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março 19, 2007
Houston, we have a problem... / Houston, nós temos um problema..., por Patricia Canetti
Houston, we have a problem... / Houston, nós temos um problema...
PATRICIA CANETTI
A Coleção Adolpho Leirner decolou do Brazil para aterrissar no Museu de Belas Artes de Houston e ficamos a nos perguntar o porque dela não estar pousando na Pinacoteca do Estado de São Paulo, ou no Museu de Arte Moderna de São Paulo, ou no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, ou no Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro... Enfim, porque o seu destino não foi uma instituição em terras brasileiras.
Em primeiro lugar, parece que depois de longos anos tentando vender sua coleção para alguma instituição brasileira (o colecionador não revela para quais), Adolpho Leirner, legítimo dono de sua coleção, achou que "Houston era o local mais adequado", como disse ele na matéria de sábado passado da Folha de S. Paulo. E pronto: mandou o nosso patrimônio para o espaço!
"Colecionadores compreendem que formam suas coleções não apenas para sua fruição privada, mas pelo benefício da sociedade, e por esta razão ele as mantém e preserva", diz Leirner na matéria do artdaily.org. Pena que este brilhante entendimento do que seja ser um colecionador não inclua a percepção de que a valorização de sua coleção se deu não apenas a partir de seu próprio trabalho em desenhá-la e manter seu foco, mas também a partir do trabalho de gerações de profissionais de arte brasileiros, que agora se vêem um pouco mais pobres e com a sensação de terem sido roubados.
Mas, digamos que ele tenha razão, que nenhuma instituição brasileira fosse tão ou mais adequada quanto à de Houston, como ficamos? Vamos continuar a ver outras obras e coleções irem para o espaço por falta de engajamento de nossa sociedade na questão patrimonial específica de acervos e museus? Quem se importa?
Os profissionais franceses andam estrilando com o aluguel de seu patrimônio para museus estrangeiros, com o objetivo de financiar a gestão de suas instituições culturais (Leia as matérias Museus à venda e Quando os museus viram mercadoria). Imaginem, isto para nós seria um luxo! Já pensou. Nossa sociedade e governo percebendo a importância da arte e de nossa produção artística, reformando nossas instituições para receber acervos (como manda o figurino, sem goteiras e riscos de curtos-circuitos; com segurança e seguro para todas as obras; com profissionais gabaritados para tratar das questões contemporâneas dos museus) e depois fazê-los viajar pelo mundo, gerando receita e divulgação da cultura brasileira... Só depois, com uma agenda de itinerância movimentada, poderíamos começar a reclamar, como os franceses, em relação ao absurdo que seria ver nossas obras "sofrendo" com tantas viagens.
Os franceses reclamam também de não terem a mesma tradição americana do investimento regular por parte da sociedade nas suas instituições. Lá na França, como aqui, esperamos que os governos, com os nossos suados impostos, resolvam tudo.
Os nossos governos municipais, estaduais e federal, mais à direita ou mais à esquerda, não parecem muito ligados em nossa importância. Menos ainda, estão os departamentos de marketing da maioria das empresas patrocinadoras, pois outros segmentos culturais têm muito mais apelo junto à população. Por sua vez, a nossa sociedade tampouco parece preocupada. Afinal, quantos de nós, pessoas físicas ou jurídicas, doam recursos regularmente para as instituições culturais brasileiras?
O triste fato é que perdemos uma coleção de arte muito importante e, se não modificarmos a situação atual, perderemos outras.
BRASÍLIA, NÓS TEMOS UM PROBLEMA...
(Só para manter o meu otimismo de brasileira, termino polianamente lembrando que pelo menos ganhamos a Casa Daros no Rio de Janeiro, com o maior acervo europeu de arte latino-americana.)
Patricia Canetti é artista, criadora e coordenadora do Canal Contemporâneo.
Ai meu Deus do Céu. Vamos retomar essa discussão bairrista e ufanista inaugurada quando da venda da tela Abapurú, de Tarsila, ao Museu Costantini de Buenos Aires? Pois acho ótimo que a Coleção Leirner esteja em Houston. Quem garantiu sua integridade, estudo e divulgação aqui no Brasil? Pois é. Ninguém. Nenhuma pessoa da chamada elite econômica (banqueira?) abriu o cofrinho para comprá-la e mantê-la no Brasil. Lastimável. E não foi por falta de contatos com os museus brasileiros com perfil mais adequado a ter esse acervo. Também eles foram incapazes de costurar recursos para assumir esse legado,embora estrelados de empresários bem de vida em seus conselhos.
Sem garantias de preservação no país, Adolpho fez muito bem em negociar com uma das melhores (ou a melhor) instituição capaz de abrigar esse patrimônio. Isso é responsabilidade cultural. Isso é pensar na memória da arte brasileira, sim. Se o governo e a iniciativa privada não oferecem alternativa confiável, cosa fare??? Deixar que o conjunto se desfaça ao longo do tempo, com as inevitáveis demandas de herdeiros e/ou pressão do mercado internacional? Ou sonhar que no Brasil as instituições cumprem acordos de doação de acervos? Para os sonhadores desse naipe, vale lembrar o que aconteceu com a preciosíssima coleção de arte-postal doada por Walter Zanini ao Centro Cultural São Paulo. A condição é que ficasse em exposição permanente e sala exclusiva. Assim foi durante algum tempo. Mudou a direção, mudou o governo, assumiu Sonia Salzstein e a sala foi desmontada, o acervo (de papel!!!) colocado no porão inundável e...aconteceu a "fatalidade": uma chuva acabou com tudo. Virou lixo. Pasta de papel molhado. Coleção semelhante de arte postal foi há poucos anos adquirida por alguns milhares de dólares pelo MoMA. Está lá até hoje, bem preservadíssima. Zanini até hoje chora lágrimas de sangue por ter acreditado nas coleções públicas da Terra Brasilis. Vamos primeiro adquirir condições verdadeiras de preservação de acervos dessa envergadura antes de começar a trombetear ufanismos equivocados? Que tal lembrar do incêndio do MAM-RJ que fritou 90% de seu acervo mais toda a exposição de Torres-Garcia então em exibição? Alguém aí imagina que há hoje algum museu brasileiro que possa fazer pela Coleção Leirner o que o MFAH vai fazer? Pois é. Primeiro temos que crescer e aparecer para depois achar que estamos podendo! E, afinal, internacionalizar a Coleção Leirner, fazê-la visível acima do Equador, é algo que deve orgulhar o Brasil. Ou queremos nossa cultura e nossa arte apenas para a taba?
Levei um grande susto com a venda da coleção do Adolpho Leirner para Houston, assim como fiquei indignado com a falta de um brasileiro sequer que cobrisse o lance no leilão do Abaporu.
Ao mesmo tempo, acho ótimo isso tudo acontecer, pois trata-se de um retrato fiel de como as artes plásticas são tratadas por nossa elite. Uma elite que apenas percebe que uma coisa tem valor quando realmente perde a chance de tê-la ou quando ela é destruída (como muito bem lembrado em um dos comentários, o caso do incêndio do MAM do Rio de Janeiro, em 1978, um dos piores incidentes desse tipo no mundo inteiro). Uma elite que só dá valor naquilo que for sacralizado pelo estrangeiro. Portanto, nada mais justo e sensato. Realmente a coleção de Leirner estará muito mais protegida, será melhor exibida e conservada aos cuidados de Houston.
Será que precisa acontecer outra tragédia para o brasileiro lembrar que tem o MASP, por exemplo? E a coleção do Chateaubriand? Está no MAM do Rio de Janeiro por comodato, mas ele pode vendê-la quando quiser. Que venda! Para o MOMA! Para a TATE! Para o Metropolitan! Para o Guggenheim! Assim nossa elite poderá ir passear em Nova York e Londres e se esquecer que quem fez e mantém o MOMA, a TATE, o Metropolitan Museum of Art, o Guggenheim, são as elites daqueles países. Assim a arte brasileira vai ser mais "internacional". Somente assim.
Raquel Arnaud está fazendo um grande sacrifício pessoal para tentar segurar as melhores obras do espólio de Sérgio Camargo para o Instituto de Arte Contemporânea e pode-se testemunhar (pois sou um dos conselheiros do Instituto) como é difícil conseguir verbas para as artes visuais.
Já que estamos em uma época "líquida", tudo é líquido (o modernismo, o amor, a vida, como escreveu Zygmunt Bauman), incluindo a coleção de Leirner, que precisava se transformar na coisa mais simbolicamente fluida e líquida que existe atualmente: dinheiro.
Talvez seja essa a vocação e a melhor saída para a arte brasileira. Em algum passado não muito distante, alguns slogans brasileiros já foram "Brasil: ame-o ou deixe-o", ou "a melhor saída para o Brasil é o aeroporto". No caso das artes, essa tem sido a realidade. Quais artistas contemporâneos brasileiros podem dizer que sobrevivem apenas de seu trabalho de artes plásticas se não tiverem um mercado internacional consumidor?
Aliás, a Margareth Thatcher, quando Primeira Ministra da Inglaterra, chegou a propor que o Brasil deveria vender a Amazônia para pagar suas dívidas.
Então, viva a venda! Viva o comércio! Viva o aeroporto!(Aliás, nem isso atualmente está escapando da degradação e da desgraça nesse país).
A propósito, minha coleção também está à venda.
Gedley Braga