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novembro 13, 2006
Alucinete's news, por Angélica de Moraes e Juliana Monachesi
Alucinete's news
UMA CONVERSA ENTRE
ANGÉLICA DE MORAES E
JULIANA MONACHESI
Duas críticas de arte percorrem algumas galerias de São Paulo no sábado à tarde da primeira semana de novembro (dia 4/11, para ser mais exata), quando todo o auê paralelo à Bienal começa a terminar, e tecem seus comentários sobre as exposições em uma conversa eletrônica bem-humorada, como foi o tour pelas galerias (Oeste, Virgilio, Baró Cruz e Triângulo), com direito a momento foto-com-máscaras-do-avaf, entre outras estripulias, afinal, crítico de arte também se diverte!
Angeli: Gostei demais dessa tua idéia, Jul, da fazer duplas para visitar exposições. A primeira, com o Guy, ficou ótima. Traz um grande frescor à prática da crítica, geralmente tão sisuda, tão ensimesmada. Fica um registro mais ágil e apropriado ao "e-meio": jogo rápido, bate bola de palavras e imagens. Cada vez mais acredito no diálogo. É algo essencial para arejar opiniões e não cair no dogmatismo. Valeu! E vamos nessa...que está bom a beça!
Jul: Você logo chamou a atenção nessa obra do Eduardo Coimbra para a questão da perspectiva; afinal, por que esse seu encantamento com artistas que lidam com a perspectiva na produção contemporânea?
Angeli: Penso que o crítico de arte fica refém da obra que mais estudou. Em 1995, mergulhei no estudo da perspectiva e das distorções perspécticas para ter repertório para organizar um livro sobre Regina Silveira. Desde então, fiquei refém desse assunto. Virou mania. É algo riquíssimo, que vem da Renascença e se desdobra até o contemporâneo. Eduardo Coimbra é um exemplo dessa contemporaneidade que deriva da perspectiva. Adriana Varejão, em suas obras mais recentes, também. Aliás, acompanho a obra de Coimbra desde o início, quando vi uma obra dele em uma coletiva de jovens no Paço Imperial do Rio de Janeiro e jamais me esqueci. Talvez pelo vigoroso acento surrealista. Eram as patas empalhadas de um cachorro, colocadas como se o animal, ausente, estivesse caminhando no chão da exposição. Canis in absentia. Atualmente a obra de Coimbra tem uma predominância construtiva, mas sempre surge aqui e ali esse fascínio pelo repertório surreal, especialmente a imagem-símbolo da nuvem e dos territórios suspensos em espaços imaginários ...
Jul: Muitas vezes em visitas a galerias eu prefiro as obras que ficam nos bastidores; me chamou a atenção esse trabalho do Coimbra porque eu já o conhecia, mas em sua versão "virtual". Literalmente: vi em uma coletiva n'A Gentil Carioca, no Rio, uma fotografia dessa estante. Colada diretamente à parede, dava a impressão de tridimensionalidade. Conhecendo agora o trabalho "original", penso naquela instalação que o Nelson Leirner fez na Britto Cimino uns anos atrás, quando ele fez vir do Rio sua enorme estante, com todos os livros e traquitanas que ele mantém em sua biblioteca, e expôs, diante dela, uma fotografia da própria, em escala natural, deixando tudo bem simétrico. No final das contas, livros não deixam de ser virtualidades, porque têm lá sua vida própria na nossa cabeça. E, no caso da estante do Coimbra, os títulos tão sugestivos, a gente nem precisa abrir os livros.
Angeli: Também tenho esse fascínio por ver os bastidores, o acervo das galerias, aquelas obras que estão nas paredes do escritório do marchand... ou na casa dele. Há sempre nesses locais as coisas mais importantes que passaram pela galeria ao longo dos anos. Em 2005, organizei uma exposição coletiva para a galeria da Raquel Arnaud quase que exclusivamente com peças que fui buscar na casa dela. Obras de qualidade museológica, fantásticas. Peguei aquilo tudo sob protestos bem-humorados dela, de que eu estava estragando a decoração para um jantar... Mas bem que ela gostou. A exposição refletiu essa extrema coerência de Raquel com a herança do concretismo e do minimal.
Jul: Adorei a pintura do Marcus André na galeria Virgilio. Adorei a escala, adorei o fato de ele ocupar a sala de exposição com uma única obra (por sua vez desdobrável em inúmeras outras), e, principalmente, me interessa nessa pintura - digo em comparação com as pinturas dele da década de 1990 que eu conheço - o quanto ela parece contaminada por um "horizonte midiático". Essas cores que tenho visto na pintura contemporânea (Henrique Oliveira, Teresa Viana, Tatiana Blass) não vêm do mundo, não são naturalistas, nem naturalizadas (ainda): são cores virtuais, decorrem de uma observação e experiência do mundo permeado pelas mídias. Mas é você a teórica da relação entre pintura e novos meios, Angélica. O que achou da obra dele?
Angeli: Marcus André é um excelente pintor, dos melhores em atividade. Admiro seu senso de composição. Essa pinturona na Galeria Virgílio é um exemplo disso: cada módulo tem uma composição absolutamente equilibrada e autônoma que, por sua vez, se articula e harmoniza com o todo. Isso é façanha de gente grande. Quanto às cores, essa tua observação é muito boa. Realmente há na pintura atual uma contaminação da paleta virtual, tons que migram dos pixels das telas eletrônicas virtuais para as telas "analógicas". Vejo uma dupla contaminação: também há aí aquela que vem da história da pintura via fauves. Mas neste trabalho as cores são detalhes. Tudo foi estruturado por meio de uma malha gráfica. É pintura/desenho. Essa característica de desenho também se pode observar na obra de José Rufino, embora seja uma escultura. Esse trabalho é fortíssimo: uma cadeira enraizada remete ao tempo coagulado, imóvel, das repartições públicas e da burocracia. Um tempo revirado e subvertido (ainda bem!) pela arte.
Jul: Como eu adorei sua interpretação sobre essa obra do José Rufino, nem vou falar dela. Mas, logo atrás da escultura tem um objeto (um ready-made retificado, digamos...), feito pelo Nino Cais, que gostaria de comentar: acho curioso que essa obra fuja um pouco da linha dele de pesquisa estética e mesmo da visualidade mais conhecida dos trabalhos dele, e, entretanto, dialogue tão bem com esculturas da Mona Hatoum, o que de certo modo ilumina toda a sua obra. Ainda sobre as obras nessa foto, lá no fundo também dá para ver os carretéis do Eduardo Frota. Vês alguma relação possível entre ele e Iberê?
Angeli: Muito bem lembrado, Jul. Nino Cais e Mona Hatoum têm tudo a ver. Lembra daquela cadeira de rodas com facas, de Mona Hatoum? Mas isso não é demérito para Nino. É sintonia com coisas relevantes do cenário internacional. Acho muito forte essa soma de cadeira com foices. Remete à cadeira de balanço, à velhice e à morte, que _não por acaso_ tem na foice seu símbolo maior. Quanto aos carretéis, sem dúvida que remete a uma gravura em metal antiga de Iberê, quase que exatamente nessa configuração. Talvez uma homenagem. Isso é uma das coisas que acho mais fascinantes em arte: quanto mais você vê, mais você vai estabelecendo relações possíveis ou prováveis. É quase um "ateliê imaginário", para parafrasear o Museu Imaginário do Malraux...
Angeli: O que atrai meu olhar para este trabalho de Osmar Pinheiro é novamente a perspectiva, aqui referida nas amplidões das estradas. Mas essa é apenas a primeira e epidérmica leitura da obra, que me seduz pela sofisticação da fatura e pela poética, sutil e poderosa. Vejo uma reflexão sobre o tempo e a vida, sobre uma existência articulada de instantes, trajetória orientada pelo objetivo. Observo como Osmar dividiu a imagem em módulos que contribuem para o todo. Lamento demais a morte prematura desse artista. Tive o privilégio de acompanhar boa parte da sua produção, especialmente desde o retorno da Alemanha, no final dos anos 1980, quando trouxe uma impecável técnica de encáustica que ficou gravada na minha memória. Lembro que Osmar fazia uma síntese muito pessoal da angst (angústia) alemã derivada do expressionismo com essa vontade solar de construção formal enraizada em nossa própria contemporaneidade.
Jul: Nas fotos acima temos, à esquerda, a escultura Sapatos de pedra e um horizonte aberto que está sempre mais além (Asas), de Isaque Pinheiro, e a obra Mala do meu corpo... (Do meu umbigo de prata/Do meu beijo de prata/Do meu dedo de prata/Do meu mamilo de prata), de Rute Rosas, dois artistas portugueses que a galeria Virgilio apresenta em paralelo à individual de Marcus André. Eu sempre me espanto com a qualidade da arte portuguesa e, mais ainda, com a minha absoluta desinformação acerca da produção contemporânea em Portugal. Não seria de se esperar, pelo histórico entre os dois países e a línga em comum, que conversássemos mais culturalmente? E, no entanto, toda exposição com artistas portugueses é para mim sempre essa experiência de espanto e estranhamento.
Angeli: Pois é, Juliana. Aí a gente vê o quanto Marcantonio Vilaça faz falta no circuito. Foi na galeria dele, então Camargo Vilaça, que tomei contato pela primeira vez com toda uma nova geração de artistas que começava a despontar no cenário internacional no início dos anos 1990. Foi lá que vi e escrevi pela primeira vez sobre Rui Chafez e Cabrita Reis, dois nomes fundamentais na atualidade. Na época, eram quase desconhecidos. É ótimo ver que a Galeria Virgílio está buscando refazer esse contato mais estreito com Portugal. Tem tanta gente boa...
Jul: Sobre a exposição assombrosa e impecável de Jac Leirner na galeria Baró Cruz, tomo a liberdade de reproduzir aqui um pequeno texto de apresentação que publiquei na Folha logo que a mostra abriu. A exposição Little Lights traz as recorrentes questões estéticas de Jac Leirner em novo formato: o uso de materiais cotidianos surge não mais na forma de cédulas de dinheiro ou sacolas de plástico, mas como 4.000 metros de fio de cobre que conduzem energia para acender uma única lâmpada. Na compahia de Dan Flavin, Gonzalez-Torres e Bruce Nauman, a artista inscreve sua "luzinha" na história da arte.
Angeli: Esse teu texto ficou ótimo, mas prefiro aquele trecho onde você lembra que "enquanto Cildo Meireles se notabilizou por inserir mensagens em circuitos paralelos ao circuito da arte, Jac Leirner sobressaiu por tirar de circulação elementos estranhos ao meio de arte e apresentá-los, resignificados, nesse circuito". Touché! Isso define com limpidez para o leitor o cerne da questão. Quanto a mim, diante de Little Lights na galeria Baró Cruz, fico pensando que também podemos ler essa obra por um viés metafórico. Gosto de enxergar nesses novos trabalhos de Jac uma demonstração de fé na arte, mesmo que para chegar a ela (as tais pequenas luzinhas) tenha sido necessário mobilizar toneladas de energia, quilômetros de determinação. Acho que pode-se ver também por aí, quase como um comentário autobiográfico de uma artista que se reinventa radicalmente à partir da pura energia interna. Um pouco além, a metáfora da própria arte na sociedade: pequenos pontos de luz no caos, mas pontos de luz absolutamente necessários para nos orientar nessa escuridão toda.
Jul: E por fim chegamos à Casa Triângulo, onde Angélica circulou ao som do barulho de chuva na singela obra de Raquel Garbelotti...
...e eu tietei descaradamente o Rogério Degaki. Tantos artistas e obras interessantes nós vimos lá na exposição de aninersário de 18 anos (viva!) da galeria que eu nem saberia por onde começar... Quais artistas você gostaria de destacar, Angélica?
Angeli: A exposição de aniversário da Triângulo está bem equilibrada. Vou destacar aquele objeto/maquete em papelão do Daniel Acosta. Gosto dessas surpresas que Daniel nos traz, ao incorporar materiais inusitados ao universo da escultura. Acho muito sensível a obra de Raquel Garbelotti, que nos devolve a fruição dos sons da natureza diante do esfacelamento sensorial que a grande cidade nos causa. A gente fica se sentindo em uma varanda no meio do mato... barulhinho de chuva! As pinturas de Paulo Whitaker e Vânia Mignone são sempre afirmação de boa arte. Tenho que destacar também essa obra incrível da Sandra Cinto. Emblemática de sua produção.
Jul: Também adorei a fotografia da Sandra Cinto. E vou recorrer a um belo texto recém-publicado para falar dela: "As fotos começaram como registros de fragmentos de seu corpo, desenhados com traços finos de nanquim. Dessa série chamam a atenção especialmente dois trabalhos. Em um deles há um pé, em outro um braço estendido, ambos em close. O pé foi posto em ambígua situação suspensa, que tanto pode lembrar ascensão espiritual, salto de entusiasmo e superação quanto o seu extremo oposto: o mais fundo desespero (o suicida na forca). O braço remete a outra das tragédias contemporâneas: a droga. São belos registros poéticos mergulhados na dor do mundo" (MORAES, Angélica. "Sobre a Arte de Cultivar Asas", in Sandra Cinto: Construção, Dardo, 2006, p. 35). A foto acima foi tirada pela Angélica lá na galeria: só mesmo a crítica de arte que mergulhou fundo no trabalho da artista para conseguir capturar a imagem da obra com tanta integridade e criatividade: em foco está o pé suspenso e, ao fundo, uma figura humana (no caso, um artista genial, o Bruno Faria, que encontramos na nossa visita à Triângulo); pode ter sido obra do acaso, mas fixar a fotografia emblemática e inserir nela o reflexo de um jovem artista, como que projetando para o futuro o paradoxo apresentado na fotografia em questão, me pareceu o desfecho ideal para nossa aventura-alucinete's pelo circuito da arte paulistana.
MUITO BOM !!!!!!!!!!!!!!!
Excelente essa iniciativa de comentarem exposições ... alías era como faziam os críticos antiiiiigamenteeeeee...nas colunas dos principais jornais do País . Visitavam as exposições e depois comentavam .
Agora essa versão em dupla ficou muito mais dinâmica , didática e elucidadora .
Continuem POR FAVOR !!!!!
abs
Mendes Faria
Posted by: Mendes Faria at novembro 21, 2006 5:54 PMexceleeeeeeennnnnnnnnnnnnnnte !!!!!!!!!!!!!!!!!!!
POR FAVOR, continuem SEMPRE isso de comentar exposições !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
obrigada, MUITO BOM !!! Helen Faganello.