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setembro 12, 2019
Lenir de Miranda - Pintura périplo por Icleia Borsa Cattani e Paula Ramos
Lenir de Miranda - Pintura périplo
ICLEIA BORSA CATTANI e PAULA RAMOS
Pintura périplo traz ao Margs as obras mais recentes de Lenir de Miranda (Pedro Osório, RS, 1945), realizadas entre 2017 e 2019. Intitulada Ninguém – Eu – Migrante, a série dá continuidade aos temas que a artista vem trabalhando desde o início da década de 1980, como o personagem Odisseu/Ulisses, herói mítico que conduz a Odisseia de Homero (século VIII AEC) e que foi retomado por muitos escritores ao longo dos séculos, culminando com o romance Ulisses (1922) de James Joyce, recriação moderna do mito. A partir da literatura, fazendo-a dialogar com o seu pensamento visual, a artista desenvolveu um verdadeiro périplo pictórico. A palavra périplo, originalmente, significa navegação em torno de um mar, de um país ou de um território; aqui, encontramos um circuito, aventuroso e cheio de surpresas, em torno da pintura. Partir, viajar, arriscar-se, chegar só provisoriamente ao destino, partir novamente: é assim que se desenvolve a pintura de Lenir de Miranda, que revive constantemente, na sua prática artística, o próprio mito de Ulisses.
A nova série de trabalhos abre, também, para outra problemática, simultaneamente antiga e contemporânea: as migrações, provocadas em primeiro lugar pelas desigualdades sociais que mantêm a maioria da população mundial na pobreza mais absoluta, e pelas guerras e perseguições políticas, que também surgem para manter o status quo. Mas, para a artista, as migrações têm a ver, simultaneamente, com os deslocamentos subjetivos, que engendram novas identidades. As migrações, portanto, no espaço da utopia que é a arte, celebram as possibilidades de escolha e de mudanças.
Lenir constrói essas novas pinturas, mais do que nunca, a partir de recortes e colagens, de retalhos e fragmentos: de pinturas anteriores, objetos, sucatas, elementos naturais ou manufaturados. Elas se destacam pela força da matéria e da cor, pelos jogos de formas e objetos anexados, pelas associações possíveis entre os títulos e as imagens. A sua fragmentação física e material remete ao próprio processo migratório, no qual o mundo se divide em antes, agora e depois; em lá, aqui e além – na partida, no trajeto e na chegada ao outro lugar, quando este existe.
Ao lado da nova série, algumas obras de fases anteriores estão presentes, entre as quais pinturas realizadas nos anos 1980, quando Lenir iniciou sua investigação acerca de Ulisses, pinturas da série Fragmentos da terra, apresentadas na Rússia, em 2014, além de livros de artista, assemblagens, fast-foods e os chamados “poemáticos conturbados”. Pois, embora fundamentalmente pintora, Lenir de Miranda também trabalha, desde sempre, com outras modalidades das artes visuais contemporâneas. Elas fazem parte da trajetória da sua obra, múltipla, proliferante e, acima de tudo, coerente.
Icleia Borsa Cattani
Paula Ramos
curadoras