|
novembro 3, 2014
Fireworks, glitter & garbage por Mario Gioia
Fireworks, glitter & garbage
MARIO GIOIA
Renata Egreja - Idílio, Zipper Galeria, São Paulo, SP - 05/11/2014 a 02/12/2014
Caso Idílio, segunda individual de Renata Egreja na Zipper, pudesse ser resumida em uma só palavra, poderia ser “pregnante”, mais em seu sentido de “inventivo”. Ou “potente”. É difícil não se deixar levar pelo fio pictórico muito livre, pleno de possibilidades e preenchido por cor e matéria nas pinturas, desenhos, instalação e livro de artista exibidos no espaço expositivo. Sob um conceito de pintura expandida é que Egreja coloca sua obra multifacetada pela galeria, e é perceptível como a artista paulista une referenciais diversos que permeiam desde sua formação na Escola Nacional Superior de Belas Artes, em Paris, instituição com professores como Giuseppe Penone e Christian Boltanski, sua vivência no circuito internacional, ao visitar mostras de artistas como Annette Messager, e a influência de expoentes da geração 80 brasileira, como Leda Catunda e Beatriz Milhazes.
Muito da atual produção agora vista também acompanhou por meses a experiência da primeira gravidez e a mudança de ateliê, de São Paulo para Ubatuba, em uma área à beira da Serra do Mar, com vultosos trechos de Mata Atlântica preservados. Sem ser biográfica, Idílio enfatiza o vigoroso embate entre o intuitivo e o racional, o acidental e o planejado, por exemplo, e faz com que na apreensão dos vetores poéticos seja perceptível que trata-se de uma jovem artista _ e que distancie-se o aspecto malfeito e iniciante de uma obra, longe disso.
A tela que dá título à exposição pode exemplificar tais questionamentos. Idílio tem grande escala – mede 2,20 x 1,70 m – e parece retratar uma explosão de fogos de artifício, talvez à beira-mar, num Réveillon de outrora. Mas também não. O dripping sobre a superfície amarelada, as formas cônicas/cilíndricas que se esforçam em sedimentar a leitura vertical da composição, aquareladas, que ajudam no caráter ‘desfeito’ do conjunto, o chassi marcado por descartes do fazer e por materiais como a purpurina _ e que apenas podem ser conferidos na observação física do trabalho, o que reserva à peça ainda mais singularidade _ , todos são elementos que contribuem para a impureza de tais obras e para uma condição contemporânea mais ligada à instabilidade e à fricção do que à harmonia e à placidez. Pois Egreja habilmente lida com o universo algo festivo dessa brasilidade propalada em meios hegemônicos, contudo sempre quer que se questione o que vemos. Afinal, chegamos a um idílio manifestado e almejado em programas de arte passados, como o romantismo, ou, quase de modo paradoxal, as superfícies e aparências em vigência deixam estancadas inquietudes e conflitos que têm tudo para serem deflagrados em momentos precisos da história?
Nicuala, outra grande tela - mede 1,45 x 1,35 m -, também corrobora para esse âmbito experimental – sim, a pintura pode ser experimental, não é apenas status de trabalhos audiovisuais e ‘tecnológicos’, como vende parte de uma crítica monotemática –, ao justapor um planejamento de padrões, via grides geométricos, e essa linha inquieta, que prima pelo levar, mas que talvez não tenha um destino determinado, em meio aos respingos, manchas e pontos da própria materialidade pictórica dispostos no quadro.
A partir dessas e de outras obras da exposição, podem ser citados alguns dos itens que Claude Viallat, nome-chave do movimento francês Supports/Surfaces, enumerou décadas atrás, aproveitando a eclosão do agrupamento _ ativo em trajetórias individuais já no final dos anos 60 e que ganha o status de movimento em 1970, com o ‘batismo’ feito por Vincent Bioulès. “Considerar o espaço real, opor-se à visão monocentrada do espaço renascente. Ver a pintura como uma topologia”, manifesta-se Viallat, na primeira de 11 notas que irão nortear a sua produção desde aqueles anos. Egreja concorda com a influência da corrente S/S e desdobra os anteriores preceitos para os dias atuais, algo mais virtuais, cínicos e de circulação maximizada. A topologia destacada por Viallat ganha corpo em Idílio com Livro Chinês, livro de artista em que metros e metros dos traços realizados pelo gesto da artista, durante meses, vêm à luz para o mundo num amálgama de cores, linhas e marcas que lidam tanto com o intimismo de um registro de diário íntimo quanto com a expansividade de uma produção multifacetada e que configura leituras variadas. “Quando todos os olhos olham para você”, escreve a artista numa das páginas. Um bom fecho para Idílio seria adentrar a casa-tela construída por Egreja para ser paradigmática nesse seu caminho de pintura expandida. Um abrigo pictórico, um casulo de cores, um chassi desprendido de suportes. “Trabalhar tudo que foi recalcado na pintura tradicional (direito/avesso, tensão/distensão, moleza/dureza, umidade, impregnação, formato etc.)”, frisa Viallat, novamente, nesse guia para tempos nada idílicos.