seis das oito bienais em que trabalhei. É sempre assim, 60 dias antes da abertura, há um problema de "cash flow" [fluxo de caixa].
FOLHA - E por que isso não é resolvido de uma vez por todas?
MESQUITA - Ah, essa pergunta quem tem que responder é o conselho. O que estou mostrando é que o problema não é novo. Não existe uma estrutura para resolver este evento.
FOLHA - Mas esse conselho não é desinteressado por arte? Apenas três ou quatro conselheiros apareceram nos encontros...
MESQUITA - Essa é uma pergunta que deve ser feita a eles. Mas não é um modelo muito diferente do que existe em museus como o Masp ou o MAM do Rio, instituições criadas na mesma época, que vivem problemas semelhantes.
FOLHA - O fato de a Bienal ter por tema ela mesma parece uma espécie de imposição da instituição sobre a arte. Como você vê essa hipervalorização da instituição que quase bane a arte de seus domínios?
MESQUITA - Eu vejo essa questão de modo diferente. A idéia do vazio e esse projeto da Bienal são sobre a instituição e não sobre a produção artística.
Poder suspender um processo para falar de uma crise que se percebe cíclica na instituição me parece um meio de aprimorar o circuito.
FOLHA - Mas, pela presença nesses encontros promovidos pela Bienal, que não tiveram mais que 30% de lotação em média, poderíamos concluir que as pessoas do circuito não se interessam muito por essa discussão...
MESQUITA - Eu acho que há uma falta de hábito. Cada vez que há uma crise do Masp, a Folha faz um monte de artigos, mas efetivamente acontece o quê? Nós temos tido uma atitude muito passiva, é preciso pensar nas causas do problema.
FOLHA - Talvez as pessoas acreditem que essa instituição já deveria funcionar direito, que não é papel delas ter que discutir esse assunto a essa altura da história...
MESQUITA - É talvez o que tenha feito o Zé Resende [artista], quando veio ao encontro, mas ficou quieto. Agora, eu também acho o seguinte: talvez as pessoas não queiram discutir. Então, fechamos as portas.
FOLHA - Mas, se você não tivesse aceitado participar, talvez as portas tivessem fechado mesmo. Você de certa forma salvou a instituição de uma crise mais grave, não deixou o negócio quebrar de vez, funcionou como se fosse o "circuit-breaker" da Bolsa, que interrompe a queda das ações quando a coisa fica feia...
MESQUITA - [Risos] Não sei... Essa decisão foi uma coisa minha com minha história com essa instituição. Eu acredito que a Bienal tem possibilidades e, como profissional, eu acredito que tinha que tentar dar essa resposta. É o que eu posso fazer. Eu me sentiria muito mal se tivéssemos fechado as portas sem ter tido essa oportunidade.
Eu sabia que era super-arriscado, mas considerando a reação que houve, foi muito esperançoso, e as pessoas se importaram.
Novo estatuto reduz poderes de presidentes, por Fábio Cypriano
Além de Ciccillo Matarazzo, fundador da Bienal, Manoel Francisco Pires da Costa é o único presidente com três mandatos na Fundação Bienal e, de acordo com o novo estatuto da instituição em discussão, será o último. Preparado por uma pequena comissão do Conselho da Fundação, cujo relator foi o jurista Carlos Francisco Bandeira Lins, o estatuto prevê a diminuição drástica dos poderes do presidente-executivo, entre eles a possibilidade de reeleição por uma única vez.
"Não queremos que aconteça aqui o que aconteceu com o Masp. Queremos proteger a Fundação e, por isso, o Conselho precisa ser a bússola, não é mais possível que o presidente-executivo tenha poderes absolutos", diz o presidente do Conselho da Fundação Bienal, o arquiteto Miguel Pereira.
Na nova proposta, não está prevista a mudança de periodicidade da mostra, mas sua realização a cada três anos não é descartada por Pereira: "Estamos em processo constituinte e nada impede essa discussão, afinal o biênio é um período mesmo exíguo".
Há cerca de um mês, em reunião do Conselho, que tem cinco vagas para membros, Pires da Costa tentou indicar nomes para completar o quadro, mas foi impedido até que vigore o novo estatuto. Na nova proposta, que, segundo Pereira, deve ser implementada em 2009, também não será mais o presidente quem terá a prerrogativa de indicar o curador da Bienal.