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novembro 10, 2020
Um pacto pela escuta por Mariana Oliveira
Um pacto pela escuta
MARIANA OLIVEIRA
Não é de hoje que Marcelo Silveira nos convida ao diálogo, a conversa, a troca. É assim com quem chega aos seus ateliês, no Recife ou em Gravatá. Haverá uma mesa, um café, talvez um bolo, e muita charla. Foi assim na Residência Belo Jardim, quando o artista realizou encontros semanais com pessoas da cidade em torno da mesa, onde a conversa corria solta. É assim também com quem entra em uma exposição sua. Seja ela qual for, o diálogo franco está sempre aberto. Esse convite constante de Marcelo, um gesto que marca toda sua trajetória e sua poética, ganha força e novo corpo no momento em que vivemos um distanciamento social em meio a uma pandemia.
Afastados fisicamente, nos mantemos hiperconectados na crença que assim estamos em diálogo. Mas, na verdade, estamos construindo monólogos. Muito antes das mudanças impostas por este 2020, já estávamos surdos para os outros. Numa eterna polarização, vivendo em bolhas, falando sem escutar.
É o oposto disso o que nos propõe Marcelo Silveira. Seu desejo é fazer pactos, criar situações, ambientes em que se fale, mas onde também se escute. No mundo do distanciamento (hoje físico, mas onde sempre se perpetuou uma distância que não nos permite a empatia, o olhar e a escuta do outro), temos junções, aglomerações de obras que conversam.
Em 2016, na primeira composição, de Compacto Com Pacto, Marcelo pôs suas obras para dialogar com trabalhos de outros artistas, mostrando a riqueza dessa união. Depois, em 2019, quando levou a mostra para o interior, passando por Triunfo e Floresta, no Sertão pernambucano, propôs pactos e diálogos com as tradições culturais da cidade, com artistas locais, com as referências gastronômicas do lugar, num retorno à mesa, lugar tão caro a ele. Desta vez, em 2020, o diálogo, o convite a conversa, segue sendo o seu gesto poético.
É compactando e aglomerando obras que o artista construiu a grande escultura que ocupa a antessala da galeria Amparo 60 com Compacto Com Pacto. A conversa entre elas é tão fluida, leve, volátil. Mostrando sempre mais dúvidas que certezas, mostrando que os caminhos são vários, as complexidades são imensas e que é na troca que nos tornamos gigantes. Nas paredes os experimentos do artista em papel nos indicam que não há caminho perfeito, não há discurso único, juntos, compactos, temos sempre mais a dizer, a pensar, a refletir. Ao ocupar a pequena antessala da galeria aglomerando suas obras, o artista também instiga o diálogo com o espaço, uma espécie de vitrine ocupada por ele, uma instalação. A marca desse tanto de conversa e de pactos estabelecidos por Marcelo se materializa no cartaz da mostra, que traz documentado a trajetória da pesquisa Compacto Com Pacto, num processo serigráfico que foi, a cada edição, ganhando novos traços, gerando novas conversas e pactos.
E esse convite ao diálogo certamente não se encerrará aí, está no âmago dos trabalhos de Marcelo Silveira. O próprio processo criativo do artista indica essa ideia de uma constante troca, reposicionamento. Seus trabalhos surgem, quase sempre, de uma apropriação de objetos, de materiais, que são recolocados, reposicionados, reutilizados em novos contextos e espaços, nos mostrando a necessidade de se lançar nesse movimento, nessa charla, recriando pactos, reprocessando ideais e certezas. Num momento de tanta surdez, é fundamental escutar Marcelo, escutar a arte.