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julho 13, 2017
O Telescópio Interior de Eduardo Kac por Eleanor Heartney
O Telescópio Interior de Eduardo Kac
ELEANOR HEARTNEY
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A trajetória da ciência ocidental poderia ser escrita como uma história do desejo ou das tentativas de a humanidade se livrar de restrições externas. De Copérnico a Galileu até Newton e Einstein, o cenário de um mundo fixo dirigido pela Lei Divina evoluiu para outro no qual a matéria, o espaço e o tempo são mutáveis, e se interpenetram e transformam uns aos outros. Nesta narrativa, a força da gravidade é uma das limitações mais poderosas impostas sobre a humanidade, pois exerce não somente uma força física, que literalmente nos prende no chão, mas também uma força metafórica que determina os limites e a direção do possível. O nosso mapa-múndi, por exemplo, tem uma parte de cima e uma parte de baixo, alinhado de norte a sul, como se o nosso globo suspenso realmente tivesse uma correta orientação. Considere-se também a língua escrita, que vai se desenrolando em intervalos fixos de espaço e de tempo, mais uma vez como se houvesse uma orientação correta ou incorreta.
Mas, e se as restrições da força da gravidade pudessem ser suspensas — como de fato ocorre quando estamos fora da Terra? Uma experiência radical de percepção humana está atualmente sendo realizada a bordo da Estação Espacial Internacional, na qual astronautas de várias nacionalidades realizam diversos experimentos científicos. Operando numa zona livre da força da gravidade, a Estação Espacial é um ambiente onde é possível se livrar de limitações físicas, geopolíticas e disciplinares. Nesse processo podemos perguntar pela primeira vez: São possíveis novos tipos de experiência humana? Será que, sem a força da gravidade, a humanidade conseguiria superar certas divisões que foram, durante muito tempo, consideradas inevitáveis?
Telescópio Interior de Eduardo Kac aborda tais questões. A obra é parte de questionamentos de longa data acerca do que o artista chama de Space Poetry [Poesia Espacial] e foi realizada por Thomas Pesquet na Estação Espacial Internacional em 2017. A obra tem uma forma radicalmente concisa: é composta de duas folhas de papel cortadas e modeladas para formar uma palavra com três letras: MOI (significando “eu” em Francês). Para criar o M, a primeira folha é dobrada e cortada de tal maneira que, de uma perspectiva, sugere o formato daquela letra, enquanto que de outra perspectiva parece uma figura humana. Um círculo cortado e removido no meio desta folha de papel transforma-se na letra O, e também é uma abertura pela qual se insere um cilindro formado a partir da segunda folha de papel. Este se torna ao mesmo tempo "eu" e "olho" ("I" e "eye" são homófonos em inglês) — formando um telescópio pelo qual uma variedade de visões podem ser vislumbradas. Observada de um outro ponto de vista, a obra evoca a imagem de um corpo humano com o cordão umbilical cortado, transformando o Telescópio Interior em uma escultura. Fisicamente produzido no espaço sideral (a obra não foi trazida da Terra), o MOI não tem parte de cima ou de baixo e pode ser orientado em qualquer direção. Como tal, fornece um modelo para uma consciência livre da força da gravidade e um sentido radicalmente novo de subjetividade.
Telescópio Interior agrega várias preocupações do artista. Estas incluem o seu interesse de longa data pelos aspectos visuais e cinéstéticos da poesia. Aqui, flutuando livremente no espaço, este poema é dirigido igualmente a públicos terrestres e celestiais. Como tal, está em diálogo com outras obras do artista que facilitam a comunicação entre espécies e entre formas orgânicas e inorgânicas de vida. Também dá continuidade às suas obras anteriores transmitidas ao espaço sideral numa tentativa de se comunicar com seres extraterrestres. E por superar quadros de referência estritamente prescritos, a obra continua a desenvolver o sonho de Kac de uma realidade em rede, onde a mutualidade substitui relações baseadas em hierarquias e poder. Telescópio Interior, portanto, expressa uma visão utópica que aponta para além das mentalidades apocalípticas que hoje em dia restringem o nosso pensamento. Kac, ao contrário, nos oferece uma visão otimista de um futuro expandido, a ser possibilitado pela readaptação da espécie humana.
Eleanor Heartney é Crítica de Arte em Nova York e Editora Colaboradora das revistas Art in America e Artpress. Entre seus livros estão Art and Today, Postmodernism e Postmodern Heretics. Heartney é co-autora de After the Revolution: Women who Transformed Contemporary Art e The Reckoning: Women Artists in the New Millennium.
Eduardo Kac’s Télescope intérieur
ELEANOR HEARTNEY
One could write the history of western science as the story of humanity’s efforts to free itself from external constraints. From Copernicus to Galileo to Newton to Einstein, the picture has evolved from a fixed world guided by Divine Law to one in which matter, space and time are shifting entities mutually interpenetrating and reforming each other. In this narrative, gravity has been one of humankind’s most powerful constraints – exerting not only a physical force, as it literally holds us on the ground, but also a metaphoric one that determines the limits and direction of what is possible. Take for instance, our standard map of the world – it has a top and bottom, normally aligned from North to South, as if our suspended globe really had a correct and incorrect orientation. Or look at written language, unfolding in fixed frames of space and time, again with a correct and incorrect orientation.
But what if the constraints of gravity could be lifted – as they actually are in deep space? A radical experiment in human perception is currently being carried out in the International Space Station, where astronauts from many nationalities conduct a variety of scientific experiments. Operating in a gravity free zone, the Space Station creates an environment in which it is possible to shed physical, geopolitical and disciplinary limitations. In the process, it makes it possible for the first time to pose such questions as: Are new kinds of human experience possible? Would a humanity without gravity escape certain divisions long thought to be inevitable?
Eduardo Kac’s Télescope intérieur [Inner Telescope] addresses such questions. An extension of his long time concern with what he called Space Poetry, this is a work that was realized by Thomas Pesquet in the space station in 2017. The work is radically concise in form – consisting of two sheets of paper that were cut and shaped in space to create the three-letter word MOI (French for me). The M is created from the first piece of paper that has been folded and cut so that, from one perspective, it suggests the shape of that letter. From the other (or “upside down”) perspective, the form suggests the image of a human being. A hole cut in the middle of this sheet of paper becomes the O and is also the opening in which a cylinder formed from the second piece of paper is inserted. This becomes both the I and the eye—forming a telescope through which different vistas can be glimpsed. Seen from the other (or “upside down”) point of view, this cylindrical form resonates with the human form, evoking an umbilical cord cut off, thus making Télescope intérieur also a sculpture. Created in deep space, the MOI has no up or down and can be focused in any direction. As such it provides a model for a gravity free consciousness, a radically new and different sense of subjectivity.
Télescope intérieur combines a number of Kac’s ongoing preoccupations. These include his longtime interest in the visual and kinesthetic aspects of poetry. Here, floating freely in space, this poem addresses both earthbound and celestial audiences. As such, it draws on the artist’s works that facilitate communication between species and between organic and inorganic life forms. It also follows his previous works transmitted to outer space that attempt to communicate with extra terrestrial beings. And in its escape from narrowly prescribed frames of reference, the work advances Kac’s dream of a networked reality where mutuality replaces relationships of hierarchy and power. Télescope intérieur thus expresses a utopian vision that points beyond the apocalyptic mindsets that currently constrain our thinking. Instead, it offers the hopeful vision of an expansive future made possible by a reconditioned human race.
Eleanor Heartney is a New York–based art critic and Contributing Editor to Art in America and Artpress. Among her books are Art and Today, Postmodernism, and Postmodern Heretics. She is a co-author of After the Revolution: Women who Transformed Contemporary Art and The Reckoning: Women Artists in the New Millennium.