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julho 14, 2015
O tempo e os tempos por Daniela Bousso
O tempo e os tempos
O tempo e os tempos, Galeria Carbono, São Paulo, SP - 28/05/2015 a 18/07/2015
O percurso do meio fotográfico vem ligado à história das técnicas e da reprodutibilidade e passa por três grandes revoluções que marcaram a vida do homem moderno: a revolução industrial no Sec. XIX que trará a fotografia seguida do cinema em 1895, a revolução eletro-eletrônica no Sec. XX e a revolução digital a partir dos anos 1970.
Com a revolução eletro-eletrônica, logo nas primeiras décadas do Sec. XX vem o rádio e mais tarde a TV. A videoarte nasce após o aparecimento da televisão; eis uma mídia de matriz fotográfica que emerge de um lugar de passagem entre fotografia, cinema e TV.
Uma transformação radical do sistema de representação em sistema de imagens era operado por Warhol e pela Pop Arte a partir dos procedimentos ligados à fotografia nos anos 60, quando foram alavancadas as estratégias de serialidade das imagens. Mas todos estes meios pertencem, ainda, ao território do fotográfico.
Para Antonio Fatorelli, são “mídias de base fotoquímica que terão as suas singularidades redefinidas e problematizadas com as tecnologias informáticas”.
A era do digital é inaugurada a partir de 1970 e a seguir as décadas de 80 e 90 – com a entrada dos PCs de forma mais radical no mercado informático – recolocam os meios fotográficos, cinematográficos e videográficos em xeque. Segundo Fatorelli,
a passagem do sinal de luz para o sinal eletrônico marca a transição da modernidade para a contemporaneidade, colocando em perspectiva os valores materiais e simbólicos associados à representação fotocinematográfica baseada no modo analógico de inscrição, projeção e difusão da imagem.
Hoje na era do pós-fotográfico as possibilidades de manipulação da fotografia, propiciadas pelas imagens algorítmicas, ou de síntese numérica do digital, nos colocam diante de paisagens ficiconais, mundos inventados e alterados com suas formas, lugares e cores modificados. Nunca mais poderemos afirmar com convicção que o que estamos vendo em uma fotografia seja uma prova do real ou mesmo um documento, que possa atestar qualquer tipo de verdade.
Ao abordarmos a história da recepção e a da percepção mediadas pela fotografia, pelo cinema e pelo vídeo, a ideia foi contextualizar o que está presente aqui e também indagar: de que modo os curadores podem produzir espaços instigantes para a experiência de cada um e não só na estética?
Os 16 artistas que apresentamos friccionam as passagens entre os meios e trabalham com questões referentes ao tempo, à urbanidade e a conflitos, tais como o do meio ambiente e seus embates.
“O tempo e os tempos” é uma exposição que buscou articular parte da produção artistística que gera tensões e trabalha com a perspectiva de contágio e de intersecção entre diferentes linguagens. Estas obras confirmam que a fotografia não parou de se reiventar. Se no Sec. XIX a sua querela era com a pintura e posteriromente ela duelou com o cinema, agora ela negocia com o cinema e com o video.
O legado da fotografia tem sido fundamental para a transformação radical das artes. Ela expandiu a arte a um grau de flexibilidade só concebível em nossos dias. Tudo isto incide sobre o caráter híbrido da arte contemporânea, aonde as fronteiras entre e os meios tem estado cada vez mais difusas, cobrindo a arte de complexidade.
É neste jogo imbricado das mudanças e dos deslocamentos ocorridos entre os anos 1970 e hoje que foi pensada esta exposição. Aqui nos deparamos não só com experimentos artísticos que explodem limites em relação à fotografia e ao vídeo, mas estamos diante de uma arte capaz de expressar vozes coletivas, via um cotidiano colocado em relação com os conflitos da realidade.
Assim esta arte, que lida com os intervalos entre possibilidade e impossibilidade, nos abre um campo de percepção ampliada e pode ser lida como vetor de mediação e transformação dos espaços pessoais, transpostos para o universo dialético da experiência social.
Daniela Bousso
Maio de 2015