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agosto 27, 2017
Ricardo Villa: Até começar a parecer ordem por Jacopo Crivelli Visconti
Ricardo Villa: Até começar a parecer ordem
JACOPO CRIVELLI VISCONTI
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Em mais de uma oportunidade, na hora que seu trabalho começava a seguir um caminho que lhe parecia excessivamente familiar, Ricardo Villa tem optado por transformações significativas na maneira de conceber e produzir suas obras. A razão principal para isso parece ser que o artista, de maneira mais ou menos consciente, recusa qualquer tipo de zona de conforto, como poderia vir a ser um estilo imediatamente reconhecível, ou o uso de uma única mídia. Consequentemente, além de transitar por numerosos suportes (nos últimos anos, Villa tem utilizado a escultura, a fotografia, o desenho, a instalação e o vídeo), seu trabalho responde, programaticamente, apenas às exigências do tema que ele estiver tratando, sem deixar que questões formais se sobreponham à pesquisa.
Até começar a parecer ordem, primeira exposição individual na Luciana Caravello Arte Contemporânea, é, nesse sentido, extremamente representativa do seu modus operandi: a relação entre as obras não se estabelece tanto a partir de afinidades estilísticas, quanto do substrato comum a todas elas, que é o de uma reflexão do artista sobre obras seminais de alguns dos maiores pensadores da sociedade capitalista, seja a partir de sua matriz econômica, como Adam Smith ou Karl Marx, seja no âmbito de uma visão filosófica e política, que inclui referências variadas, de Herbert Marcuse a Hannah Arendt. Nesse conjunto, um lugar de destaque cabe a Vilém Flusser e à sua reflexão sobre o papel da língua e da linguagem na criação da realidade, reflexão que se faz extremamente presente, aqui, no conjunto de obras em que a “linha-frase” do livro se torna “linha-desenho”, como o próprio artista afirma.
A investigação sobre a maneira como os pensadores que analisam a sociedade a “constroem”, por assim dizer, através da linguagem usada para descrevê-la, constitui então a matriz conceitual que confere unidade ao conjunto de trabalhos na exposição. Por outro lado, uma das questões que mais têm interessado o artista diz respeito ao papel de obras bastante críticas da maneira como o capital é distribuído na sociedade, como a maioria das que apresenta aqui: quem se interessa por elas, quem as adquire, quem é levado por elas a uma reflexão que, de outra forma, não teria feito? Seja através dos elaborados origamis feitos utilizando cédulas de dinheiro (na série Articulando Princípios: Origamis, 2017), nas delicadas topografias “desenhadas” utilizando como linhas trechos de textos clássicos de teoria econômica e política (na série Articulando Princípios: Terreiro, 2017), ou ainda nas tramas coloridas de Cruzeiro/Cruzado (2017), onde a ideia da alienação gerada pelo trabalho faz-se ainda mais evidente, as perguntas permanecem as mesmas. E o que talvez seja ainda mais significativo: elas permanecem, e irão permanecer, sem resposta. Porque estas obras não foram concebidas com o intuito de oferecer qualquer tipo de resposta, e menos ainda soluções, para a sociedade contemporânea. Silenciosa e rigorosamente, elas buscam cumprir um papel em teoria mais simples, mas de inegável importância nos tempos que vivemos: vigiar, lembrar, apontar para a origem dos desvios que nos afetam cotidianamente.
Ricardo Villa: Until it Begins to Appear Orderly
JACOPO CRIVELLI VISCONTI
On more than one occasion, as soon as his work has begun to follow a path that he finds too familiar, Ricardo Villa has chosen to make significant changes to the way he conceives and produces his work. The main reason for this seems to be that the artist, more or less consciously, refuses any kind of comfort zone, which might turn into an immediately recognizable style. Nor does he use a single medium. Hence, apart from moving from one support to another (in recent years, Villa has used sculpture, photography, drawing, installation, and video), his work is deliberately designed to respond only to the demands of the subject he is working on, without allowing formal issues to intrude upon it.
Until it Begins to Appear Orderly, his first solo show at Luciana Caravello Contemporary Art is thus highly representative of his modus operandi. The relation between works is not established either by stylistic affinities or the common substrate, which is a reflection on the seminal works of some of the greatest thinkers of capitalist society, including economists, such as Adam Smith and Karl Marx, or philosophers and political thinkers, such as Herbert Marcuse and Hannah Arendt. In the pieces included in this show, special emphasis is placed on Vilém Flusser and his reflection on the role speech and language plays in creating reality. This concept pervades this selection, in which the “prose line” of the book is transformed into “a drawn line”, as the artist himself puts it.
Investigation of the way thinkers who analyze society “construct” it, so to speak, through the language they use to describe it, thus forms the conceptual framework that confers unity on the group of works in this exhibition. On the other hand, one of the questions that have most interested the artist concerns the role of works that are highly critical of the way capital is distributed in society, as are most of those presented here. Who is interested in them? Who buys them? Who is led by them to think in a way that they otherwise would not? Whether in the elaborate origami made using banknotes (in the series Articulating Principles: Origami, 2017), in the delicate topographical “drawings” using passages of classic texts in economy and political theory as lines (in the series Articulating Principles: Yard, 2017), or in the colorful webs of Cruzeiro/Cruzado (2017), in which the idea of alienation generated by labor is even more striking, the questions remain the same. And perhaps even more significantly, they still, and always will contain no answers. Because these works were not designed to provide any kind of answer, still less solution, for contemporary society. Mute and rigorous, they aim to play a simpler but undeniably important role in the theory of the times in which we live: to look out for, memorialize and point to the origins of the challenges that affect us daily.