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setembro 3, 2020

1monthroy por Marcelo Amorim

1MONTH-ROY

MARCELO AMORIM

Nos anos 2000 um interesse a respeito das relações entre e arte e tecnologia dominou as discussões no campo das artes visuais. Parecia um horizonte cheio de possibilidades a ser explorado e muitos artistas se dedicaram a pensar nesse presente/futuro hipotético em que as relações mediadas por tecnologia dariam também espaço para os criadores atuarem.

Eu mesmo tive a oportunidade de trabalhar em um museu que abrigou diversas exposições importantes sobre o assunto e dentro de um curso de pós-graduação em uma universidade me propus a pesquisar as relações entre performance e mídias interativas. Tive também o prazer de ser orientado pelo artista e pesquisador Lucio Agra nesse processo que para mim foi muito rico. Naquele momento me voltei para mídias que propõem situações dialógicas, sugerem comunidade, jogos e relações. Algo que chamei de "Mídias relacionais”. Ali eu trazia como referência a cena da arte relacional como descrita pelo curador e crítico de arte Nicolas Bourriaud e especialmente o trabalho da artista Lygia Clark com os objetos relacionais.

A questão é que décadas atrás tudo era muito diferente. Algo simples como gravar um vídeo, editar e postar na internet era muito trabalhoso. Transmitir uma performance ao vivo envolvia verdadeiros malabarismos. Um outro ponto era nossa ingenuidade. Antes da popularização das tecnologias, as redes nos pareciam um lugar prenhe de possibilidades de trocas que poderiam acontecer em um território livre. Tudo era muito hipotético e a tecnologia ainda não havia aportado completamente. Outra questão foi essa virada de maré. Não imaginávamos que as redes se tornariam esse lugar saturado de vigilância, narcisismo e fascismo. Parecia que algo mais poderia brotar dessa arena.

Eis que décadas depois um vírus nos obriga a ficar dentro de nossas casas e essas possibilidades de interação mediada, que já tinham perdido seu encanto e se tornado banais, tornam-se a única possibilidade de troca para alguns de nós. No campo das artes, onde tudo envolve encontro, houve um cancelamento generalizado de atividades fazendo com que seus agentes passassem a reconsiderar a exposição, venda e circulação de informações sobre arte pelo meio virtual uma opção atraente.

Até agora vemos como padrão dois registros: de um lado exposições virtuais tentando suprir o lugar da visitação e as lives no lugar dos bate-papos, debates. Essa tentativa de transposição do cubo branco para um ambiente virtual, uma simulação de percurso como uma realidade virtual, uma sensação tridimensional para arquivo em duas dimensões parece ter sido um primeiro objetivo. Os chamados viewing rooms, salas para ver, foram a solução que as feiras de arte deram para seus projetos comerciais e isso se tornou um modelo para outras iniciativas. Por outro lado as redes sociais de museus, galerias e outros espaços com perfil mais institucional se tornaram saturadas de lives, conversas virtuais transmitidas ao vivo entre seus agentes como uma maneira de se fazer presente e seguir em frente com alguma programação e circulação de conteúdo.

Da maneira que eu vejo a tragédia da pandemia desencadeou um outro nível nesse jogo de virtualidades. Chegamos ao momento do streaming, da transmissão ao vivo. Plataformas de streaming como Twitch e Bigo Live, sugerem uma comunidade de comunicadores especializados que tem suas próprias audiências e estão disponíveis para o diálogo em tempo real, substituindo a interação perdida da vida cotidiana. Chama a atenção como atividades banais são desempenhadas diante da câmera. Compartilhar telas jogando videogame ou assistindo um show da tv, maquiar-se ou simplesmente encarar a câmera e conversar com as caixas de diálogo tem uma incrível demanda de atenção.

Pensei então em retornar àquele conceito de "Mídias relacionais" que eu havia pensado anos atrás e testá-lo hoje em dia nesse novo contexto tão problemático. Foi aí que eu propus o programa Sala de Acontecimentos no Fonte, espaço de ateliês coletivos e residências artísticas. A ideia era oferecer ao artista, pelo período de um mês, um espaço físico generoso para que algum trabalho pudesse ser desenvolvido e já de antemão sendo pensado para sua circulação através das redes. Lembrei-me também da ideia de videoperformance e fotoperformance, conceito criado para abarcar trabalhos de performance pensados para render nos suportes da fotografia e video e tive ideia de começar essa exploração com artistas da performance. Artistas cujo trabalho já são em certa medida imaterial e que sempre contam com o amparo do registro em vídeo e foto para relatar suas ideias. Se de um lado temos as "salas para ver” como seria a criação de uma “sala para acontecer”? Convidei o artista Carlos Monroy que já possui uma grande trajetória de performances realizadas em diversos espaços institucionais mas que também já lançou mão do uso de telefones e outros meios interativos em suas criações.

Carlos Monroy aceitou o convite e propôs 1monthroy, título que faz referência ao período de um mês em que ele vai passar a morar no espaço expositivo com câmeras ligadas em tempo real. A cada dia ele fará posts sobre seu processo e transmissões ao vivo criando circunstâncias de diálogo com o público. Grande parte desse processo será a experimentação com plataformas de redes sociais já estabelecidas. Em nossas conversas relembramos performances já clássicas em que artistas se propuseram a habitar o espaço expositivo como quando Joseph Beuys se trancou com um coiote na peça I like America and America likes me (1974), ou Marina Abramovic na obra The house with the ocean view (2002) e também as experiências em vídeo de Bruce Naumann em seu ateliê. O artista que pesquisa ideia de re-formance, a possibilidade de se refazer performances à luz do contexto atual, faz referências a tais artistas canônicos que também se dispuseram a habitar o cubo branco adicionando camadas de ironia e o ponto de vista latino-americano ao retransmitir aulas de danças e ritmos populares.

A ação como um todo se inicia com a pergunta “Quer que eu faça o quê?” (assista a live) uma das frases com que o presidente Jair Bolsonaro respondeu a imprensa que questionava sobre medidas para o controle da pandemia. Nesse caso a referência é a performer e amiga pessoal do artista Rebecca Nagle e seus trabalhos que envolvem atender pedidos do público. Esse gesto também remete outro clássico trabalho de Abramovic quando a artista dispôs seu corpo e objetos em uma galeria para que o público manipulasse como quisesse resultando em uma arma apontada para sua têmpora. Estar a disposição dos comentários e sugestões do público das redes sociais em 2020 é contar com um risco de violência em potencial.

Posted by Patricia Canetti at 8:25 AM