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agosto 31, 2019
Emanuel Monteiro - Tinha textura o meu silêncio por Henrique Menezes
Emanuel Monteiro - Tinha textura o meu silêncio
HENRIQUE MENEZES
O avanço do tempo torna as memórias mais sutis, esmaecidas, no mesmo ritmo em que a nitidez da experiência se dissolve no que chamamos: reminiscências. A velocidade desse apagamento tem seu fluxo ditado por indizíveis motivos – é o caso do nosso bloqueio a experiências traumáticas ou do rememorar constante que torna certas vivências mais cristalinas por seu exercício. É nesse último ponto – em um processo metódico de reiteração das lembranças – que encontra-se a produção recente de Emanuel Monteiro: as paisagens incógnitas do passado ganham traços mais precisos, o artista avança para encontrar seu lugar.
A exposição Tinha textura o meu silêncio parece negar a verdade de que o tempo desbota o que é vibrante (literal ou metaforicamente). Nos últimos dez anos, a obra de Emanuel Monteiro caminhou para um aprofundamento da manipulação dos materiais – terra, sementes e flores transmutam-se em pigmentos – trabalhados pela aplicação sucessiva em técnicas de aguadas, aquarelas, pontas-secas. As materialidades empregadas e sua tatilidade evidente, bem como o exercício de recorrer às memórias pessoais proporcionam uma formulação peculiar da paisagem: de pinturas abstratas a desenhos com poesias manuscritas, de raízes brutas em seu horizonte natural a móveis em ambientes domésticos. O artista alinha a tríade corpo-casa-paisagem para propor uma relação dialética entre o espaço interior e o espaço exterior: sua investigação tem sugerido a transposição do tão-pouco em significado superior.
Recorrente em seu trabalho, o uso da palavra escrita sempre funcionou enquanto potencial de evocação, encarnação e formação de imagens. Agora, sua caligrafia mostra-se voraz. Já na antessala do espaço expositivo, circundando a histórica escadaria da Galeria Mamute, o artista realiza uma obra in situ onde cunha um trecho de Drummond diretamente nas paredes. Para Emanuel, o ato de escrever reivindica não somente o anseio pela manutenção da lembrança, mas também a possibilidade de seu esquecimento – presente aqui na natureza temporal da ocupação do espaço. Após este prelúdio, a mostra evolui reiterando elementos que aos pouco dão identidade à trajetória do artista: observam-se tintas produzidas com terra de Minas Gerais e do Paraná, assim como a composição fragmentada das folhas de papel perfeitamente alinhadas – tudo tão familiar se não fosse a amplificação das relações de tensão e trégua.
Ao esquivar-se dos limites ortogonais do papel, a obra Sal da terra: enquanto os homens dormiam encerra a mostra marcando uma expansão escultórica da terra que se converte em barro e ganha forma em um vaso. Uma passagem ontológica, de materialidades e de necessidades, entre um momento de ruptura e um ato de construção. Partido, o vaso sugere a narratividade da sequência interrompida, índice de algo que foi, de obra una, agora contaminado pela luminosidade de um projetor de slides.
E quando a luz se eleva, Emanuel escolhe a sombra, evita a exacerbação do gesto. É essa contenção que não o deixa ser piegas, quando estanca um passo antes do exagero visceral que a investigação memorialística poderia sugerir. "Tinha textura o meu silêncio" deixa mais visível o peso do trabalho de Emanuel Monteiro, as manchas turvas enegram-se, as obras são carregadas, são pesadas (na aplicação mais modesta desse termo). Sente-se o peso da memória, da verdade, da cor. O peso da consciência, da matéria, o peso nos ombros. A aspereza da palavra proferida. Ou o peso do silêncio.
Henrique Menezes
Curador da mostra
Agosto/ 2019