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novembro 10, 2017
Rotas e histórias, pinturas e percursos por Ivair Reinaldim
Rotas e histórias, pinturas e percursos
IVAIR REINALDIM
Entre março de 2013 e junho de 2015, Bet Katona e Roberta Cani fizeram parte de um grupo de estudos sob minha orientação, cujos encontros, em sua maioria, ocorreram em um ateliê na antiga fábrica de chocolates Bhering, no Rio de Janeiro, hoje local ocupado por artistas e empreendedores da economia criativa. A cada semana líamos e debatíamos uma bibliografia selecionada – de Benjamin, a Danto e Rancière, entre outros autores – e também conversávamos sobre os trabalhos dos participantes. Nesse contexto, em algum momento, Bet e Roberta perceberam certa proximidade em seus trabalhos, o que despertou nelas o interesse em ver suas pinturas expostas conjuntamente. Nascia aí o desejo desta exposição.
O título escolhido para a mostra sintetiza, de algum modo, a natureza desse encontro. Rota pressupõe a trajetória entre um ponto e outro, incluindo todas as etapas contidas nessas extremidades. Uma rota planejada pode ou não ser concretizada, existindo mais como intenção. Uma rota já percorrida é capaz de insinuar aquilo que se manteve do plano inicial, assim como os desvios e mudanças de direção que surgiram à medida que o caminho foi realizado. Olhando por outraperspectiva, a pessoa que define uma rota possui objetivos, é movida por desejos, faz escolhas e pode ou não estar atenta aos acasos no caminho. Assim, trajetórias artísticas são compreendidas metaforicamente como rotas e, de certo modo, tanto Bet quanto Roberta apresentam singularidades em seus percursos.
Mil histórias, duas rotas evidencia um recorte da produção das duas artistas, ao apontar para caminhos individuais que por vezes se cruzam, desenvolvem-se em paralelo ou mesmo se afastam, constituindo uma narrativa em aberto. Essas “rotas”que podem ser traçadas por meio das pinturas aqui reunidas sugerem alguns itinerários no espaço expositivo, mas ao mesmo tempo, contêm em si diferentes combinações de caminhos possíveis, a partir dos percursos que cada espectador fará pelas salas e entradasdisponíveis. Embora as pinturas sejam as mesmas, dispostas a partir de certas aproximações, as histórias que elas evidenciam são inúmeras, extrapolando os limites da poética de cada artista.
Bet Katona seleciona imagens fotográficas de espaços internos e externos, privilegiando nesta exposição as cenas urbanas. Em seguida produz uma síntese, de modo a salientar certos elementos da imagem original, traduzindo-as para a linguagem da pintura. Em seus trabalhos sobressaem-se o contraste bem marcado das cores, a não presença do gesto e a simplificação das formas. Com isso, suas pinturas produzem novas experiências, convidando o espectador a habitar visualmente os espaços representados. Roberta Cani possui predileção por imagens provenientes do cinema, presentes em filmes que viu e a marcaram profundamente. Desses filmes, extrai cenas e as reinterpreta pictoricamente, produzindo modificações de modo a criar uma atmosfera específica. Embora também haja a forte presença de espaços internos e externos nesse recorte de pinturas, em grande parte de seus trabalhos destaca-se a presença da figura humana, reforçando um estado psicológico.
Embora ambas as artistas partam de imagens técnicas (fotografia e cinema), a natureza de suas pinturas, soluções técnicas e plásticas, modos escolhidos para ressaltar certa visualidade e atmosfera, demonstra que esse procedimento compartilhado com tantos outros artistas que hoje produzem pintura “de imagem” depende mais de quem conduz a operação, do que da transposição de uma imagem de uma linguagem para outra. É essa capacidade de conduzir, fazer escolhas e atribuir sentidos que acentuao caráter singular de cada poética artística. Sejam duas ou mil, variáveis são as rotas e as histórias a serem identificadas nessa trama, cabendo a cada espectador produzir suas próprias narrativas, a partir daquilo que Bet Katona e Roberta Cani disponibilizam nesse encontro.
Ivair Reinaldim
Novembro de 2017