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fevereiro 4, 2020
Danielle, Lady From The Sea por Keyla Sobral
Danielle, Lady From The Sea
KEYLA SOBRAL
Há algo de salgado nesta exposição, de cloro, de sereias em busca de liberdade, de focas que estão fantasiadas de gente e vice-versa. A artista visual Danielle Fonseca vem trabalhando com esse território marinho já tem algum tempo, com suas esculturas surfísticas - seus extracorpos, o surfe como elemento artístico-poético, um universo aquático que sempre a rodeia. Aqui também estamos diante de uma fala encharcada. Existe uma narrativa autoficcional, uma menina que quase se afoga no mar da Bahia, que reconhece seu habitat, mas que volta a superfície.
A Dama do Mar Não Sente Ciúmes é livremente inspirado na obra do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen: A Dama do Mar (1888). Danielle tem similaridade com Ellida Wangel (personagem principal do texto escrito por Ibsen) a predileção pelo mar. “E há pessoas que pensam pertencer ao mar”. E são tantos os azuis, os mares, as ondas, que nos fazem perceber que Danielle pertence ao mar, como Ellida.
A diferença aqui é que a Dama do Mar, de Ibsen, não sente ciúmes do marido (Hartwig), e, a Dama do Mar, de Danielle, não sente ciúmes da mãe “que a divido com mais duas irmãs”. Encontramos uma multiplicidade de linguagens, nas fotos com tons dramáticos, vemos uma nadadora pronta para pular na piscina, num cenário teatral; outra, com duas mulheres sentadas, com roupas de natação, e, a cortina entreaberta, prontas para começarem o 1º ato (quem ali seria a Ellida?); e, mais uma, com colagens de uma carcaça de uma baleia, uma homenagem ao artista conceitual John Baldessari. Na imagem de John, Two Whales (with people) (2010), as imagens das baleias são acariciadas vivas no mar e, a imagem trazida por Danielle, Ossos de Baleia (com as mesmas pessoas) (2020), traz imagens de uma baleia que foi encontrada encalhada nas matas da ilha do Marajó, criando um diálogo sobre questões que nos afetam, do ecossistema. Como nos alerta a cantora Adriana Calcanhotto, na sua música Ogunté “O plástico do mundo no peixe da ceia, o que será que cantam as tuas baleias?”
Danielle traz esculturas no formato de baliza (bloco de saída) de natação, com os números 0 e 10, que são os números que os competidores não usam pois lá se formam as ondulações causadas pelas braçadas dos outros nadadores. É o lugar do desconforto. E a artista sinaliza ali, o lugar que quer estar. Como surfista, como artista.
Já na instalação sonora, interpretada pela cantora e atriz Cida Moreira, que tem uma forte ligação com o teatro. Ouvimos o texto em prosa dramatizado através da voz de Cida, texto que dá nome a exposição, e dá voz a esta personagem que não é Ellida e nem Danielle, mas é as duas.
Ao fim do mergulho na obra de Danielle, saímos com o corpo coberto de sal, os olhos apertados em miúdos óculos de natação, com os cabelos embolados numa touca, com a certeza ou leve esperança de alcançar certa liberdade como num fundo do mar. (Silêncio).
Keyla Sobral – Artista Visual
Belém, 10 de janeiro de 2020