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junho 28, 2018
Luz encarnada em corpo/Corpo evanescido em luz por Douglas de Freitas
Luz encarnada em corpo/Corpo evanescido em luz
DOUGLAS DE FREITAS
O chiaroscuro, que nasce na pintura renascentista do século XV, é uma estratégia para a representação dos contornos. Com ela, os objetos e figuras das pinturas deixam de ter contornos lineares, passando a ser definidos por imersão em luz ou sombra.
Albano Afonso produz em suas obras uma reflexão sobre a tradição da história da arte. Seus trabalhos partem dos gêneros e temáticas provenientes principalmente da história da pintura, em que, não por coincidência, a questão “luz e sombra” se apresenta como elemento central. São luz e sombra, ou o chiaroscuro, que conferem volumetria às pinturas de natureza-morta, dramaticidade às pinturas históricas, mistério e melancolia às pinturas de paisagem, poder e força aos retratos e autorretratos. O princípio primário de fidelidade na captura do real aos poucos passou a dar lugar a estratégias de expressão; trazer à luz ou deixar-se esvair na escuridão passa a ser ferramenta compositiva conceitual na pintura.
A ideia de binômio se apresenta; afinal, luz e sombra, apesar de opostas, andam sempre ligadas e são inseparáveis. A existência de uma depende da ausência da outra, ou de uma constante batalha de existência compartilhada. Para além desse princípio físico, a ideia de oposição e dependência entre luz e sombra se amplia como metáfora estabelecida, também pela tradição, para diversos outros binômios como bem e mal, esclarecido e misterioso, sagrado e profano, vida e morte, entre tantos outros.
As imagens, instalações e objetos de Albano Afonso estão irradiados por essas ideias. Os trabalhos produzidos pelo artista constantemente fazem menção a pinturas consagradas pela história da arte; ou, se não mencionam diretamente, são compostos a partir de elementos que deixam claro a referência a elas.
Suas esculturas são naturezas-mortas de luz. Em Natureza-morta, ossadas, frutas e jarros revestidos de espelhos perdem a definição clara que suas matérias lhes conferem para refletir luz. Perdem também identidade, viram apenas formas ausentes de alma. A matéria viva suscetível às ações do tempo está cristalizada e agora é perene. Enclausurados em uma caixa de vidro, esses objetos estão ao alcance da luz e da visão, mas indisponíveis ao toque. Residem ali, eternizados, porém mortos.
Em O lobo e os pássaros e em O pássaro e os lobos as peças que formam a escultura são mãos em diferentes posições. Fundidas em bronze, negam a luminescência das peças espelhadas; são opacas e densas. Banhadas por luz, projetam-se no espaço encenando a presença dos animais. Constroem a mágica de um teatro de sombras, onde uma forma é convertida em outra, e a matéria se desconstrói para revelar uma cena onírica.
Esse cenário onírico de luz – que parece viver entre momentos reais, o universo dos sonhos e as próprias referências históricas da arte – se amplifica ou se reduz em escala, mas é uma constante no trabalho.
Uma atmosfera construída por projeção e refração, onde cristais replicam ou refratam a luz atravessa as obras, e agora atravessa as salas da Casa Bandeirante. Em Anatomia da luz nº 3, galhos de árvores se juntam a cristais e ossos espelhados. As formas se misturam e se complementam, gerando outras formas. Suspensas, essas peças se movem delicadamente, rebatendo a luz nelas projetada. Surge então um espaço em constante movimento, de embate entre formas definitivas e provisórias. As peças que compõem a obra permanecem as mesmas, mas a movimentação delas criam luzes inconstantes, que dançam pelo espaço. Brilho, reflexo e refração se tornam objetos de estudo e assunto das obras.
Imagens de luzes e de brilhos e a própria paleta luminosa característica do dia e da noite, novamente binômios, assumem o espaço da Casa Bandeirante. Aqui, se vê parcialmente o artista em algumas esculturas. A presença do artista está convertida em partes do corpo fundidas em bronze, ausentes de vida, mas moldadas a partir dele. É essa a alquimia que Albano opera: luz e corpo se convertem em matéria sólida e opaca, e matéria sólida e opaca se converte em imaterialidade e luz.