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outubro 7, 2021
Thiago Martins de Melo: Ouroboros sucuri por Gunnar B. Kvaran
Thiago Martins de Melo: Ouroboros sucuri
GUNNAR B. KVARAN
Tenho tido o prazer de acompanhar o extraordinário desenvolvimento e as realizações de Thiago Martins de Melo já há mais de uma década. Pude testemunhar como ele conseguiu alcançar habilidades notáveis como pintor. Ele dominou as diversas técnicas da pintura figurativa, criou novos tipos de estruturas narrativas, que se articulam na tela em macro e micro-histórias, tempos e lugares divergentes, e uma mistura de ficção e realidade. Seus trabalhos demonstram a riqueza de seu conhecimento e de sua cultura – intelectual, espiritual e intuitiva – e seus próprios desenvolvimento e crescimento individuais.
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No início, as pinturas de Martins de Melo se relacionavam com sua experiência pessoal e familiar, com seu entorno mais próximo. Posteriormente, ele expandiu sua visão para incluir a complexidade da sociedade brasileira, chegando a inseri-la, junto com a sua iconografia, num contexto global. As pinturas abarcam ao mesmo tempo o mundo e a vida íntima do artista. São sempre concebidas e construídas em camadas de símbolos e figuras que lhe permitem incluir elementos heteróclitos da realidade e além. A vida concreta, histórica e social, está sempre presente, mas há também uma dimensão espiritual e religiosa, onde atuam energias e forças que não pertencem ao nosso mundo terreno. Há também a política, uma forma de resistência que revela os mecanismos internos da injustiça e da discriminação social. Martins de Melo se preocupa com seus compatriotas, em especial com os marginalizados da sociedade brasileira. No entanto, orientado pela noção de “sincretismo”, ele consegue estender seu discurso a uma cena mais universal, onde os signos, os símbolos e os diferentes elementos cosmológicos assumem um sentido mais aberto, de amplo campo semântico, que se ancora em diversas realidades de diferentes épocas da humanidade.
Em seu ambicioso projeto como artista e contador de histórias, Martins de Melo ampliou e reinventou a noção de pintura ao transformar suas cenas pictóricas em animações e objetos escultóricos, ou experiências teatrais. Em suas obras, muitas narrativas acontecem simultaneamente, envolvendo acontecimentos e pessoas reais, bem como forças espirituais, mas sempre com um profundo senso estético e uma preocupação com a coerência e a clareza. Suas imagens fortes e poderosas são apropriadas, criadas e, então, postas em diálogo na tela. Na maioria das vezes surgem de sua imaginação, inspiradas pelo folclore, pelos mitos antigos e eventos sociais históricos, cruéis ou sublimes. Seja qual for o assunto, pode-se sentir em suas obras o prazer de pintar, a forma como ele manipula os materiais e os pincéis com sensualidade e satisfação.
Esta exposição apresenta um momento no tempo da obra de um artista que se encontra em uma contínua e vigorosa trajetória. Ele abriu e ampliou seus objetos e suas abordagens pictóricas. Somos aqui confrontados com obras de grande complexidade em termos de temas e soluções formais. Encontramos motivos fortes e recorrentes, como a serpente, um símbolo local e universal que cruzou religiões e tempos históricos e apareceu em várias obras de mestres mais antigos e contemporâneos. A primeira parte desta exposição apresenta uma seleção de trabalhos nos quais o artista revisita esse motivo da serpente, que lhe dá o título Ouroboros Sucuri. Na segunda parte, selecionamos uma constelação de novas obras; esculturas e pinturas que mostram a experimentação em curso do artista no que se refere a novidades formais e narrativas inovadoras, abordando a cultura, o espiritismo, o ocultismo, os mitos e a política dentro de um discurso pós-colonial. Juntos, formam uma construção complexa, em que o espectador passa por diferentes zonas da ficção baseada na realidade. É essa fusão de signos e símbolos, religiosos e espirituais, e referências sociais e políticas da memória coletiva que carregam essas obras com a sua energia singular e que as inserem na grande tradição da pintura histórica.
Embora as obras de Martins de Melo sejam convidativas, sedutoras e intrigantes, requerem certo tipo de interpretação do espectador. Por isso, pensamos que seria esclarecedor deixar o artista falar por si e nos contar sobre suas referências e seus ingredientes pictóricos mais importantes.
Seja bem-vindo ao pensamento de Thiago Martins de Melo.
Thiago Martins de Melo: Ouroboros sucuri
GUNNAR B. KVARAN
For more than a decade, I have had the pleasure of following the extraordinary development and achievement of Thiago Martins de Melo. I have witnessed how he has been able to attain remarkable skills as a painter. He has mastered the diverse techniques of figurative painting, created new kinds of narrative structures, which combine on the canvas in macro and micro stories, divergent times and places and a mix of fiction and reality. His works show the richness of his knowledge and his culture – intellectual, spiritual and intuitive – and his own individual development and expansion.
In the beginning Martins de Melo’s paintings were related to his personal and family experience and existence, his close surroundings, but later he expanded his view to include the complexity of Brazilian society, even placing it, as well as his iconography, in a global context. His paintings embrace both the world and his inner life. They are always conceived and built up in layers of symbols and figures that enable him to include heteroclite elements of reality and beyond. Historical and social realities are always present, but there is also a spiritual and religious dimension, where energies and forces beyond our earthly world take action. There is also politics, a form of resistance that reveals the inner mechanisms of social injustice and discrimination. Martins de Melo is concerned about his compatriots, especially those who have been marginalized within Brazilian society. However, guided by the notion of “syncretism” he is able to extend his discourse to a more universal scene, where the signs and the symbols and different cosmological elements take on a more open and multi-semantic meaning, anchored in diverse realities from different times of humanity.
In his ambitious project as an artist and a storyteller, Martins de Melo has extended and reinvented the notion of painting by transforming his pictorial scenes into screen animations and sculptural objects or theatrical experiences. In his works, many narratives take place simultaneously, involving real people and events and spiritual forces, but always with a concern for coherence and clarity and a deep sense of aesthetics. His strong and powerful images are both appropriated and created and then placed in dialogue on the canvas. Most of the time they grow out of his imagination, inspired by folklore, ancient myths and real social events, cruel or sublime. Whatever the subject may be, one can sense the pleasure of painting in his works, the way he manipulates the materials and the brushes with sensuality and satisfaction.
This exhibition presents a moment in time in the work of an artist who finds himself in a continuous powerful trajectory. He has opened up and enlarged his subject matter and his pictorial approaches. We are confronted with works of great complexity in terms of themes and formal solutions. We find strong recurrent motives like the snake, a local and universal symbol that has crossed religions and historical times and has appeared in various works of older and contemporary masters. The first part of this exhibition presents a selection of works where the artist revisits this motif of the snake, which gives it its title: Ouroboros Sucuri. In the second part we have selected a constellation of new works, sculptures and paintings that show the ongoing experimentation of the artist with regards to formal novelties and ground-breaking narratives, which touch upon culture, spiritism, occultism, myths and politics within a postcolonial discourse. Together they make up a complex construction, where the spectator passes through different zones of reality-based fiction. It is that fusion of religious and spiritual signs and symbols and social and political references from the collective memory that load these works with their unusual energy and which places them within the great tradition of History painting.
Even though the works of Martins de Melo are inviting, seductive and appealing, they require a certain kind of interpretation from the spectator. Therefore, we thought it would be enlightening to allow the artist to speak for himself and tell us about his most important references and pictorial ingredients.
Welcome to the thoughts of Thiago Martins de Melo.