|
outubro 3, 2015
Transborda por Yuri Firmeza
Transborda
YURI FIRMEZA
[Scroll down for English version]
Afinal, por quê, para quê e para quem fazer mais uma exposição?
Começar por esta interrupção, por esta pergunta que poderia, quiçá, pautar projetos distintos: (...) mais um texto? (...) mais uma performance? (...) mais um...?
Pela urgência daquilo que nos pede passagem. Para destinatários possíveis e insuspeitos. Por ser impossível não inventá-los: uma exposição, um texto, uma performance... questão de vida ou morte. De vida.
Os trabalhos aproximados em TRANSBORDA operam nesta freqüência. Não se trata de configurar um gueto ou pensar a borda como limite, mas, inversamente, pensá-la como potência.
Aqui, somam-se outras perguntas: Que tecnologias sociais nos atravessam e nos apontam um suposto mundo coeso? Que processos sustentam o mito da origem fundadora e das naturalizações que incorporamos como verdades hegemônicas? O que sustenta os modelos vigentes e submissões como condições naturais orquestrada por pactos totalizantes? Que produção política e posição estratégica está em jogo quando discursos públicos sancionam certos modos de existir? E, sobretudo, como incorporamos, sustentamos e reiteramos tais demarcações no corpo?
A arquitetura do corpo - e todo o emaranhado citacional, iterável, discursivo e prostético - é política, nos lembra Paul B. Preciado. É esta dimensão política, “do corpo como lugar de inscrição da história”, aquilo que pede passagem nos trabalhos aqui expostos. Não há um modus operandi comum à todas as obras, mas justamente o esfacelamento dos modelos pré-estabelecidos de vida.
Os procedimentos são múltiplos e distintos: a exploração de zonas erógenas para além dos órgãos que convencionamos entender como sexuais, por exemplo, no vídeo em que Orlando Maneschy lambe e chupa um sovaco; as paródias e as intervenções em revistas e códigos publicitários, como nos trabalhos de Peter de Brito e Pitágoras; as práticas domésticas e íntimas tomam outras dimensões e borram as fronteiras entre público e privado nos trabalhos de Breno Baptista e Filipe Acácio; os corpos juvenis, tímidos e arrebatadores pintados por José Leite; as travestis que deflagram o caráter performativo do próprio gênero nos videos de Solon Ribeiro, Virgínia de Medeiros, Barbara Wagner e Benjamin de Burca e na série fotográfica de Orlando Maneschy; a performance com o show de Verônica Decide Morrer.
Tais trabalhos produzem deslocamentos, fissuras ao gêneros dominantes, criticas cáusticas ao heterofalocentrismo. A potência disruptiva do corpo, o inominável, em tais trabalhos é o que move o desejo de estar junto. Um corpo não contido. Um corpo experimentado em sua enésima potência, eis o que nos leva a fazer mais uma exposição, um texto, uma performance, um...
Transborda
YURI FIRMEZA
After all, why hold another exhibition? For what reason, and for whom?
We begin with this pause, with this question which could perhaps apply to various projects: (...) another text? (...) Another performance? (...) Another...?
For the urgency of what is requesting passage. For possible and unsuspected ends. Because it’s impossible not to invent them: an exhibition, a text, a performance. It’s a question of life or death. Of life.
The works featured in TRANSBORDA [TRANS-OVERFLOW] operate on this frequency. It’s not a question of configuring a ghetto nor of thinking about the border as a limit - rather, it is seen as a potential.
Other questions also arise here: Which social technologies pervade us and indicate to us a supposedly cohesive world? What processes sustain the myth of the founding origin and of the naturalizations that we incorporate as hegemonic truths? What sustains the prevailing models and submissions as natural conditions orchestrated by totalizing pacts? What political production and strategic position is at play when public discourses sanction certain modes of existing? And, above all, how do we incorporate, sustain and reiterate such demarcations on our body?
The architecture of the body - and the entire citational, iterable, discursive and prosthetic tangle - is political, it reminds us of Paul B. Preciado. This political dimension, "of the body as a place of the inscription of history", is what asks for passage in the works displayed here. There is no single modus operandi common to all the works; rather, we find the destruction of the preestablished models of life.
The procedures are multiple and distinct: the exploration of the erogenous zones beyond the organs that we conventionally understand as sexual, for example, in the video in which Orlando Maneschy licks and sucks an armpit; the parodies and the interventions in magazines and advertising codes, as in the works by Peter de Brito and Pitágoras; the domestic and intimate practices which assume other dimensions and blur the borders between the public and the private in the works by Breno Baptista and Filipe Acácio; the shy and ravishing juvenile bodies painted by José Leite; the transvestites who electrify the provocative character of their gender in the videos by Solon Ribeiro, Virgínia de Medeiros, Barbara Wagner and Benjamin de Burca and in the photographic series by Orlando Maneschy; and the performance with the show by Verônica Decide Morrer. These works produce displacements, fissures in the dominant genders, caustic critiques of heterophallocentrism. In these works, the disruptive potential of the body, the unnameable, is what drives the desire to be together.
An uncontained body. A body experienced to it's nth degree - that is what leads us to produce another exhibition, a text, a performance, a...