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outubro 19, 2006
Parque temático, entrevista de Dominique Gonzalez-Foerster a Marcelo Rezende, Revista Bravo
Parque temático
Entrevista de Dominique Gonzalez-Foerster a Marcelo Rezende, originalmente publicada na Revista Bravo nº 110
Dominique Gonzalez-Foerster, um dos destaques da 27a bienal, fala sobre a fascinação pelos trópicos e a procura por alguma coisa "orgânica, intensa, pulsante, imatura e fora de controle"
A artista Dominique Gonzalez-Foerster, nascida em Estrasburgo, França, é hoje, aos 41 anos, um dos mais importantes nomes na cena da arte contemporânea mundial. Assim como os também artistas Pierre Huyghe e Philippe Parreno - dois franceses que usam o vídeo como meio para diferentes comentários sobre a memória, a sociedade e a cultura, com quem compõe um trio aos olhos da crítica internacional, Dominique fez seu aprendizado na cidade de Grenoble, na École du Magasin - Centre National d'Art Contemporain.
O organismo foi extremamente influenciado pela passagem do cineasta Jean-Luc Godard, que viveu na cidade no início da década 70 e propôs, com a criação do Sonimage ( uma sociedade de produção) "usar o cinema para criar uma TV que ainda não existe; e usar a TV para recuperar um cinema que não existe mais". Dominique Gonzalez-Foerster realiza seu primeiro filme, Ile de Beauté (ilha de beleza), em 1996, ao lado do videasta Ange Leccia: durante o ano de 1985, um narrador divide seu olhar entre duas ilhas, a Córsega e o Japão, no qual uma atmosfera de vazios é criada em frente ao espectador, que acompanha uma série de micro-eventos. Até o momento, Dominique realizou 13 produções em filme e vídeo, perseguindo sempre uma leitura "sutil" das imagens.
Em seguida, a artista passa a investigar com intensidade dois dos temas que resultaram em trabalhos responsáveis por sua projeção: a tropicalidade e os espaços criados pela arquitetura em meio a um cenário natural ou urbano. Além dos filmes, passa a criar suas "situações em espaços específicos". Algumas marcantes instalações surgem a partir desse momento: Quelle Architecture Pour Mars ? (qual arquitetura para marte ?, Le Consortium, Dijon, 2001); Exotourisme (Centro Georges Pompidou, Paris, 2002), vencedor do prêmio Marcel Duchamp; Artist in Focus (artista em foco, Bojmans Museum, Roterdam, Holanda, 2003) e Multiverse (Kunsthalle, Zurique, Suíça, 2004).
Como afirma o crítico e curador sueco Daniel Birnbaum, "no trabalho de Gonzalez-Foerster, o gênero não parece mais relevante. Suas produções recentes incluem uma aventura 'cósmica', projeções em vídeo e 'ambientes' sonoros". Nesta entrevista, Dominique Gonzalez-Foerster fala sobre sua atração pelas terras tropicais, seus planos para a Bienal e sua estreita relação com o Brasil.
Bravo: Você tem trabalhado muito com a noção de "tropicalidade" e também sobre a procura por uma "outra modernidade", como em "Tropicale Modernité" (Fundación Mies van der Rohe, Barcelona, 1999). Que tipo de relação poderia ser feita entre suas pesquisas e seu trabalho pensado para a Bienal de São Paulo?
Dominique Gonzalez-Foerster: Como disse para Lisette Lagnado durante minha primeira visita ao pavilhão da Bienal, em abril, a principal dificuldade é propor alguma coisa nesse contexto que já me influenciou tanto - há um tipo de timidez. Viajo para o Brasil desde 1998, agora moro também no Rio de Janeiro durante parte do ano, e houve filmes, ambientes, alguns tipos de "exportações" agora é preciso conseguir "importar" alguma coisa.
Quando e por que você escolheu a "tropicalidade" como tema?
Quando tive a necessidade de identificar alguma coisa essencial que nos falta muito em Paris e que me parece muito produtiva e necessária: alguma coisa orgânica, intensa, sensorial, vegetal, pulsante, imatura, fora de controle mas a tropicalidade é também um contraponto ideal à modernidade, uma construção modernista em um contexto tropical é extraordinário.
Quando você pensa sobre o Brasil, que tipo de modernidade você tem em mente?
Em primeiro lugar, a modernidade arquitetônica, que me fez sonhar com Brasília durante anos. Mas há também uma relação com a modernidade mais banal, mais cotidiana. O formato das cabines telefônicas e das caixas do correio brasileiras continuam para mim um permanente prazer. Trata-se de um país que não está ainda emparedado no culto do patrimônio e do retrô, algo que vemos agora na Europa.
Uma reflexão sobre o espaço e a arquitetura é também algo constante em sua trajetória. Encontrar a construção de Oscar Niemeyer na Bienal teve alguma influência em seu trabalho em São Paulo?
Eu já olhei, atravessei, filmei muito a arquitetura de Oscar Niemeyer, sou uma admiradora de suas qualidades de espaços e de situações que ele pensou e produziu - um espaço ao mesmo tempo coberto e aberto, como a marquise do parque do Ibirapuera, isso é único no mundo. O pavilhão da Bienal, naquelas dimensões, dá um arrepio a cada andar. Participar dessa bienal é a oportunidade de dialogar diretamente com essa arquitetura que é tão estimulante para mim; a possibilidade de falar a linguagem dessa arquitetura, de usar esse vocabulário. A exposição como território para o jogo e para o pensamento.
Mas como evitar o exotismo, um Brasil exótico, que pode surgir nesse contexto?
No Japão, um filme francês do período da nouvelle vague é exótico. Alguns filmes indianos recentes são filmados nos alpes suíços, é a estética do diverso, como diria o escritor Victor Segalen, e não apenas uma noção turística. É também a prova de heterogeneidade, não é apenas do cliché que se trata - é uma forma de exotismo visual, a "comunhão do sensível": sejamos abertos ao diferente, inquietos e curiosos.
Na Bienal vemos uma instalação e também alguns de seus filmes. Você poderia comentar as proximidades e diferenças desses dois campos em seu trabalho?
Quando faço filmes, identifico momentos urbanos, situações em espaços específicos. Eu registro conjuntos complexos: a coreografia inconsciente de pessoas que atravessam a cidade, a luz que muda, a influência da paisagem e da arquitetura sobre os deslocamentos, o clima sonoro. Quando faço propostas espaciais, tento prolongar essa identificação, essa escolha, propor situações que poderiam ter essas qualidades dos espaços atravessados e filmados. O interesse principal da exposição é o de ser um espaço "dividido". Não é o livro, o filme ou o espetáculo que assistimos sozinhos, estamos na exposição com o corpo em deslocamento, a voz, podemos andar rápido ou devagar, fazemos parte da imagem (da situação) para os outros visitantes. Conscientes ou não dessa situação, ela existe.
Há também a música como elemento em sua trajetória, como o documentário realizado com o cantor francês Bashung. É possível criar no mercado, dentro de um mercado como o da música?
Para mim foi muito importante trabalhar fora do museu e da galeria, junto a um público que tem outras referências e que não pensa com as regras da arte contemporânea. Escuto as canções de Bashung na rádio desde minha adolescência, e quando ele me pediu para trabalhar com ele, foi uma emoção extraordinária - eu procuro os limites do campo da arte, obras que se difundem e para as quais se olha de modo diferente.
Existe alguma diferença entre realizar trabalhos nos grandes centros, como Veneza ou Nova York, e expor na Bienal de São Paulo ou de Istambul, países que não estão no grande circuito da arte? Existe alguma diferença quanto ao público?
Não, não acredito que exista uma diferença. Há sempre o público "profissional" dos primeiros dias, e depois o público da cidade, do país, os viajantes e os estudantes muitas pessoas criticam as bienais, mas eu gosto bastante delas, porque são como festivais de cinema para as artes plásticas. Encontramos os outros artistas, vemos novas obras, olhamos a cidade de um modo diferente. Jamais estive na Bienal de São Paulo, a mais antiga depois de Veneza, e que possui uma longa história, mas não sei como ela funciona em relação ao público. Isso vou descobrir logo.
Marcelo Rezende é escritor e jornalista. É autor do romance Arno Schmidt (Planeta, 2005) e do ensaio Ciência do Sonho - A imaginação sem fim do diretor Michel Gondry (Alameda, 2005). Criou e dirige a coleção de ensaios Situações
Muito bom que Marcelo Rezende tenha prestado atenção no trabalho totalmente independente da DGF.
Posted by: Lisette Lagnado at maio 28, 2007 1:31 PM