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maio 17, 2016
Quais as forças necessárias para mover o centro? por Natália Quinderé
Quais as forças necessárias para mover o centro?
NATÁLIA QUINDERÉ
Uma hipótese seria a de que, ao tecermos novas histórias e materializarmos outras imagens, enfraqueceríamos seu “campo magnético” formado por narrativas e práticas colonizadoras. Em tempos de falência das representações políticas, é preciso viajar às entranhas da terra sem medo de arrancar e digerir nossas vísceras. Os afrofuturistas de meados do século XX afirmavam que os negros precisariam colonizar o espaço para se tornarem visíveis, aqui, na terra. Olharíamos para cima esperando esses exploradores intergalácticos aterrissarem e nos narrarem suas conquistas espaciais.
Ana Hupe, em suas andanças terrestres, observou o céu estrelado à espera de heroínas negras e remexeu nossas entranhas para não se deixar esquecer da diáspora africana. A artista percorreu uma geografia impossível onde habita uma comunidade de mulheres estrangeiras – imigrantes e nômades. Em seu périplo, Hupe encontrou vestígios de explorações dos afrofuturistas, coletou depoimentos de afrodescendentes, africanas e haitianas no Brasil e na Alemanha, leu romances, narrativas históricas e imaginou um grupo de guerreiras que atravessa, como cometa, nosso passado, presente, futuro.
Nesta oficina gráfica, biblioteca e sala de leitura, os vários modos de ler e escutar desenham um lugar de encontro de vozes. Hupe entende a produção de livros, a criação de narrativas e de dispositivos de leituras como possibilidades de reparação do nosso passado colonial e projeto de futuro. A artista caminha na corda bamba. Em uma ponta, utiliza práticas semelhantes às da política colonial (coleta, análise e invenção de tipos) para ficcionalizar um sujeito que se apresenta a partir de sua mediação. Na outra, fabula as histórias vividas por essas guerreiras que foram à lua e desceram aos confins da terra. Ana Hupe abraça o risco e expõe a força coletiva necessária para mover o centro.