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abril 12, 2013
Figuração construtiva de luz e sombra - Hildebrando de Castro por Fernando Gerheim
Figuração construtiva de luz e sombra - Hildebrando de Castro
FERNANDO GERHEIM
Hildebrando de Castro, Artur Fidalgo Galeria, Rio de Janeiro - 19/04/2013 a 11/05/2013
Hildebrando de Castro expõe trabalhos recentes que jogam luz – e sombra – na fronteira entre pintura e objeto, figuração e abstração. O artista pinta janelas com um elemento icônico do modernismo brasileiro, o brise-soleil: lâminas, móveis ou não, que quebram o sol, mas deixam entrar o ar, impedindo o calor excessivo no interior do edifício. Esta adaptação da arquitetura moderna aos trópicos, usada por Le Corbusier pela primeira vez no Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, é utilizada pelo artista não como funcionalidade, mas como imagem. O brise-soleil cria na fachada um jogo geométrico e cromático de formas que se multiplicam e modulam sutilmente.
Envolvido por esse sedutor jogo ótico, o observador vai percebendo que está diante de uma série de sinais trocados. As pinturas simulam ser abstratas, mas são figurativas: Hildebrando reproduz minuciosamente fachadas reais, enquadradas de modo a parecer abstrações geométricas. Operação similar: corremos os olhos pelas frestas do brise-soleil pintado, ao mesmo tempo impedidos e impelidos a ver dentro dele, de repente notamos que são lâminas tridimensionais. O artista leva suas janelas mais longe que as uvas de Zeuxis. É como se a imagem tivesse passado por uma impressora 3D. Mas se olharmos as lâminas concretas na caixa de MDF e tentarmos devassá-las, encontraremos apenas a fachada, a superfície entreaberta por onde a luz entra na sombra. As técnicas do tromp l’oeil são usadas para obter o seu avesso: a escura da invisibilidade.
Esses trabalhos talvez tornem mais claro certo paradoxo essencial. Há algo de contraditório em utilizar a representação clássica para recriar corações viscerais, com sangue e veias, ou barbies de muleta com perna mecânica, entre outros personagens bizarros ou mesmo abjetos. O artista está reproduzindo de modo canônico um mundo desnaturado, fantasista, profano. O método que imita a visão natural é usado por ele para tornar visível o que não se vê a olho nú. Esse choque é visível quando o artista ilumina a cena em seu ateliê como num teatro, com luz dramática, para fotografá-la e depois desenhar e pintar na tela a imagem fotográfica.
A nova série, em parte, rompe com isso. As fachadas não são encenadas em seu ateliê, existem no espaço exterior, na arquitetura de Brasília, São Paulo ou Londres. Sua única narrativa é o movimento da luz e da sombra. Mas a pintura agora é uma janela que dá para outras janelas. Ao jogar drama sobre o elemento formal e racional, e usar a representação realista para fazer geometria abstrata, Hildebrando leva o paradoxo presente em seu trabalho ao extremo. E aí é possível ver continuidade que não exclui transformação.
Antes coadjuvante, a luz passa a ser protagonista. Parte dela passa, outra fica, criando sombras. O encontro inusitado de figuração e abstração, pintura e objeto, nos faz indagar, talvez nostálgicos, talvez intrigados, talvez tecendo tramas entre camadas de cultura, sobre a memória construtiva no contemporâneo mundo de imagens.
Fernando Gerheim