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julho 22, 2015
Re-signagens audiovisuais por Lucas Bambozzi
Re-signagens audiovisuais
LUCAS BAMBOZZI
No mundo analógico havia paradigmas interessantes. Havia ruído, quase sempre, tanto em som como em imagem. A informação, tida como sinal, transitava entre circuitos e mídias, se misturando a ruídos. Em termos técnicos, buscava-se a predominância do sinal sobre o ruído. A tal relação sinal-ruído era linha importante nas especificações de equipamento de áudio hi-fi (alta fidelidade). Como o termo não se presta apenas ao mundo técnico, cabe questionar que fidelidade seria essa (em um extremo: ao sinal ou ao ruído?). Essas e outras dicotomias entre o analógico e o digital podem se mostrar irrelevantes.
Em projetos como o ON_OFF, fica mais claro imaginar que o ruído pode ser informação, pode haver algo mais nas entrelinhas dessa “signagem”, e a informação pode ser eloquente e expressiva, mesmo onde o sinal é subtraído, em experiências que retomam elementos essenciais da imagem e do som, onde não cabem mais as oposições entre sinal e ruído, por exemplo.
A programação deste ano arrisca indícios de uma nova configuração do audiovisual ao vivo, em diálogo com possibilidades de enunciação do básico, do que ainda pode haver de específico nessas linguagens, ou “signagens”, como sugerido no título – e retomado ao final deste texto.
Novamente, neste ano temos uma apresentação inicial que despersonifica o artista. Em POWEr, do duo canadense Artificiel, o palco encontra-se vazio. O que vemos é talvez a situação mais emblemática possível para um projeto como o ON_OFF: uma faísca, capturada em plena descarga de uma grande bobina de Tesla. O acender e o apagar daquilo que é a essência fundamental dessas artes: a eletricidade. Através dela, aí sim, o transistor, o chip, a projeção, os zeros e uns do digital, a manipulação do ritmo, a suspensão do tempo, a construção de sentido.
Na segunda noite temos uma apresentação que busca a essência da imagem: luz e sombra. Luz como partícula, como matéria em trânsito no espaço, visível, perceptível, tátil, como material bruto (e leve ao mesmo tempo), em estado essencial. O duo Mirella x Muep realizam uma performance inédita, em formato duplo, em cores de tonalidades igualmente básicas: Branco e Chumbo. O projeto encerra sua Trilogia das Cores (Branco, Cinza e Chumbo – de certa forma, entendidas como não-cores), em uma narrativa audiovisual criada a partir de luz e som. Segundo os autores, uma cor que não é considerada cor pode transitar por locais múltiplos e consequentemente mais profundos e complexos, sem que lhe atribuam características pré-definidas ou estigmas que as encarceram. Uma 'não cor', pode possuir em si todo o espectro visível e invisível. É dado o espaço e o tempo para se imaginar. Há algo da alegoria da caverna de Platão, em um ambiente imersivo, hipnótico, preenchido pelos elementos mais primordiais do cinema.
Na terceira noite, temos elementos de distinção e classificação. Os reinos essenciais e um modelo de divisão: o mundo reduzido a mineral, vegetal e animal. Em uma espécie de laboratório montado no palco, Fernando Velázquez não segue o modelo de Linnaeus do século XVII, mas se vale dele como artifício para criar um inventário em tempo real, explorando as qualidades visíveis e invisíveis de seres e coisas, em formas de captura e sampleamento que se cruzam em circuitos analógicos e digitais, para além de suas "naturezas" previas. Nessa apresentação também inédita, intitulada Reino, Velázquez questiona o digital, em arguições endereçadas aos pensadores de suas especificidades – e as respostas são parte integrante da performance.O meio, em suas linguagens limítrofes, buscando escapar de categorias estanques, produzindo sentido justamente em sua ecologia de signos. A última apresentação é do duo Tetine, com o projeto The 4th World, também desenvolvido especialmente para o ON_OFF. O trabalho evoca as promessas de futuro que permeiam o imaginário ligado às tecnologias. Como ilusão ou como falácia, é um 'futuro-mentira' que nunca chega, a expectativa típica de um mundo temeroso, incerto.
O Tetine pensa imagem e som a partir de conceitos intercambiantes, que vão alimentar e conduzir tanto um como outro. Elementos formalistas, cotidianos, textuais, motivos teóricos, tudo tende a ser desconstruído tanto em termos de sons como em imagens. Em um cenário eco-catastrófico, em situações de precariedade, toma lugar a impossibilidade de ‘troca’ (afetiva, cultural, psicológica, linguística ou emocional).
De certa forma The 4th World enseja também uma volta ao básico. São grandes questões, essenciais, que pedem por alguma transcendência, no tempo presente, e não no futuro. Para dar conta desse discurso, o verbo pede auxílio a outros elementos de linguagem, visual e sonora.
Pois bem, 'signagem' foi um termo difundido por Décio Pignatari para se referir a códigos icônicos e audiovisuais, que se diferenciariam dos códigos verbais. Aqui a referência teria a ver com construções onde o sentido é criado a partir do atrito de referências, em confluências de signos, em busca de uma relação sinal-ruído que permite que tudo signifique, de forma expressiva. Um complexo 'intersigno', como queria o poeta e semioticista.
Se o contexto e objeto da 'signagem pignatariana' era a TV, aqui é um conjunto de experiências visuais, que retomam formas expressivas sempre rejeitadas pela TV: o tempo morto (!?), a imagem incompleta, o intercâmbio som-imagem, a economia verbal, o flerte com funções cinemáticas essenciais, o encontro social como parte da fruição audiovisual, um desejo de sinestesia, a partilha de sensibilidades nesse processo todo.
Temos então um conjunto de apresentações que retomam a natureza eletro-eletrônica embutida no digital. São fabulações em torno dos meios, da ecologia das mídias, da representação possível a partir de uma redução voluntária da informação. De volta ao básico, a uma essência perdida nos discursos de sedução. Em processos de experimentação genuína, nos convidam a separar os meios de seu discurso automatizado.